
Marcelo Rech
Diretor executivo de Jornalismo do Grupo RBS
Em 1993, no auge da crise cubana motivada pelo fim da mesada soviética, a ilha se abriu para o turismo na busca desesperada por dólares. Em minhas coberturas por ZH, nunca testemunhei tanta desigualdade. Uma família cubana vivia com US$ 4 ou US$ 5 mensais, enquanto um turista bebia o mesmo em três ou quatro mojitos na Bodeguita del Medio.
Para driblar a vigilância do governo, eu havia viajado como turista, ao lado do fotógrafo Ricardo "Kadão" Chaves. Fomos em uma excursão e nos desligamos no primeiro dia para poder circular livremente, longe dos agentes. Viajamos pelo interior e fomos para Havana, onde nos hospedamos em um hotel para cubanos - no qual faltava até a tampa da privada. Ali, durante os frequentes cortes de luz, os funcionários desviavam ovos e bananas do café da manhã para parentes aglomerados com sacolas na calçada em frente. Andávamos em um Lada abastecido a peso de dólar e volta e meia dávamos escapadas a hotéis cinco estrelas, reservados a estrangeiros, para recompor as proteínas no bufê.
Neste ambiente em que as posses de um operário francês equivaliam às de um milionário texano, a prostituição grassava por Varadero, o principal resort de Cuba. Na varanda de uma casa da praia, eu entrevistava um antigo líder castrista, emoldurado por pôsteres e slogans revolucionários, que apregoava as virtudes do regime, entre as quais a de ter acabado com a prostituição.
- E todas estas prostitutas que passam aqui na frente de sua casa? - indaguei.
- Estas todas son p. por vocación! - exaltou-se.
Ricardo Chaves e Marcelo Rech em Havana, Cuba, em 1993
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Ricardo Chaves
Titular da coluna Almanaque Gaúcho
Quando a URSS se dissolveu, no final de 1991, praticamente tirou a escada e deixou Cuba pendurada no pincel. A situação econômica da ilha, que já era precária, também pelo embargo americano, piorou ainda mais. As dificuldades aumentaram muito, e foi para ver isso de perto que o Marcelo Rech sugeriu nossa viagem.
Enquanto Marcelo preenchia a ficha de entrada no hotel, examinei o livro de registros que estava sobre o balcão. Os hóspedes deixaram ali mensagens que iam de reclamações sobre baratas até algumas mais radicais, que sugeriam: "Qué se cierre el hotel...".
Em nosso apartamento, havia um aparelho de ar-condicionado soviético que, ligado, parecia um avião prestes a decolar. O café da manhã, pelo menos uma vez, foi na penumbra, por falta de luz.
Aliás, os apagões eram frequentes. O café não era farto, e você ganhava um "vale ovo" quando ingressava, para cada dia de permanência. Na rua, por falta de combustível para recolher, o lixo se acumulava nas esquinas. Vida dura!
Mas foi ruim? NÃO! Dentro da precariedade total, da cidade arruinada pelo tempo e pela falta de manutenção, foi importante conhecer Havana. A visita não é só um mergulho ao difícil passado material de quem vive, hoje, quase como antigamente. Sem solução para a pressão do consumo, a vida das pessoas (e todo o resto) me parecia "anterior", inclusive alguns valores. Entre eles, a alegria e a música, que, ao que tudo indicava, nunca abandonaram o povo cubano. Não deixe de tomar um daikiri no El Floridita.
Inesquecível.