Passado o susto, o Brexit é apenas a ponta do iceberg da crise existencial do Velho Continente, que, em 2017, enfrentará fases decisivas a cada eleição em pelo menos quatro países. O sonho da integração entrou em xeque não só pela decisão britânica de deixar a União Europeia (UE). O terrorismo assombrou Bruxelas, Nice e Berlim, e há fortes indícios de que novos atentados, com malucos dirigindo caminhões sobre multidões, vão continuar. A exemplo do que vimos nos Estados Unidos, há descrença generalizada no establishment político. Nesse caldeirão de incertezas, há ainda o temor dos arroubos megalomaníacos do presidente russo, Vladimir Putin, à Leste, sem a garantia de defesa por parte dos irmãos do Oeste – Trump quer que a Europa pague a conta pela própria segurança. Em outras palavras, a Europa se vê, pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, desafiada a resolver, por si própria, seus problemas.
Medo do Estado Islâmico, de Putin, do futuro... Esses sentimentos reforçam nacionalismos que fecham fronteiras e inspiram xenofobia. São ingredientes para o populismo. Em 2017, tudo isso será colocado à prova em cada eleição: Holanda, França, Alemanha e República Checa. Serão testes em doses homeopáticas. Cada pleito com capacidade de gerar ondas sísmicas a abalar ainda mais as estruturas políticas do já frágil continente.
A Europa estaria gestando seu próprio Trump? Ou melhor, cada nação – o que vale, a partir de agora, não parece ser uma política única do bloco, mas de cada país – estaria atrás de seu outsider?
Há candidatos ao posto, embora nenhum com o mesmo dinheiro na conta e a exposição midiática do presidente eleito americano: na República Checa, que realiza eleições em outubro, Andrej Babis – cuja conta corrente é a que mais se aproxima de Trump –, já foi comparado ao ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi e pode chegar a primeiro-ministro. Geert Wilders, na Holanda, e Marie Le Pen, na França, têm discursos semelhantes, com promessas de abandonar a UE. A locomotiva alemã, que parecia sólida ao rumar para o quarto mandato de Angela Merkel, pode sair dos trilhos com o atentado de dezembro. A extrema-direita, do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), tem feito o possível para jogar a culpa pelo ataque na mulher que, em 2015, permitiu a entrada de 890 mil refugiados. Em tempos de pós-verdade, sabemos, a repetição de uma mentira em algum momento pode virar verdade.