
Com metade das vagas no próximo vestibular reservadas a estudantes formados em escolas públicas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) passa a cumprir, a partir de 2016, o sistema nacional de cotas aprovado há quatro anos. Das mais de 5,5 mil vagas destinadas à graduação no ano que vem, apenas 1.987 serão disputadas pela ampla concorrência, em que os estudantes com melhores notas entre todos os concorrentes garantem aprovação.
Vestibular 2016 começa em 10 de janeiro com 50% das vagas para cotas
UFRGS investiga se estudante de Direito fraudou cotas raciais
A mudança, feita em conformidade com a Lei das Cotas, significa que a maior universidade do Estado vai passar a oferecer menos vagas para a disputa franca e mais para aqueles que fazem parte dos grupos contemplados. Assim, quem estudou em escolas particulares no Ensino Médio terá de enfrentar uma concorrência ainda maior para ingressar na graduação. E a disputa não há de ser menos acirrada em outras instituições pelo Brasil: a lei é federal, e se aplica tanto aos vestibulares quanto ao ingresso pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
A UFRGS explica que adotou as chamadas ações afirmativas antes mesmo de serem lei e que, apesar de algumas críticas, a reserva de vagas não tem impacto significante na qualidade do ensino. Para o pró-reitor de Graduação, Sérgio Franco, a universidade tem cumprido seu papel de possibilitar o acesso ao Ensino Superior para candidatos cada vez mais diversos - até mesmo quem nem considerava poder ser aprovado no concorrido vestibular.
- Antes de haver essas alternativas, uma parcela da população sequer cogitava entrar na universidade. Hoje, verificamos uma mudança de perfil das pessoas que ingressam, e isso é muito positivo - avalia Franco.
No entendimento da universidade, o desafio maior é se preparar para receber esses alunos - e não o contrário, com alunos se preparando para a vida universitária. Franco explica que setores ligados à recepção dos estudantes têm trabalhado para prestar auxílio aos novos ingressantes, muitos vindo de contextos familiares e culturais diferentes do que, até então, se via no campus. Com isso, o pró-reitor garante que todos acabam sendo beneficiados.
Lei é aprovada, mas com ressalvas
No modelo adotado pela UFRGS, só tem direito às cotas quem estudou todo o Ensino Médio em escola pública. Os 50% reservados para esses candidatos são subdividido em quatro modalidades, que contemplam pretos, pardos, indígenas e brancos com renda familiar inferior ou superior a 1,5 salário-mínimo nacional per capita. Esse modelo permite, por exemplo, que estudantes de instituições públicas que são referência no ensino, como colégios militares, disputem vagas com estudantes de escolas estaduais e municipais.
Essa é uma das críticas feitas à atual Lei de Cotas. Para a advogada especialista em direitos estudantis Wanda Siqueira, a lei acaba sendo desvirtuada e criando injustiças, apesar de ter sido criada para combatê-las. Ela defende a existência de cotas sociais, e não raciais, para evitar discrepâncias.
- Estudantes negros que cursaram todo o Ensino Médio, ou mesmo uma só série, com bolsa em alguma escola particular não podem ser aprovados pelas cotas. Onde está a justiça nesses casos?
Para Nelson Inocêncio, integrante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB) - primeira instituição da rede federal a adotar a reserva de vagas, em 2003 -, porém, o racismo deve ser combatido com iniciativas como essa.
- Lamentável é uma lei que associa o racismo à condição econômica do candidato. Eu não precisei ser pobre para sofrer racismo - destaca o professor.
Inocêncio defende que as universidades públicas só têm a ganhar com maior diversidade, e a lei que passará a ser aplicada integralmente em 2016, apesar de alguns equívocos, atende a uma demanda histórica da população. A democratização do acesso ao Ensino Superior, ele destaca, é urgente, e a universidade pública tem que ser para todos.
* Zero Hora