
Na Gênesis do litoral norte gaúcho, o primeiro casal surgiu em um fusca vermelho, no começo da década de 1970. Viajavam pela areia, desviando do mar, quando avistaram o paraíso inabitado:
– A gente foi se aproximando e vendo os lotes gramados, as calçadas prontas, os postes de luz instalados. Mas não tinha casas. Era uma praia fantasma – lembra Marlene Engelmann, 71 anos.
Moradores de Ivoti, no Vale do Sinos, Marlene e o marido Jandir foram dos primeiros veranistas do balneário de Jardim do Éden, a sete quilômetros da plataforma de Tramandaí. Descobriram o local por acaso: os planos iniciais do simpático casal septuagenário eram adquirir um imóvel em Cidreira, a alguns quilômetros dali. Eles mudaram de ideia depois de uma visita ao local, quando se decepcionaram com o "excesso de prédios". A caminho de casa, encantaram-se com a natureza quase inexplorada e a surpreendente infraestrutura dos 600 metros de faixa de areia entre as praias de Jardim Atlântico e Portal do Éden.
Leia mais:
Conheça o paraíso criado por caxienses no Litoral Norte
Trinta anos de profissão: os três mais antigos salva-vidas do Litoral Norte
Conheça Morena, a ovelha negra da beira-mar de Tramandaí
O paraíso, porém, tinha dono. Marlene e Jandir bateram à porta de Pedro Gallo Sansone, proprietário dos lotes (falecido anos depois da transação), para sondar o valor de um terreno. Fecharam o negócio em 1972. Em razão da possibilidade de uma bolsa de estudos para Jandir no Exterior, pensavam em deixar a construção de casa de férias para mais tarde. Mas o projeto internacional não foi para a frente e, em 1973, as economias não investidas na viagem foram destinadas ao imóvel litorâneo.

Oito operários trabalharam na construção da casa em estilo boneca, a um quarteirão do mar, que foi erguida em apenas três finais de semana. Na mesma época, a poucos metros de distância, os primeiros vizinhos finalizavam seu imóvel, uma casa amarela ampla, com pátio gramado, ainda mais perto da faixa de areia.
– Era uma família com dinheiro. Eles construíram uma casa grande, bem rápido. Quando ficou pronta, colocaram uma placa na frente: "Klein aber mein" ("Pequeno, mas meu, em alemão"). Aquilo tinha de estar na nossa casa! – brinca Marlene.
Pouco a pouco, outros vizinhos chegavam para desfrutar do pequeno paraíso, que começou a ganhar cara de balneário na década de 1980, auge das construções. Apesar do crescimento, a integração era total: as famílias reuniam-se para festas, churrascos e brincadeiras coletivas, como caçadas ao tesouro com as crianças aos domingos.
A casa de boneca do Adão e Eva gaúchos foi palco de algumas das mais doces lembranças da família. Mas, com o grupo crescendo – são pais de dois filhos e avós de quatro netos –, o bucólico imóvel começou a ficar pequeno. No começo dos anos 1990, Marlene e Jandir cogitaram buscar uma casa maior em outra praia. Àquela altura, no entanto, o Jardim do Éden já era parte indissociável da história dos Engelmann.
– Meu filho não queria que saíssemos daqui de jeito nenhum. Quando falamos em mudar de praia, ele disse: "Eu compro a casa de vocês, então" – lembra a matriarca.
O casal acabou vendendo o imóvel antigo a conhecidos. O novo, de dois pavimentos, foi construído na mesma rua, em 1995. A ideia era que a construção fosse a última morada de Marlene e Jandir, mas algumas visitas à casa fora da temporada frustraram os planos do casal. Pelo mesmo motivo que o balneário ainda é considerado um paraíso pelos seus veranistas, é pouco conveniente para moradia: comércio, restaurantes, bares ou supermercados são proibidos no local.

Paraíso já não é o mesmo de outrora
Mesmo com as regras rígidas, Jardim do Éden cresceu: atualmente, conta cerca de 300 casas – prédios não são permitidos – e já há quem alugue seus imóveis durante o veraneio. Beber da fonte do progresso injetou vida nova, mas também trouxe insegurança. Após alguns arrombamentos – foram dois somente no imóvel antigo de Marlene e Jandir, na década de 1990 –, os veranistas contrataram uma empresa para cuidar das casas. Um assassinato na praia vizinha anos atrás motivou a criação de um grupo de Whatsapp, pelo qual os vizinhos alertam sobre movimentações estranhas no local.
– Meus filhos cresceram no paraíso. Está diferente agora, mas tudo são fases. Não dá para dizer que é melhor ou pior do que antes – pondera Marlene.
Esteticamente, o éden do Litoral Norte é uma versão minimalista das praias mais conhecidas, sem quiosques, com uma guarita de salva-vidas. Árvores inclinadas pelo vento adornam a beira-mar, e um campo de futebol no meio do balneário convida a criançada a um jogo de bola.
Ao fundo, cata-ventos do parque eólico podem ser vistos por sobre as casas, em um moto contínuo que fica mais bonito no fim da tarde, quando o sol ruma para lá. O clima bucólico é parte da razão do apreço dos primeiros veranistas pelo local, que perdura há mais de 40 anos.
– Acho que ainda tem pessoas que veem aquilo que a gente viu quando chegou aqui. Não dá para medir como as pessoas sentem, mas a gente sempre gostou muito pelo tipo de praia, que é mais calma. Quem quer agito vai para outros lugares – diz Jandir.
