
Deolir e Rodrigo Girardi experimentavam uma mescla de temor e euforia ao chegarem ao Hospital Divina Providência para o ultrassom. Depois de quase cinco anos de tentativas e um desgastante tratamento de reprodução assistida, a dona de casa de Frederico Westphalen enfim estava grávida. O médico procurou acalmá-los, atraindo a atenção dos dois para o monitor que exibiria o útero da mamãe estreante.
- Não fiquem nervosos - pediu ele.
Iniciado o exame, o semblante tranquilo do radiologista se alterou:
- Minha nossa!
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O médico, sobressaltado, secava o suor que marcava o rosto. Rodrigo se assustou, imaginando que a gestação pudesse não ter vingado:
- Doutor, não deu certo?
A afirmativa do especialista tranquilizou os pais por um instante. Antes da revelação, ouviu-se o som de batimentos cardíacos.
- São três! - anunciou o médico.
Anestesiado, o casal deixou o local sem fala. Bastou um telefonema para a casa se encher de amigos e parentes. Os trigêmeos viraram notícia em rádio e jornal, e uma multidão comemorava a conquista que, após tanto custo, parecia mais um milagre.
Antes de descobrirem os problemas reprodutivos de ambos, Deolir, 38 anos, conhecida como Doty, e o vereador Rodrigo, 40, apelaram até para simpatias. O que o povo dizia, ele executava: chupar oito limões ao amanhecer, engolir dois ovos crus. Diagnosticados, iniciaram o acompanhamento especializado em uma clínica de Passo Fundo. Na quinta transferência de embriões, encararam o procedimento como o último. Haviam zerado as economias e estavam exaustos do vaivém na estrada. Não suportavam mais o fracasso. Circular pelas ruas do município de 30 mil habitantes era um tormento.
- E aí, pegou? Engravidou? - indagavam os curiosos.
O ritual com os testes de gravidez comprados em farmácia se repetiu pelo menos 20 vezes: a mulher coletava a primeira urina da manhã em um recipiente, e o marido, nervoso, escondia-se na cozinha para molhar a fita de papel e aguardar o resultado. Doty sabia o significado da demora do marido: mais uma frustração. Em uma manhã de agosto de 2014, 11 dias após a derradeira tentativa de introdução dos embriões na paciente, Rodrigo voltou rápido do refúgio, sorrindo, chorando. No pedaço de papel, dois risquinhos cor de rosa: positivo. "Feitooooo!", vibrou o novo papai no Facebook. "Depois dos 47 minutos do segundo tempo, quando achávamos que não conseguiríamos reverter o jogo, veio nos acréscimos a notícia. Vou ser pai", completou o torcedor do Grêmio.
Durante muito tempo, ficou decidido que, se fosse menino, o filho teria o nome do pai - uma homenagem de Doty àquele homem tão desejoso de uma cria. Como os obstáculos não cediam, Rodrigo invocou a fé católica e caprichou na promessa:
- Se você conseguir engravidar, vamos botar o nome do Papa Francisco.
Informados de que aguardavam três crianças, os pais tiveram de adaptar os planos. Se nascessem só meninas, seriam três Marias: Maria Alice, Maria Cecília e Maria Luiza. No caso de mais de um menino, inspirariam-se em Bento XVI e João Paulo II, líderes máximos da Igreja que precederam o atual pontífice argentino. Rodrigo se preocupava com a possibilidade de os irmãos que não recebessem nomes com motivação papal se sentirem inferiores.
- Não quero cometer injustiças - frisou.
A comprovação dos sexos surgiu em mais uma ultrassonografia emocionante.
- Três guris, doutor? - questionou Rodrigo, querendo se certificar do que acabara de ouvir.
- Três! - assentiu o médico.
- Três cuecas?! - insistiu o pai, incrédulo.
- Três!
- Três noras?!
- Três!!!
Superlativa, a nova fase começou no chá de fraldas: 200 convidados, mais de 300 pacotes de fraldas. Os pais se mudaram provisoriamente para Passo Fundo, para que Doty contasse com a segurança de uma UTI neonatal próxima. João, Bento e Francisco nasceram de cesárea, com 34 semanas, em 22 de março. "Perdi as pernas, perdi o chão. Não sinto mais nada, não sei onde estou", narrou o pai no perfil da rede social. No primeiro contato, os prematuros impressionaram a mãe pelo tamanho diminuto - pesavam, respectivamente, 1,965kg, 1,510kg e 1,435kg.
- Não vão se criar - apavorou-se Doty diante das incubadoras.
Os trigêmeos tiveram alta em momentos distintos, já consagrados como "os três papinhas", após 23, 33 e 43 dias de internação e algumas complicações. Com 90 caixas de chocolates, os Girardi agradeceram o zelo dos funcionários.
Completa, a família retornou a Frederico em 5 de maio. Com camas, roupas e acessórios multiplicados por três, o apartamento de dois quartos provou ser pequeno de imediato - desativado, um dos banheiros se transformou em depósito de fraldas, com pilhas encostando no teto. Doty parou de trabalhar como vendedora ainda na época do tratamento, e Rodrigo hoje se dedica apenas ao cargo de vereador, planejando retomar a atividade de comerciante assim que os trigêmeos começarem a frequentar a escola infantil. Destrancada, a porta da residência se abre a toda hora - parentes, padrinhos, vizinhos aparecem para ajudar ou apenas observar a lida em mutirão. A comunidade religiosa vibra com a tríade: um padre de Palmitinho que viajou ao Vaticano contou que, quando desembarcou, os papinhas de Frederico já eram conhecidos por lá. Na volta, o sacerdote presenteou os pequenos fiéis com medalhinhas abençoadas por Sua Santidade.
Sorridentes, os guris não estranham ninguém e passam de um colo a outro. Vestidos de Papai Noel, por iniciativa da mãe, para a sessão de fotos desta reportagem, João, Bento e Francisco se divertiam mordendo e arrancando as toucas uns dos outros. A sala transborda com a euforia do pai na terça-feira 15 de dezembro. Rodrigo fala alto, gesticula, quer contar tudo, de um fôlego só, sobre os nenês. Doty faz "sssshhhhhhh" para que o marido controle a exaltação, tentando preservar o sono dos filhos. O casal chora mais de uma vez, relembrando a trajetória percorrida até ali.
- Joãozinho do pai! Joãozinho sem-vergonha do pai! - brinca Rodrigo, balançando no alto o primeiro a despertar da sesta.
Rodrigo preza a distribuição equilibrada de afeto. Se dá uma bolachinha para um, dá para os três, se pega um no colo, pega os três. Tiram-se muitas fotos, todos os dias. No WhatsApp, o grupo Notícias dos Trigêmeos mantém meia centena de pessoas atualizadas sobre o cotidiano dos manos. Ao enviar uma imagem de Bento peladinho, Rodrigo comentou, para delírio da turma: "Não é uma beleza de tico?".
As demandas simultâneas forçaram os cuidadores a se organizar. Para evitar repetições e omissões - certa vez, a mãe demorou a perceber que um dos bebês estava com prisão de ventre -, duas planilhas afixadas à parede exibem os registros das mamadeiras (quantos mililitros de leite cada um bebeu e a que horas) e evacuações. A tabela das fezes é minuciosa: "segunda cocô médio + cocô mole", "terça cocozão", "quarta cocozinho + cocô bom", "quinta cocô bolinha dura depois cocô bom". Há madrugadas em que a dona de casa chora, atônita com a trabalheira, mas o desespero não se prolonga - Doty desanda com a doçura dos garotos. De manhã, sabe que eles acordaram quando escuta a sinfonia de pezinhos tamanho 16 batucando na guarda dos berços de vime. E então começa mais um dia sem paragem: mamadeiras, fraldas, banho, brincadeiras, colo, papinhas, sonecas.
- A gente não vê escurecer e não vê amanhecer - relata ela, satisfeita.
Aos nove meses, os meninos apresentam características bem marcantes: Bento é quieto, reservado. João adora colo, é tranquilo, mas faz manha. Francisco: tiririca, espoleta, intenso. A fisionomia confunde olhos não treinados, mas os irmãos não são idênticos. Logo após o parto, a mãe receou não ser capaz de diferenciá-los. Doty garante que nunca os confundiu e se gaba de diferir sons e cheiros ao longe. Rodrigo, divertido, apressa-se em desmenti-la:
- Esses dias você estava procurando o João e ele estava no seu colo.
Apegado ao Natal, Rodrigo está ansioso pela primeira celebração da família de dois que viraram cinco. Há um ano, tudo eram expectativas: "grávidos", mas ainda sem a atividade incessante de agora, os pais puderam aproveitar o jantar e dormiram tarde. Os Girardi prezam pela simplicidade, e nesta quinta-feira a ceia terá frango assado, arroz à grega e salada de maionese. Estarão entretidos com pacotes de lenços umedecidos, leite em pó para o mamá e ritos de ninar. Não há festa melhor.
- São três Meninos Jesus na nossa casa - diz ela. - Eu nem lembro como era antes.