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Não é uma viagem. Muito menos um passeio. Para entrar na Antártida, só uma expedição. E tem que ser a bordo de um navio especial, com capacidade para abrir caminho no meio de blocos de gelo, passando ao lado de icebergs e navegando em lagos no meio de vulcões. No cenário, esculturas de gelo, praia com areia preta, um silêncio eterno e um festival de cores, principalmente azul e branco.
O cirurgião plástico de Florianópolis Jorge Bins Ely, sua mulher Letícia e o filho Marcelo ficaram sete dias no Continente Antártico, junto com mais cem passageiros de todas as partes do mundo. Do Brasil, só mais um viajante. Eles depararam com inúmeras espécies. Além dos milhares de pinguins - Rei, Imperador, de Magalhães, Adèle, Chinstraps, Macarroni e Gentoo -, centenas de leões-marinhos e focas, baleias e muitas aves. Foi a experiência de uma vida para a família, que adora viagens e fotografias.
- Eram tantas as paisagens deslumbrantes que trouxemos mais de 4 mil fotos de lá.
São imagens que não paro de admirar - relata Ely, que começou a planejar essa expedição há mais de 15 anos.
Confira, a seguir, os relatos do cirurgião plástico.
Da viagem à expedição
Quando estivemos em Ushuaia pela primeira vez, 15 anos atrás, não imaginávamos que um dia iríamos mais adiante, na Antártida. Naquela ocasião, já ouvíamos que era possível um civil viajar para lá.
Passados alguns anos, demos sorte e caímos nas mãos de uma porto-alegrense que divide o tempo na ponte aérea com Buenos Aires. Ela nos vendeu cinco passagens num navio quebra-gelo russo, com capacidade para 106 passageiros. Empolgadíssimos, fomos em dezembro de 2011. Já dentro do navio havia duas noites, veio a notícia: cancelada a expedição. O eixo quebrado num iceberg não tinha conserto.
Voltamos frustrados. Até nos propuseram reembolso. Não aceitamos. Queríamos muito a Antártida. E nem bem chegamos a Porto Alegre, já acertamos nova data: em fevereiro de 2013, faríamos a viagem que não deu certo. Foi uma decisão acertada, pois a expedição foi a mais fantástica de toda a minha vida.
A viagem começou no dia 29 de janeiro, quando chegamos a Buenos Aires. À noite, curtimos um tango maravilhoso e, na madrugada do dia seguinte, rumávamos ao sul do mundo, em Ushuaia, onde jantamos centollas (espécie de caranguejos gigantes), que escolhemos, esperamos e comemos. Aqui terminava a viagem e começava a expedição.
Foto: Jorge Bins Ely, arquivo pessoal
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Ondas de 10 metros
A primeira noite no barco começou bem, com jantar impecável. Mas depois foi piorando, piorando até que constatamos que estávamos no Drake (passagem situada entre a extremidade sul da América do Sul e a Antártida, ligando os oceanos). Que horror! Foram 48 horas devastadoras, nem serviço de bordo tinha. Cadeiras voavam, pessoas caíam, e Letícia ficou parafusada na cama.
A coisa ficou feia em 1º de fevereiro. Na escala beafourt wind, de 12 notas, atingimos a décima. Na escala sea disturbance, que vai até nove, chegamos a oito. Traduzindo: enfrentamos uma tempestade em que o vento ultrapassou os 80 km/h e as ondas atingiam 10 metros de altura.
Pinguins e leões-marinhos
No segundo dia, a situação se acalmou um pouco, e navegamos até ancorar na Trinity Island, primeiro passeio do Zodiac (embarcação especial para saídas do navio). Fotos fantásticas dos pinguins.
Foi à tarde que tocamos pela primeira vez o sétimo continente, na Hughes Bay. Outro passeio inesquecível com fotos de leões marinhos. Gigantescos arcos de gelo, de todos os tipos e formas, que de tão brancos ficam azulados. Palestras superinteressantes todos os dias: aquecimento global, baleias, leões-marinhos, pinguins, vida marinha etc.
Foto: Jorge Bins Ely, arquivo pessoal
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Mergulho a zero grau
Os dias 4 e 5 de fevereiro de 2013 ficarão para sempre em nossa memória. O dia estava lindo, céu azul, frio e pouco vento.
Fomos à Neko Harbour e deparamos com baleias, até quatro juntas, passando sob o Zodiac, mostrando o rabo, mergulhando e saindo de dentro d'água, subindo e descendo o tempo todo. Enfim, exibindo-se para nós.
Nesse dia, houve o "plunge" (um breve mergulho) na água a zero grau. Vera, Marcelo, Letícia, Thiago e Robert pularam. Eu preferi ficar fotografando. À tardinha, mais pinguins e leões-marinhos no Estreito de Gerlache e na Cuverville Island. A intimidade com os animais marinhos aumentou. Já não nos deslumbrávamos. Nem os pinguins conosco importavam-se.
Foto: Jorge Bins Ely, arquivo pessoal
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Dentro do vulcão
A manhã seguinte também acordou com céu de brigadeiro. Neste dia, tive a sensação de imortalidade. Adentramos num vulcão temporariamente extinto com o navio. Inacreditável! Uma cratera imensa, cheia d'água, praia de areia fina, mas negra, por onde sai um vapor forte, com água muito quente. Teve gente tomando banho.
Um pequeno odor de enxofre subia com a fumaça. Tudo para não esquecermos de que se trata de um vulcão em atividade, tanto que há várias edificações científicas abandonadas como testemunhas da última erupção, ocorrida nos anos 1970. Leopardos marinhos arrastavam-se nas areias negras como se fossem sereias.
Mais tarde, visitamos a terceira ilha na Antártida: Half Moon Island. Assumindo fisicamente seu nome, a ilha é lindíssima, onde despedimo-nos dos pinguins com os quais cruzávamos como se fôssemos velhos conhecidos, sem cerimônias.
Foto: Jorge Bins Ely, arquivo pessoal
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Estações científicas
Conhecemos, no dia 6, Saint George Island, ilha com a maior concentração de estações científicas, inclusive uma do Brasil, que estava dizimada à época. Não retornamos de navio, e sim de avião. Longas esperas, pista de cascalho. O avião era um quadrimotor novo e passou segurança. Chegamos a Punta Arenas à noitinha e ficamos num hotel de sonho. Jantamos cordeiro, que não estava tão delicioso quanto o do navio.
No último dia da expedição, saímos para descobrir Punta Arenas, cidade portuária que fica nas proximidades do Estreito de Magalhães, em um local onde o vento faz a curva na Patagônia chilena.
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Os ensinamentos
-O silêncio. Não há nada, nem rios, nem folhas caindo, nem chuva - só neve. De vez em quando, o ranger de uma geleira rachando e despencando. E, é claro, o som do vento.
-Desabitado totalmente, com algumas poucas estações científicas de alguns países.
-O tamanho. O sétimo continente tem 14,3 milhões de km2. É maior que o Brasil (8,5 milhões), mas menor que a América Latina (17,8 milhões).
-A impotência do ser humano quanto à natureza. Sequer os horários são rígidos. Literalmente, tudo depende das condições do tempo, da mãe natureza.
O que levar
- Calça especial para neve
- Meias
- Gorro
- Luva
- Protetor de orelha
- Óculos escuros
- Protetor solar
- Maiô ou sunga
Como chegar lá
-As expedições para a Antártida só podem ser realizadas entre os meses de novembro e março.
-Em Porto Alegre, a Antarctica Expeditions organiza expedições. Reservas devem ser feitas com bastante antecipação. Informações: www.antartida.com.br