
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) anunciou, nesta quarta-feira, os resultados para os testes da qualidade da água em Porto Alegre. Conforme o órgão, a floração de bactérias que não afetam a saúde dos consumidores causou o odor de terra.
Os resultados foram anunciados durante uma coletiva de imprensa, realizada na Estação de Tratamento de Água (ETA) José Loureiro da Silva, no bairro Menino Deus. A data foi escolhida por se tratar do Dia Mundial da Água.
Pelo menos desde fevereiro, moradores de diversos bairros da Capital têm reclamado que a água possui cheiro e sabor de terra. Em alguns casos, até a coloração estava alterada. Parte dos consumidores passaram a associar as mudanças com problemas estomacais, enjoos e vômitos.
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No início de março, Zero Hora divulgou que a prefeitura contabilizava cerca de 20 reclamações diárias por causa do odor e do gosto do líquido. No entanto, nos testes realizados pelo Dmae, nenhum indicativo de que a água estava imprópria para o consumo foi confirmado.
Embora realize alguns testes em Porto Alegre, o órgão não consegue analisar se há duas sustâncias específicas na água (compostos gerados por microrganismos), o que demanda o uso de um equipamento de cerca de R$ 1 milhão. Por isso, amostras foram encaminhadas para a análise em um laboratório de São Paulo, contratado pela prefeitura.
Laboratório apontou superpopulação de cianobactérias
As análises feitas em São Paulo, pelo laboratório Bioagri - Mérieux NutriSciences, comprovaram a floração de bactérias que alteram o cheiro e o gosto da água, chamadas de cianobactérias. Antes, elas eram classificadas como algas, por terem o metabolismo semelhante aos outros organismos. Conforme o Dmae, essas bactérias liberam na água uma substância chamada Metilisoborneol (MIB), que seria a responsável pelo gosto e pelo odor de terra (ou até de mofo, dependendo da percepção da pessoa).
Conforme o relatório do órgão sobre as análises, distribuído à imprensa durante a coletiva, "esta substância não traz risco à saúde e, portanto, a água tratada pelo Dmae é segura para consumo". Conforme o engenheiro químico e diretor de Tratamento e Meio Ambiente do órgão, Marcelo Faccin, a legislação que regula os padrões de potabilidade sequer estabelece um limite para a substância.
– Ela é percebida em razões tão pequenas que são identificadas somente por alguns clientes, o que explica pessoas da mesma casa sentirem ou não (o cheiro e o odor de terra na água). Isso é do indivíduo, alguns percebem um pouco mais, e outros, um pouco menos – afirmou o diretor.
Recorrente na Capital, o fenômeno ocorre por causa da soma entre as altas temperaturas e a ausência de chuvas, como aconteceu neste verão. Esses elementos climáticos favorecem o maior desenvolvimento das cianobactérias, causando o fenômeno chamado de floração, a superpopulação desses microrganismos.
Conforme Faccin, a última floração aconteceu no ano de 2012, mas, nos últimos 10 anos, houve a superpopulação dessas algas (agora chamadas de bactérias) em todos os anos, com exceção de 2010.
– O porto-alegrense vinha enfrentando esse gosto na água nesses verões, o que não aconteceu de 2013 para cá, mas se repetiu neste ano – completou o engenheiro.
Fernando Spilki, pesquisador da Feevale que trabalha com análise microbiológica da água, afirma que, além dos já citados fatores climáticos, a causa mais provável para a floração dessas cianobactérias é a falta de tratamento sanitário, porque esses microrganismos se aproveitam de elementos como o fósforo.
– Se houvesse o devido tratamento de esgoto, haveria menos probabilidade de isso acontecer – diz ele.
O especialista afirma que as cianobactérias poderiam produzir toxinas em situações especiais, mas que a MIB não é uma cianotoxina e que desconhece situações em que ela tenha gerado problemas à saúde.
Produto químico foi adicionado à água para amenizar gosto e odor
Faccin ainda explicou que o Dmae "tem trabalhado muito para diminuir essa percepção de gosto e odor", com a adição de um produto químico chamado dióxido de cloro.
– É um antioxidante mais enérgico do que o gás cloro, que pode ser aplicado na água bruta. Não podemos utilizar algum produto que cause malefício à saúde – explicou.
Além dessa substância, o Dmae pode adicionar carvão ativado na água, para a remoção de micropoluentes.
– Nesse episódio de 2017, não fizemos uso de carvão ativado porque todas as análises que o Dmae conduziu ou contratou atendiam aos padrões de potabilidade do Ministério da Saúde. Mas, na hipótese de uma estiagem prolongada, como em anos anteriores, temos também esse produto químico para ser utilizado – completou.
Atualmente, conforme o órgão, as reclamações sobre o gosto e o odor de terra na água variam de três a quatro por dia, índice pequeno segundo o diretor.
Resolver o problema de vez, no entanto, "foge das questões do Dmae", pois seria um problema ocasionado pelo clima, segundo o engenheiro. O diretor explica que, para que isso não volte a ocorrer, uma das possibilidades seria aumentar a preservação do Guaíba.
O professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS Dieter Wartchow defende a aplicação imediata de carvão ativado, explicando que esse carvão especial possui propriedade de reter compostos orgânicos persistentes.
– As concentrações (da substância MIB na água) não são extremas, mas elas demonstram que existe uma alga que precisa ser removida da água se quisermos beber uma água boa – diz.
Água com a cor alterada não deve ser ingerida
Já no caso da alteração da cor da água, é preciso acionar o Dmae. Faccin explica que a mudança na coloração ocorre normalmente devido a interferências na rede, que podem ocorrer quando obras em outras redes – como de esgoto, de internet ou de gás, por exemplo –, acabam rompendo a estrutura do órgão. No total, o Dmae possui mais de 4 mil quilômetros de redes de distribuição.
Casos de falta de energia elétrica, que interrompem o abastecimento, também podem alterar a coloração da água. Faccin explica que, por causa da interrupção, há a possibilidade do material inerte que está nas paredes da tubulação sejam carregados ao cliente.
– Nossa recomendação (no caso da mudança de cor) é que essa água não seja ingerida – afirma o diretor.
Clientes que tiverem problemas com a cor da água podem acionar o órgão por meio do telefone 156, opção 2. Já pessoas que utilizam filtros de água devem seguir adequadamente as orientações do fabricante, pois a ausência de manutenção pode acabar contaminando a água em vez de torná-la ainda mais "pura", conforme Faccin.