Há dois focos de insatisfação sobre regras de conteúdo local na indústria nacional. Um é sobre as medidas para o futuro, que preveem redução na exigência de contratação de fornecedores brasileiros para equipamentos da Petrobras, e reúne entidades empresariais como Abimaq e Fiergs. Outro é em relação ao pedido de waiver da companhia para descumprir regras de conteúdo local já contratadas, que tem mobilizado o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval). A solicitação tenta driblar um descumprimento contratual e está em análise na Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Ao avaliar a situação do segmento, o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, afirma que "não vê mercado brilhante para estaleiros". Confira a entrevista completa:
O que Rio Grande pode esperar da mobilização do Sinaval?
Há muitos anos, estive em Rio Grande. Fui um dos mentores de ter um estaleiro na cidade. Na época, havia um programa bastante consistente da Petrobras para até 20 anos. A primeira empresa não era a Quip (consórcio entre Queiroz Galvão, UTC e Iesa). Era a Aker Promar, da qual eu era acionista, que construiria navios. Resolvemos transformar: em vez de fazer navios, produziríamos plataformas. O local era propício.
Ao mesmo tempo, a Petrobras estava desenvolvendo o dique seco com a WTorre (Estaleiro Rio Grande, hoje da Ecovix, em recuperação judicial). Quando houve plano de construção de oito cascos lá, os replicantes, a Ecovix ganhou a licitação, mas evidentemente ainda não tinha base para construção. Alegam que houve atraso, mas na Ásia existiram obras com até 600 dias de atraso.
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Mas o primeiro casco foi entregue com um ano e meio de atraso.
A P-55, a P-62, a P-63 e a P-58 entraram no dique para fazer acabamentos, o que contribuiu para o atraso.
Mas houve atraso, certo?
O atraso foi produzido pelos próprios clientes, que demandaram trabalho dentro do dique. O projeto básico da Petrobras terminava só quando a obra acabava. Agora, o que se vê é uma companhia deficitária, fazendo obras com consórcio. Nesse consórcio, muito bem elaborado, esqueceram que há um contrato a ser cumprido pelas regras da licitação: ter um conteúdo local mínimo.
Entraram com pedido de waiver (licença, renúncia), que traz série de problemas não só para Rio Grande, mas para vários outros polos navais. Não vejo mercado brilhante para estaleiros. O cliente em potencial pensa em trazer tudo lá de fora. Assim, gera-se empregos na China, não em Rio Grande. A ANP está fazendo trabalho de mercado para ver se é possível o pedido de waiver, para liberar o contrato. Não concordamos com essa liberação.
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Nesse pedido de waiver, usa inverdades quando fala que o preço no país é 40% maior. E não dá abertura para saber o que compõe esses 40%. Não há comparação entre o modelo asiático e o brasileiro. Os asiáticos estão 30 anos à frente do Brasil nesse segmento. Quando tudo começou, os profissionais no Nordeste eram cortadores de cana, e, em Rio Grande, pescadores. Por isso, foi necessária capacitação.
Quando comparamos o Brasil com asiáticos, é preciso considerar que eles trabalham 12 horas com sal grosso e chicote. O Brasil tem legislação protetora a nós todos, trabalhadores. Podemos trabalhar oito horas diárias. A produtividade mostra que em embarcações de apoio estamos tão bem qualificados como asiáticos e noruegueses, os principais desse segmento. Muitas vezes, quando se fala em produtividade, não se faz avaliações dos dois pesos. Na China, ainda se come no capacete. Não tem comparação.
O que o Sinaval propõe para que a Petrobras siga em recuperação financeira e, ao mesmo tempo, ajude a gerar empregos?
Sabemos dos problemas da empresa, mas não podemos deixar de falar que a companhia endividou os estaleiros. Fez investimentos de R$ 25 bilhões em estaleiros dentro de um programa que, teoricamente, chegamos à conclusão de que era mentiroso, será? Ou queremos usar equipamento de alguém que conceda financiamento? Provavelmente, a China está financiando, como já financiou, a Petrobras. Estão querendo levar obras para lá para fazer compensação.
A Petrobras poderá manter projetos de montagem e integração de módulos no Brasil, já que a construção de plataformas é descartada pela companhia? Na visão do Sinaval, é uma alternativa interessante?
Acho que é interessante desde que haja capacidade de construção de módulos no Brasil. O país poderia fazer casco no Exterior, em uma forma de contentar os dois lados. Mas não pode conceder oito conjuntos de módulos para ser construídos aqui. (no caso do bloco de Libra) O que faz esse casco são 24 módulos. O Brasil é capacitado com prazos e qualidade de entrega. Não se está querendo fazer composição sadia para pelo menos manter as bases industriais que estão capacitadas. O país pode fazer o casco lá fora. Mas não é somente fazer 100% lá fora e deixar todo mundo aqui sem negócios. É preciso chamar os negociadores e fazer negociação ampla. Acho que não terá problema nenhum, sem ficar dizendo que os processos saem 40% mais caros no Brasil.
O país vive de mentiras? Nossa realidade é outra. Estamos preparados. Tínhamos 85 mil empregados diretos. Cada posto direto gera seis indiretos. Hoje, estamos com 38 mil vagas diretas. Você sabe quanto custa para treinar um soldador de chão de fábrica? Não é o Senai que dá essa condição. É a própria empresa que tem seu treinamento. Em média, gastamos R$ 30 mil para cada qualificação, mais salários e equipamentos.
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O que o Sinaval espera da Petrobras com o pedido de waiver?
Na nossa visão, pensamos que a Petrobras não quer saber do mercado brasileiro porque não tem financiamento, nem caixa. Sentimos que a companhia está procurando fazer fora do país, onde há financiamento. O governo federal tem de interceder.
Mas, com a falta de recursos do governo, como a situação pode ser resolvida?Acreditamos que seja uma política dos dois lados. Infelizmente, a Petrobras está ouvindo só o do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis).
O que, então, a Petrobras tem de ouvir?
Tem de colocar na mesa suas necessidades e ver qual é a viabilidade dos estaleiros, construtores e fornecedores de equipamentos. É preciso conversar. Não há conversa.
Parte das empresas envolvidas com estaleiros é investigada na Lava-Jato por participação em irregularidades nos contratos. Criou-se uma distorção?
No nosso caso, não existiu isso. Todas as licitações em que integrantes de estaleiros participaram não tiveram envolvimento de acionistas.
Quais serão os próximos passos dessa negociação?
Não existe negociação. Entramos com processo junto à Petrobras, uma liminar que suspende a abertura até que a ANP decida sobre o pedido. Estamos aguardando o que a ANP irá manifestar. Não tem negociação aberta com a Petrobras. Não fomos procurados, nem procuramos. Dois brasileiros não conversaram e estão entrando na Justiça.