
Praia, pra mim, sempre foi sinônimo de vidão. Fazemos parte de uma espécie programada para amar (e buscar) a proximidade com a água e a associar cenas à beira-mar com momentos de felicidade e vida mansa. (Fato científico devidamente comprovado por todos aqueles filmes e séries de TV em que casais apaixonados flanam na praia ao luar – e por outros tantos em que fugitivos disfarçados de turistas saboreiam drinques coloridos em paraísos tropicais. Praias e clichês, como se vê, também se atraem.)
O vidão ao que eu me referia, porém, é outro – figurado e acessível em praias da nossa costa, esteja você hospedado na casa do seu cunhado com mais 38 pessoas ou num condomínio daqueles que torna dispensável a própria existência do mar. Todos os anos, já há alguns anos, eu reservo as férias de verão para a vida dos outros – não como filantropa, bem entendido, mas como leitora de biografias. Para a temporada de verão, reservo aquelas biografias mais caudalosas, do tipo em que o biógrafo investiga o apelido de solteira da avó do biografado e traça trajetórias familiares que remontam ao dia em que o primeiro macaco desceu da árvore na África Ocidental.
Leia também:
Luciano Potter: verões e amigos passam rápido demais
Luciano Potter: o sentido da vida e os exames médicos
Luciano Potter: o buraco do amor
O problema é que, nos últimos anos, o mercado editorial brasileiro tem andado tão pródigo de ofertas para fãs de biografias e livros de memórias que filas de personalidades exigindo espaço VIP na mala começam a se formar já em julho na minha cabeça – antes mesmo de eu decidir onde vou passar as férias. Sartre ou Garrincha? Freud ou Tim Maia? Clarice ou Nelson Mandela? Marighella ou Montaigne? Como escolher a pessoa com quem você quer passar no mínimo três horas por dia durante seu período de folga sem saber se o seu interesse por detalhes íntimos da vida desse personagem será constante como a pedra da Guarita ou flutuante como um amor de verão? Tolstoi, Van Gogh, Getúlio Vargas, Gertrude Stein, um exército de grandes homens e mulheres está neste instante disputando o privilégio de dividir espaço comigo na esteira no final do mês. E como se não bastassem as pessoas interessantes, que tirando o Niemeyer não duram mais do que cem anos, lançaram em 2015 uma biografia do Brasil, que tem mais de 500. Haja verão.
Para ser honesta, o que acaba decidindo a disputa é menos a relevância dos personagens ou o repertório aventuroso de suas vidas famosas, do que a sorte de terem sido abençoados, na posteridade, por um biógrafo à altura de seu legado. As melhores biografias, a maioria dos leitores deve concordar comigo, são aquelas que você termina de ler não apenas íntimo do personagem retratado, mas apaixonado pelo biógrafo.
O hábito de levar para as férias convidados que não ocupam beliches nem disputam o chuveiro depois da praia não é só meu. Muita gente, descobri, reserva as melhores (ou as mais promissoras) biografias para as férias de verão. O que me leva a concluir que se os editores fossem mesmo espertos, lançariam biografias já com capas emborrachadas e páginas resistentes à agua do mar e aos respingos de caipirinha.Fica a dica.