
Se na percepção de parte dos consumidores a água de Porto Alegre não está mais tão intragável quanto semanas atrás, quando o cheiro e o gosto do líquido em diversos bairros remetiam ao sótão de um mausoléu da floresta, a falta de respostas claras para a origem do problema segue difícil de ser assimilada pelos porto-alegrenses. Divulgados na segunda-feira, resultados de análises da água coletada em cinco pontos da Capital, que poderiam ajudar a esclarecer a questão, nada disseram.
Nesta terça-feira, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) sinalizou que não vai desistir: está em fase de contratação de novos testes, desta vez para 500 poluidores, quase quatro vezes mais do que o investigado na primeira análise. Ainda assim, admite a possibilidade de não encontrar resposta para o problema.
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– É possível que (a água) volte à normalidade e não tenhamos identificado a origem – disse o diretor de tratamento e meio ambiente do órgão, Marcelo Gil Faccin.
O Dmae segue reiterando que a água não oferece riscos a quem a consome. Nesta quarta-feira, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) deve divulgar os primeiros resultados no monitoramento semanal feito em pontos do Guaíba na zona norte da Capital, que estão sendo analisados pelo Ministério Público. Leia, abaixo, a entrevista completa com o diretor de tratamento e meio ambiente do Dmae, Marcelo Gil Faccin:
Ao fim de quase dois meses, ainda não se pode dizer o que causa as alterações na água da Capital. O que será feito a respeito?
Investigamos, em um primeiro momento, a presença de 132 parâmetros (substâncias poluidoras). Com base nos resultados da análise, estão todos dentro dos limites. Agora estamos encaminhando a contratação de um outro laboratório, em São Paulo, que vai permitir ampliar esse escopo para quase 500 parâmetros da mesma linha (compostos orgânicos voláteis e semivoláteis) dentro desse processo investigativo.
Os locais investigados serão os mesmos?
As coletas devem ser feitas nos mesmos pontos, para encontrar o nexo causal, dentro dessa carga poluidora que entra no Guaíba através do bombeamento da Trensurb. Sabemos que a (casa de bombas da) Trensurb não é a geradora. Mas ainda não podemos afirmar o composto nem sua origem. O processo investigativo segue, principalmente com os órgãos de proteção ambiental, a quem o Dmae tem dado apoio.
O Dmae acredita que a nova pesquisa poderá apontar o que de fato provocou as mudanças na água?
Do ponto de vista técnico, não devo gerar uma expectativa. Além desses 500, podem ter ainda mais 1 mil parâmetros. Estamos seguindo todos os protocolos. Se você ampliar a pesquisa, vai ver que existem registros de situações similares, até na Europa, onde não foi identificada a origem do problema. É possível que (a água) volte à normalidade e não tenhamos identificado a origem.
Em muitos bairros, a água segue com cheiro e gosto ruins.
Eu discordo disso. Estamos falando de compostos presentes numa concentração de nanograma por litro. O ser humano consegue captar esses compostos em baixíssima concentração, e isso varia de sujeito para sujeito: eu posso objetar esse valor que está presente e outra pessoa não. Então existe, dentro da técnica, o que chamamos de painel sensorial. O Dmae tem técnicos que foram capacitados para identificar que tipo de odor está presente naquela água. Com base nessas informações, o padrão sensorial já apresenta uma melhora. O individuo pode objetar, e respeitamos a posição, mas ela é leiga.
Apesar das mudanças no tratamento, que incluiu o carvão ativado e reforçou o dióxido de cloro, o diretor-geral relacionou a melhora das condições da água à chuva das últimas semanas. Há alguma mudança prevista para que o tratamento, no futuro, possa amenizar esse tipo de problema?
O desafio da potabilidade é permanente. O Dmae é uma referência no saneamento, permanece sendo, está na vanguarda na tecnologia de tratamento de água. Estamos avaliando a possibilidade de implantação de um sistema de ozonização no pré-tratamento (que pode filtrar uma gama maior de substâncias) no ano que vem, em uma estação de menor capacidade. Desde 2013, realizamos testes de bancada e tratativas com fornecedores para verificar a implantação. É uma tecnologia que precisamos amadurecer, porque tem dependência de tecnologia importada, exige oxigênio líquido, tem vantagens e desvantagens. Já para a unidade de topo (que pega água captada no ponto considerado mais poluído, junto ao Cais Navegantes), deve haver um prolongamento (para que a água seja captada no Rio Jacuí em vez do Guaíba).
Sem respostas conclusivas ao que causa as mudanças na qualidade da água, há motivos para os consumidores se preocuparem?
Não. Eu não me preocupo com isso. Tenho 23 anos de Dmae nessa área. Esse é o primeiro evento que não tem uma associação clara com fluoração de algas ou actinomicetos. Estamos lidando com uma poluição que impactou o manancial e, apesar de toda técnica, não foi possível atenuar 100%. Estamos reunindo esforços para tentar encontrar a origem do problema. Só que é um cenário complexo. Se fosse simples, já teria sido resolvido. Apesar disso, não estou preocupado em não ter caracterizado a origem, porque todas as análises apontaram para o mesmo caminho: o atendimento dos padrões de potabilidade. A água permanece segura para consumo humano. Nossa preocupação é que as pessoas busquem outras fontes, que tenham uma contagem de bactérias maior e que tragam um problema sério para a saúde.
É possível dizer quando o sabor e o cheiro da água vão apresentar melhoras?
Meu banho quente hoje de manhã não teve aquela percepção de odor característica de quando se abria a ducha. A evolução vai ser percebida ao longo dos dias. Não posso fazer uma previsão porque, tecnicamente, são muitas variáveis. Mas procuramos eliminar as hipóteses. Somos uma indústria de transformação da água bruta em água adequada para o consumo humano. Não temos o controle da fonte.