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O biólogo marinho Marcelo Szpilmann conversou com Zero Hora sobre o funcionamento e os bastidores do Aquário Marinho do Rio de Janeiro, o AquaRio, do qual ele é idealizador. Confira a entrevista.
Como começou sua relação com a vida marinha?
Nasci em Copacabana, então, tive uma relação muito próxima com o mar. Meu pai me levava para pescar desde criança. E quando eu tinha 10, 12 anos, comecei a fazer pesca submarina. Aí comecei a ter um contato maior com os peixes. Com 16 anos, tive aquele clique do que eu queria fazer da vida vendo um filme do James Bond. Tinha um laboratório submarino, e o James Bond ia nesse laboratório disfarçado de biólogo marinho. O vilão, para confirmar se ele era biólogo ou não, perguntava a ele que peixe era aquele que estava passando. E ele ia lá e respondia na lata o nome científico do peixe. E isso me fascinou. Foi naquele momento que eu tive aquele clique e disse: "É isso que eu quero fazer, não ser James Bond, mas ser um biólogo marinho!".
De onde veio a ideia do AquaRio?
Em 2005, quando lancei o projeto Tubarões no Brasil, entendi que precisava fazer com que as pessoas encontrassem tubarões, para a pessoa perceber que o tubarão não é aquela fera assassina dos mares, que é um animal como outro qualquer. Dificilmente eu conseguiria que as pessoas mergulhassem com tubarão, então seria mais fácil trazer ele até elas. Foram 10 anos de trabalho para que o aquário acontecesse. Em 2006, ganhei uma chamada pública e a cessão de uso desse prédio, depois foi toda uma história para viabilizar financeiramente, já que é um projeto 100% privado. De lá pra cá, foram feitos vários modelos de negócio que acabaram não dando certo e, em 2012, eu consegui que três empresas (Esfeco, que opera o Trem do Corcovado; a Beltur e o grupo Cataratas) se tornassem parceiras do Instituto Museu Aquário Marinho do Rio de Janeiro. Aí a gente conseguiu viabilizar financeiramente. Foram quatro anos de obras para, agora, inaugurar o AquaRio em 9 de novembro de 2016, com um investimento em torno de R$ 150 milhões.
Qual a posição do aquário do Rio no mundo?
O Aquário Marinho do Rio Janeiro tem 26 mil metros quadrados de área construída, quatro milhões e meio de litros de água e 28 recintos. Então, quando você compara aquários no mundo, você compara por volume de água total. O Oceanário de Lisboa tem 5 milhões de litros de água. Somos o maior aquário da América do Sul, só não somos o maior da América Latina porque no México tem um aquário com 5 milhões de litros. Pode ser que, lá na frente, depois que a gente tiver todas as nossas áreas de expansões ocupadas, a gente possa chegar a 5,8 milhões de litros. A média dos aquários nos EUA é de cinco milhões de litros. Tem vários aquários por lá com três, quatro, cinco, seis, sete, oito milhões. Hoje, o maior aquário nos EUA é o de Atlanta (Georgia Aquarium, com quase 40 milhões de litros de água doce e salgada). Era, até pouco tempo atrás, o maior do mundo, mas perdeu a posição para um aquário chinês (inaugurado em 2014, o Chimelong Ocean Kingdom tem sete áreas temáticas, cada uma representando uma parte do oceano, e totaliza 49 milhões de litros de água).
Você buscou inspiração em alguns desses lugares?
Eu tive inspiração no Oceanário de Lisboa, no Monterey Bay Aquarium (na Califórnia) e no Two Oceans Aquarium (África do Sul), mas o Aquario do Rio tem algumas particularidades. Por exemplo: o túnel que passa por dentro do grande tanque oceânico (com 3,5 milhões de litros de água) tem uma característica diferente dos outros. Na maioria dos túneis, no mundo todo, você tem paredes a um metro, um metro e pouco do túnel para os lados e um metro e meio de coluna d`água acima do túnel. O que dá aquela sensação de você passar pelo túnel "dentro d`água". O nosso não tem as paredes próximas, elas estão longe do túnel, e existe cinco metros de coluna d'água acima do túnel, dando uma sensação de imersão absurda – e que, dificilmente, você tem nos outros túneis. O grande tanque oceânico é um dos maiores do mundo, tem 3,5 milhões de litros. Se você somar todos os tanques de água salgada no Brasil talvez não dê esse número.
O que o visitante vai encontrar no AquaRio? Qual a narrativa do percurso?
Conceitualmente, ele foi idealizado por mim para ser um equipamento focado em educação, pesquisa e conservação. Então, quando você entra no ciclo de visitação, a ideia é que você tenha uma visão dos ecossistemas marinhos, começando desde o plâncton, que é a base da cadeia dos oceanos, passa pela águas vivas, passa por praia arenosa com alguns animais que se enterram, aí você vem para os animais perigosos. A ideia é sempre surpreender, não ser uma coisa igual. Depois, você tem polvo, garoupa.. até chegar no grande tanque oceânico, que é a hora do "uouuu!". Tem também uma diversidade interessante. Queria mostrar como a vida é diferente no Caribe, como a vida é diferente no Indo-Pacífico. Tem uma boa parte de costão rochoso, que é o ecossistema mais famoso no sudeste e no sul do Brasil.
O foco, então, é nas espécies brasileiras?
Com certeza. Mais de 90% dos nossos peixes são brasileiros. E uma outra coisa interessante a ser dita é que mais de 90% dos animais daqui são peixes que a gente chama de recurso pesqueiro. São peixes que são capturados todos os dias, aos milhares, e as pessoas comem. É interessante falar isso porque a maioria das pessoas – isso inclui os pescadores – tem uma relação com esses animais fora d'água com eles mortos, ou na peixaria, ou no próprio prato. E, aqui no aquário, essa pessoa tem a oportunidade de ver esse peixe vivo no ambiente marinho dele (recriado). Isso o próprio pescador que tem 50 anos de pesca nunca viu. É importante ter alguns indivíduos que são embaixadores da sua própria espécie, que estão ali com o propósito de educar, que a gente consiga fazer reprodução em cativeiro (garoupas, robalos... até os próprios tubarões, que estão ameaçados).
Qual a origem dos animais que estão aqui?
Boa parte deles foram capturados na natureza, no litoral do Rio de Janeiro. Se você olhar no grande tanque oceânico e fora, na peixaria, você verá praticamente os mesmos peixes: tainha, xerelete, olho-de-cão, raias, tubarão, viola. Tem dois tubarões que vieram lá do Aquário de Ubatuba. O tubarão-galha-preta e o galha-branca-oceânico vieram do Recife, e alguns peixes e tubarões foram importados do Indo-Pacífico (da Tailândia).
Como acontece a alimentação desses animais?
Os grandes animais como os tubarões e as raias são alimentados na boca, que é para a gente ter certeza de que ele está comendo – e não ter tanto desperdício. E os outros animais são alimentados através de peixes, camarões e lulas que a gente joga na água, normalmente uma vez ao dia. No caso do grande tanque oceânico, a alimentação acontece às 14h.
De onde vem a água que abastece todos os tanques?
A gente traz a água das Cagarras (arquipélago popularmente conhecido como Ilhas Cagarras, localizado no Rio de Janeiro). Ao chegar em nosso subsolo, ela é tratada, filtrada e ozonizada para ser usada nos nossos tanques. A gente repõe com água doce e, eventualmente, são realizadas trocas parciais para a colocação de água salgada nova. Isso equivale a 10%, 20% por mês de água nova, isso equivale a 450 a 900 mil litros. Cada recinto tem o seu próprio sistema de suporte de vida, independente um do outro. Então, a água do recinto fica circulando e filtrando basicamente uma vez a cada hora.
E sobre a possibilidade que as pessoas têm de tocar em algumas espécies de animais marinhos?
Os tanques de toque tem uma importância para a aproximação das pessoas – especialmente de raias e tubarões – para desmistificar. Quando você toca no tubarão, aquele mito do tubarão assassino cai. Porque, infelizmente, algumas pessoas acham que basta colocar o pezinho que você vai ser comido por um tubarão. A fama é tão grande que a pessoa pensa assim. Algumas pessoas criticam dizendo que os animais se estressam, mas não sabem que, por exemplo, a primeira reprodução em cativeiro do tubarão lambaru (o tubarão-lixa) foi no tanque de toque do projeto Tamar. O primeiro sintoma de um animal estressado é ele parar de se alimentar. Se um animal está se reproduzindo, é porque ele está extremamente ambientado e não há estresse nenhum ali. Por isso, a gente entendeu que só em dias da semana essa atividade está disponível, e não aos finais de semana, quando o volume de pessoas é muito grande – e aí sim começa a ficar ruim pra todo mundo, para quem toca, para o animal que está sendo tocado, para os monitores etc. Nos domingos, podem ter 7 mil pessoas aqui, enquanto nos dias de semana varia de dois a três mil pessoas por dia.
A turma do filme Procurando Nemo é o grande sucesso de público?
Tem dois tanques com a Dory. Ali tem Dory, tem Nemo... toda a turma do filme. Que são os peixes mais bonitos de todos, mais coloridos. Nessa parte do passeio, o visitante tem quatro painéis seguidos que mostram um pouco da diversidade de vida do Caribe e do Indo-Pacífico. Ali, você tem um choque de cor, um colorido que não tem no grande tanque. Outro que forma muita fila é o tanque de cardume, aquele que você entra e vê o cardume "girando na sua cabeça". Fica uma fila bem grande ali.
E sobre a perspectiva voltada para a pesquisa?
Já temos duas pesquisas inéditas acontecendo aqui. A ideia é que a gente tenha algumas universidades – especialmente a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), através da parceria estabelecida com os departamentos de Biologia e Microbiologia Marinha – fazendo pesquisa aqui, de reprodução em cativeiro, de comportamento, esse tipo de coisa. Mas isso não é uma parceria exclusiva. É possível que a gente faça também com a Universidade Federal Fluminense (UFF), com a própria Castelo Branco, com quem já começamos a conversar. Possibilidades existem. Eu quero que o aquário seja um grande gerador de trabalhos científicos, de publicações científicas. Inclusive, teremos uma verba do aquário investida em pesquisa, para incentivar e apoiar pesquisas que são feita aqui dentro.
Existe a ambição de se tornar um centro de referência para receber animais machucados e/ou apreendidos?
Há pretensão de ser um centro de tratamento de animais resgatados. Isso exige uma autorização especial do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). A gente chama de Cras, Centro de Recuperação de Animais Silvestres. Paulatinamente, no ano que vem, a gente vai implementar algumas atividades adicionais. Vão ter, por exemplo, visita aos bastidores, "um dia no aquário", crianças de todas as idades vão poder ter a experiência de dormir aqui, uma outra é mergulhar com peixes, raias e tubarões, naquele grande tanque oceânico.
E o que se projeta para o futuro em termos de expansão do AquaRio?
O Aquario Marinho do Rio de Janeiro tem 12 áreas de expansão para água salgada e ainda tem uma área de 2,2 mil metros quadrados para água doce. A gente também tem um prédio ao lado da recepção – tão grande quanto ele, mas que ninguém vê –, com dois andares e 1,6 mil metro quadrados, que será um centro de educação com auditório e cinema de 150 lugares, salas para eventos, biblioteca. Para receber eventos, congressos e simpósios independentes do AquaRio. No último andar, tem mais 2,2 mil metros quadrados para restaurantes para, no futuro, as pessoas poderem almoçar aqui no aquário também.
*O jornalista viajou a convite de Rede Marriot de Hotéis