Comportamento

Recomeço

O primeiro Natal do haitiano Phane Luxana na companhia da família desde a chegada ao Brasil

Campanha promovida por moradores de Três Coroas arrecada fundos para custear a viagem dos outros filhos do pedreiro

Larissa Roso

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Mateus Bruxel / Agencia RBS
Mislene e a filha, Misline, desembarcaram no Estado em outubro, mais de um ano após Luxana, graças ao dinheiro economizado por ele com o trabalho na construção civil

Marileuza Ruppenthal, 56 anos, carrega na memória há mais de uma década o relato desesperançado do filho, enviado ao Haiti em missão do Exército, experiência que marcou a fundo toda a família.

- Esse país precisa de água, comida e trabalho. Aqui eles não têm - contou à mãe, por telefone, o soldado Tailon.

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Desde então, a aposentada de Três Coroas, no Vale do Paranhana, sentia necessidade de ajudar o povo caribenho, e a oportunidade se apresentou durante um almoço recente, em um restaurante. Informada de que uma família de haitianos radicada na cidade estava sobrevivendo com precariedade, Marileuza não conseguiu mais comer. Adelar, o marido, surpreendeu-se quando ela interrompeu a refeição e saiu:

- Endoidou?



Em um supermercado próximo, a aposentada comprou azeite, sabão, arroz, feijão. Dirigiu-se então à casa que Phane Luxana, 30 anos, ergueu sozinho, com sobras de madeira, nas noites de folga. Sua mulher, Mislene Noel, 34 anos, desembarcou no Brasil em outubro, mais de um ano depois de Luxana, graças ao dinheiro economizado por ele com o trabalho na construção civil. A dona de casa chegou com a caçula, Misline, um ano e dois meses, deixando para trás, aos cuidados de parentes, os outros dois filhos, de cinco e seis anos. Sofrendo com a saudade dos meninos e as dificuldades enfrentadas no Rio Grande do Sul, o casal parecia abatido.

- Brasil mais não - balbuciou o pedreiro, falante nativo de francês e crioulo que aqui se comunica em uma mistura de português e espanhol.

Comovida, Marileuza decidiu que tentaria trazer as crianças do Caribe até o Natal.

- Meu coração se derreteu - justifica ela.

Ao compartilhar a história no Facebook, Marileuza deu início a uma campanha que mobilizou os três-coroenses nas últimas semanas. Montou uma cesta com produtos natalinos para promover um sorteio e convidou Luxana a se vestir de Papai Noel para visitar residências em troca de contribuições espontâneas em qualquer valor.

Sob a fantasia vermelha, com coturnos pretos menores que os pés, o operário negro encarna uma versão incomum do personagem mais popular da celebração dezembrina. No Haiti, segundo Luxana, a passagem da data tem festa e música, mas não a figura do velhote bonachão.

- Só os ricos trocam presentes - conta o imigrante.

Luxana partiu rumo ao Brasil sonhando proporcionar uma vida mais confortável aos familiares. Manda grande parte do salário para os filhos e a mãe. No terreno onde levantou o casebre, antes um depósito de lixo, agora brota uma horta bem sortida, com cebolinha, salsa, tomate, batata, chuchu. Contratada no bazar de propriedade de Marileuza como auxiliar, Mislene, sem entender o português, cumpre as ordens para limpar e repor produtos interpretando gestos. Como passa o dia fora, a haitiana deixa a nenê sob a supervisão de uma vizinha. Misline, desinibida, tenta repetir tudo o que ouve e vai construindo as primeiras palavras na língua da terra que a acolheu: oi, mamãe, alô, não. As meninas da rua, pronunciando o nome inusual da recém-chegada em inúmeras versões, tratam-na como uma boneca, carregando-a no colo de um lado a outro.

- Ismiliiii! - chama a amiga Esteffany, sete anos.

A partir das doações, uma primeira remessa de R$ 4 mil já foi enviada ao Haiti para a confecção dos documentos das crianças. Faltam ainda quase R$ 5 mil para custear as passagens de avião. A expectativa agora é de trazer os irmãos haitianos até março. Em agradecimento, Luxana convidou Marileuza e Adelar a apadrinharem os três filhos. Devoto, o pedreiro frequenta a igreja Templo de Adoradores e reza pela benfeitora de "coração bom". O desânimo de meses atrás se converteu em esperança, e o primeiro Natal de Luxana com a família na terra nova se prenuncia feliz:

- Foi muito difícil e triste ficar sozinho. Este ano vai ser maravilhoso. É uma porta que Deus abre para mim. Eu me sinto mais feliz. Deus mandou muitas bênçãos. Vou mandar um abraço para Deus. Ele foi maravilhoso.

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