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Saúde

Brincar nas poças da areia oferece riscos para a saúde?

"Piscinões" à beira d’água no Litoral Norte tornaram-se ponto de brincadeiras da criançada, mas especialistas alertam: não é o melhor ponto para se ficar na temporada, devido ao perigo de contaminação

Itamar Melo - de Capão da Canoa

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Com o aumento do número de poças na areia, muitas crianças tem trocado o mar pelas "piscinas"

Em um fim de tarde desta semana, nas imediações do centro de Capão da Canoa, os irmãos Francisco, dois anos, e Julia, quatro anos, brincavam com outras crianças em uma extensa poça de água que se formara na faixa de areia, entre o mar e as dunas. Esse tem sido um passatempo infantil muito comum neste veraneio. Os piscinões proliferaram-se ao longo de todo o litoral, em quantidade e extensão que veranistas e salva-vidas relatam ser acima do usual. Em muitos pontos, há uma poça ao lado da outra, a perder de vista, sempre em paralelo ao mar.

As crianças fazem a festa. Aproveitam esses recantos de água morna e sem ondas para se divertir. Mas nem todos estão tranquilos. A mãe de Francisco e Julia, a uruguaia Paula Gonzales, 38 anos, admitiu certo receio com a brincadeira na água parada.

– Eu digo que é melhor eles não irem para ali, que é melhor irem para o mar. Na água estancada, que não flui, as bactérias correm. Mas é difícil tirar as criaturas – lamentou.

Naquele momento, fim da tarde, a maré subia, fazendo o mar invadir as poças. Isso dava tranquilidade para Clarissa de Carvalho, 40 anos, deixar a filha Catarina, dois anos, brincar no local.

– É a primeira vez que vejo tantas dessas poças na praia. Para minha filha, é muito bom. Mas se eu visse que era água parada, que não chegava água do mar, não deixava ficar – relatou a mãe.

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Ainda que em geral os banhistas não estejam alarmados, há quem veja a situação com grande preocupação. É o caso de Elírio Toldo, geólogo do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica da UFRGS. Pesquisador das dinâmicas da praia, o professor diz que seria recomendável cortar o banho nos piscinões. Ele explica que é muito comum, no verão, a formação de um banco de areia próximo da linha da água. Do outro lado dessa elevação, acaba ficando uma zona mais baixa e côncava que favorece o acúmulo de água. É nessa depressão, diz ele, que o lençol freático (a água infiltrada no solo e que se move em direção à praia) aflora. Quanto mais poroso e permeável for o terreno – e o litoral é especialmente poroso e permeável – mais saturado de água fica o solo.

O problema, segundo Toldo, estaria na precariedade do saneamento básico nas áreas costeiras urbanizadas do Litoral Norte. Em zonas extensas, diz ele, esgoto estaria contaminando o lençol freático, com um correspondente afloramento de coliformes fecais na parte umedecida da faixa de areia. O aspecto de muitas das poças gera certa desconfiança. Há uma coloração esverdeada ou alaranjada nas bordas e o cheiro parece ser de esgoto. No fim de semana, um jovem estendeu uma toalha na área côncava e sentou-se. Mais tarde, sentiu um odor de fezes não só na toalha, mas também na bermuda umedecida. Ficou convencido de que era esgoto.

– O principal indicativo de risco é o odor. O cheiro desagradável nem sempre é de esgoto. Às vezes há animais mortos e lixo. Mas boa parte é do saneamento – afirma Toldo.

O major Jeferson Ecco, comandante da 1ª companhia de Bombeiros e responsável pelos salva-vidas em Torres e Arroio do Sal, também considera arriscado usar as poças como local de banho.

- Tem risco, sim. Não é nada para se apavorar, mas pode pegar uma micose ou uma virose, há proliferação de bactérias. Então tem de se ligar. Essa água que fica acumulada na areia vem muitas vezes de valões e tem sujeira – afirma.

A Fepam não faz coletas e testes na água das poças, somente no mar, onde há uma presença muito maior de banhistas. O diretor-técnico da fundação, Rafael Volquind, concorda que neste verão há mais pontos de afloramento na areia e que o saneamento precário é realmente um problema: só parte das praias tem estação de tratamento de esgoto, e nessas praias apenas uma parcela das casas está conectada à rede coletora.

Volquind, no entanto, afirma que não há comprovação de que as piscinas à beira-mar estejam contaminadas.

- A princípio, o cheiro pode ser de matéria orgânica. É de evitar por precaução, por desconhecimento. Se houver suspeita, alguma situação desconhecida de cor e de cheiro, não entre. Isso vai do sentimento de cada um – diz.

Ressaca é uma possível causa

Uma das explicações mais comuns para a proliferação das poças é a grande ressaca que atingiu o litoral gaúcho em outubro passado. Ela lavou a costa, carregando toneladas de areia para dentro do mar e mudando a morfologia da praia. Houve rebaixamento da faixa litorânea. Em algumas guaritas de salva-vidas, porções de 30 centímetros dos pilares, antes enterradas, estão à mostra. Com a areia baixa, ficaria mais fácil o mar avançar e formar as piscinas.

– As pessoas perguntam se é esgoto, mas é água do mar. Uma vez, chegou a formar lodo com cheiro ruim, mas por estar muito tempo parado. Se há perigo, só com análise na água para saber – observou o salva-vidas Fábio de Vargas.

Na avaliação de Toldo, contudo, o fenômeno não tem relação direta com a ressaca. Segundo ele, a formação das poças é um fenômeno típico do litoral gaúcho, aparecendo com mais ou menos força em determinados verões. O professor diz que o fato de o mar chegar a essas piscinas dilui a água, mas não afasta totalmente os riscos se ela estiver contaminada.

Segundo ele, a influência que a ressaca pode ter tido é que, ao rebaixar a areia, deixou o lençol freático mais próximo da superfície – e mais suscetível a aflorar.

Depois de ouvir o relato de ZH sobre as poças e seu uso como piscina, Gilberto Lessa, geólogo da prefeitura de Capão, realizou uma vistoria na manhã de quarta. Disse não ter visto nada alarmante.

– Foi uma vistoria visual. Aparentemente, não tem nada que comprometa a qualidade. Mas vamos ficar atentos – disse.

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