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Aos 86 anos, Noeli Aguiar aponta para o outro lado da Rua da República com o seu braço esquerdo, duas vezes fraturado por quedas em calçadas do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. O dedo mira o outro lado da rua, para o passeio público esburacado da capatazia do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).
- A prefeitura exige que a gente arrume. Aí arrumamos ligeirinho, e ela não - critica.
Noeli e seu cão João caminham sobre o piso reformado do Edifício Barão. Do outro lado da Rua da República, a calçada da capatazia do DMLU é mau exemplo
Foto: André Mags
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Em 2011, foi lançada a campanha da prefeitura Minha Calçada: Eu Curto, Eu Cuido. Os números confirmam que os particulares têm respeitado mais a campanha do que o próprio poder público municipal. A média de passeios que não foram consertados por particulares tem sido de cerca de 15% nos bairros englobados pela campanha até agora - Centro Histórico, Cidade Baixa, Bom Fim, Menino Deus, Moinhos de Vento, Farroupilha, Mont Serrat, Rio Branco, Bela Vista, Auxiliadora, Floresta, Petrópolis, Higienópolis, São Geraldo e Santana.
No Bom Fim, por exemplo, 1.113 imóveis tiveram seus passeios vistoriados, 952 estão bons e 161, ruins (14,47%). No Moinhos, de 1.881, 1.614 são consideradas boas e 267, ruins (14,19%), e no Menino Deus, do total de 3.308 imóveis, 2.791 calçadas estão boas e 517 (15,63%), ruins.
Já os números dos passeios públicos não são animadores. Todos os 619 parques e praças da cidade precisam de reformas nos passeios, mas só quatro tiveram as calçadas arrumadas. Dos 169 estabelecimentos de saúde, 42 necessitam de reparos nos passeios públicos, porém há somente 22 projetos de obras aprovados. Quanto às 96 escolas do município e 165 conveniadas - o setor jurídico da prefeitura ainda avalia se deve arrumar os passeios destas últimas -, somente cinco foram consertadas. A prefeitura realiza um levantamento para identificar quantas calçadas do total de escolas precisam de consertos.
Coordenador do setor de calçadas da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), Délcio Hugentobler afirma que há uma grande demanda reprimida de obras em passeios pertencentes a órgãos públicos ao longo dos anos. Para contornar o problema, a prefeitura tem a meta de reformar 30 mil metros quadrados de calçadas de prédios públicos por ano. Em 2013, chegou a 21.723 metros quadrados. Este ano, até agora foram feitos entre 22 mil e 23 mil metros quadrados. As obras dependem de tempo bom.
- O tempo influencia muito. Se chove um dia, pode levar uma semana para secar o solo - argumenta.
Hugentobler explica o porquê de haver atraso nas obras de responsabilidade da prefeitura:
- Temos que respeitar os orçamentos próprios de cada órgão da prefeitura. Temos respeitado também prioridades das secretarias e demandas do Orçamento Participativo. No Centro Administrativo Regional Nordeste, por exemplo, a comunidade preferiu asfaltar a Rua 6 de Novembro antes de melhorar a calçada.
Nem mesmo a Smov tem calçada não no padrão exigido - mas, para economizar, a secretaria está esperando para arrumar a calçada quando o prédio todo for reformado, o que está previsto para ser feito ainda este ano.
Particulares são multados se não adequarem calçadas no prazo
Para Noeli e seus vizinhos do Edifício Barão, não houve opção de escolher outra prioridade: o orçamento do condomínio teve que prever a reforma, sob pena de receber multa de cerca de R$ 260. Nesta terça-feira, ela e seu cão poodle João pisavam sobre o passeio público em frente ao seu edifício, irretocável depois de dois consertos - um antes e outro depois do início da campanha da prefeitura.
O assunto, para Noeli, é sério. Pintora destra, Noeli vende seus quadros no Brique da Redenção aos domingos. Por sorte, nas duas quedas, ocorridas nos últimos 10 anos, o braço ferido foi sempre o esquerdo - na primeira vez, quebrou o membro, na segunda, o pulso. A causa foi o tropeço em buracos ou desníveis nas calçadas da Cidade Baixa. Em maio, um idoso morreu ao tropeçar em uma calçada irregular na Avenida Plínio Brasil Milano e ser atropelado por um ônibus depois de cair na via.
Atualmente, a campanha segue nos bairros Farroupilha e Santana. Moradores das regiões envolvidas recebem avisos sobre a necessidade de arrumar as calçadas e, em caso de descumprimento, podem ser multados. No caso de estabelecimentos comerciais, o descumprimento gera o risco de ter o alvará cassado.