
Os saques nas contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) injetaram R$ 10,8 bilhões no comércio varejista, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) obtidos com exclusividade pelo Estadão. Do total de R$ 44 bilhões sacados das contas inativas entre março e julho deste ano, 25% chegaram aos caixas dos varejistas.
Quatro entre oito segmentos tiveram impacto relevante nas vendas, absorvendo 86% dos recursos destinados pelos trabalhadores às compras: vestuário e calçados (R$ 4,1 bilhões); hipermercados e supermercados (R$ 2,8 bilhões); artigos de uso pessoal e doméstico (R$ 1,3 bilhão); e móveis e eletrodomésticos (R$ 1,2 bilhão).
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– Esse dinheiro do FGTS foi totalmente inesperado. Fiz uma viagem que não estava nos planos e comprei uns móveis para a casa nova, porque calhou de estarmos de mudança na época do saque – contou o empresário Daniel Tambarotti.
Ele comprou mesa e estante com parte do FGTS acumulado durante os oito anos no último emprego, deixado em novembro de 2016 para investir no próprio negócio.
– Eu já estava financeiramente organizado há alguns anos. Não tinha dívidas. Gastei parte do dinheiro, mas vou guardar uns 40% que sobraram – relatou o empresário.
A destinação de recursos do FGTS para a aquisição de bens no comércio poderia ter sido mais expressiva, na avaliação do economista Fabio Bentes, da Divisão Econômica da CNC. O varejo ampliado - que inclui veículos e material de construção - faturou R$ 770 bilhões nos meses de saques do FGTS. No entanto, apenas 1,4% desse montante foi proveniente das contas inativas.
– Se você dá R$ 100 na mão do brasileiro, ele gasta R$ 90. Ele não gastou esses R$ 90,00 porque estava muito endividado. As pessoas aproveitaram esse recurso extraordinário para limpar o nome, reduzir o endividamento. A crise fez com que sobrasse pouco para o varejo – disse o economista da CNC.
Segundo Bentes, se o cenário econômico não estivesse tão complicado, apenas o varejo teria absorvido mais de 40% dos recursos do FGTS.
– Somando com o que seria gasto em serviços, esse montante encostaria em 85% do total sacado.
Apesar do impacto relativamente modesto, os recursos do FGTS devem fazer o consumo das famílias voltar ao terreno positivo pela primeira vez após nove trimestres consecutivos de retração. O consumo das famílias cresceu 0,6% no segundo trimestre em relação ao mesmo período de 2016, segundo estimativa do Monitor do PIB, divulgado esta semana pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
De acordo com a FGV, o consumo de bens não duráveis aumentou 0,5% no segundo trimestre, enquanto o consumo de bens semiduráveis avançou 7,3% e o consumo de bens duráveis subiu 3,8%.
O coordenador do Monitor do PIB, Claudio Considera, acredita que os recursos inativos serviram para que as famílias colocassem as contas em dia e então pudessem adquirir novos financiamentos, especialmente no caso de bens de consumo duráveis.A CNC ressalta, porém, que a recuperação parcial do varejo em 2017 é reflexo também da desaceleração no ritmo de aumento dos preços e melhoria das condições de crédito.
– A prestação do crédito voltou ao patamar que o consumidor pagava em setembro de 2015. Ninguém imaginava que os aumentos nos preços livres ficariam tão baixos, então a inflação menor é uma boa notícia também. Mas o FGTS entra nessa panela sim, ajudou um pouquinho nesse momento de virada do varejo – completou Bentes.
O estudo da CNC usou como base o volume de vendas e preços medidos pela Pesquisa Mensal de Comércio, do IBGE; indicadores do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho; e informações sobre concessões de crédito ao consumidor divulgadas pelo Banco Central.