
Em entrevista a ZH no último final de semana sobre os primeiros seis meses de mandato, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, afirmou que "quem está aqui (na equipe da prefeitura) para resolver tem de estar angustiado", referindo-se a um comportamento que considerava essencial para superar as dificuldades da gestão. Mas esse tipo de sentimento poderia ser algo justificável, esperado até, para quem lida com uma administração importante, seja na gestão pública ou privada? Fontes ouvidas por ZH questionam o uso do termo "angústia", mas também debatem de que forma a palavra pode ser entendida como motivação.
Especialistas em gestão relacionada ao trabalho concordam ao dizer que "angústia" não é, em qualquer situação, um sentimento desejável. Geralmente, quando surge, está relacionada a situações de ansiedade, de desmotivação, de frustração.
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– A angústia no trabalho leva ao adoecimento. Quem trabalha assim está o tempo todo pressionado e não consegue dar uma resposta adequada. É um sentimento negativo. A angústia não é justificável em nenhum tipo de ambiente, nem público nem privado – define o psicólogo e administrador Adriano Peixoto, presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho, com sede em Brasília.
Mas pode ser que a expressão, antes de significar, como aponta o dicionário, "ansiedade ou aflição intensa; ânsia, agonia", tenha sido usada para definir uma pressão que se entende frequente em cargos de gestão, em áreas como saúde e segurança. Essa pressão – um estresse "do bem" – poderia, em doses moderadas, quando transformada em metas realizáveis e acordada com os próprios funcionários, servir como motivação.
– O estresse pode funcionar como uma "mola propulsora" para os indivíduos quando estes tomam o estressor como um desafio a ser vencido, como algo que, apesar de desestabilizar o sujeito e o ambiente, tira-os do lugar comum e incita a criação de novas possibilidades de enfrentamento – explica a psicóloga do trabalho Miryam Mazieiro, vinculada ao Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP).
Ela alerta, porém, que há um importante meio-termo entre a falta de cobrança e a demanda excessiva. Passado esse limiar, os prejuízos seriam grandes. Segundo Miryam, o estresse laboral ocupa, hoje, o segundo lugar entre os mais frequentes problemas de saúde relacionados ao trabalho. Ele é responsável por 25% dos afastamentos por motivos de doenças ocupacionais com duração superior a duas semanas.
E como chegar a esse meio-termo? Se funcionários pouco cobrados acabam se desmotivando e aqueles muito pressionados terminam até por adoecer, a sugestão dos psicólogos é buscar um ambiente saudável, de diálogo, resultados alcançáveis e gestão eficiente, valorizando os méritos individuais de cada trabalhador. E entendendo o que pode e o que não pode ser atingido a partir dos recursos humanos e financeiros disponíveis.
– Desafio é uma coisa, motivação é outra – pondera Silvana de Oliveira, presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul.
Às vezes, efeito pode ser contrário ao esperado
Um trabalhador pode ficar angustiado – ou, para usar um termo menos grave, estressado – se está sendo pressionado demais, e percebe-se incapaz de dar conta de tudo o que é exigido dele, ou porque se vê subaproveitado, realizando tarefas aquém do que poderia cumprir. As consequências nunca são positivas, especialmente para a saúde do funcionário. Mas também não o são para a própria instituição onde ele trabalha.
– Criar uma barreira intransponível como meta, algo muito além da competência do contratado, gera sofrimento e desestímulo. A pessoa vai acabar fazendo o mínimo necessário porque vai ter a percepção de que nada pode ser feito para atingir o objetivo – completa Silvana.
Ou seja: se a intenção, ao angustiá-los, é exigir o máximo dos funcionários, o efeito acaba, na verdade, sendo contrário. Uma equipe pressionada a esse ponto acaba produzindo menos, adoecendo, faltando e tendo alta rotatividade.
Para a psicóloga do trabalho Miryam Mazieiro, essa culpa não pode ser assumida pelo funcionário. A organização de trabalho deve garantir o ambiente adequado:
– A empresa e a organização do trabalho desempenham um papel fundamental para um ambiente de trabalho sadio: quando a organização do trabalho permite que haja margem de liberdade para o trabalhador ajustar a realidade do trabalho aos seus desejos e necessidades (na medida do possível), pois, quando impera a impossibilidade de negociação, torna-se mais problemática a superação do sofrimento inerente ao trabalho.
Como perceber se a pressão passou do ponto
– Faltas, atestados e demissões começam a se tornar mais frequentes.
– Metas não são realizadas e a produção torna-se menor do que a registrada habitualmente.
– Problemas como desmotivação, raiva e tristeza atingem, ao mesmo tempo, muitos integrantes da equipe.
– A vontade de trabalhar diminui, e nada que se faça parece suficiente.
– Ocorre um "conflito família-trabalho", em que os problemas do emprego são levados para casa.