
Aos 31 anos, a jovem de olhos azuis e longos cabelos castanhos Whitney Thore é uma celebridade nos Estados Unidos. Whitney é a estrela do seu próprio reality show - o My Big Fat Fabulous Life (Minha Gorda e Fabulosa Vida, em tradução livre), exibido na televisão americana - e também uma celebridade do YouTube.
Na internet, a bailarina que pesa mais de 170 quilos é famosa por seus tutoriais de dança e sua campanha No Body Shaming sobre autoestima e aceitação do corpo, sem preconceitos.
- Você não pode deduzir se alguém é saudável ou não simplesmente pela aparência - defende a celebridade em um dos seus vídeos mais recentes, que já soma mais de 720 mil visualizações.
A discussão que Whitney traz para a televisão e para a internet também divide pesquisadores e profissionais da saúde. Pesos e medidas são usados para indicar determinados estados de saúde, e a aparência é frequentemente associada a uma vida saudável ou sedentária. O Índice de Massa Corporal (IMC), cálculo realizado a partir do altura e do peso, é utilizado como um marcador: se o resultado for maior do que 25, é sinal de que você tem sobrepeso e seu bem-estar pode estar em risco.
Mas carregar quilos a mais, de acordo com alguns pesquisadores, não seria um problema e até mesmo uma vantagem quando se fala em viver mais.
"Trabalho para que as pessoas façam as pazes com a comida", diz nutricionista francesa
Entenda por que pessoas magras nem sempre são saudáveis
Conheça as propriedades dos leites vegetais
Quem é o vilão: o açúcar ou a gordura?
Um estudo que dividiu médicos e especialistas no mundo inteiro foi publicado em 2013 no periódico científico Journal of the American Medical Association (Jama), e associa sobrepeso a uma vida mais longa. De acordo com a pesquisa liderada pela epidemiologista Katherine M. Flegal, ter o IMC acima de 25 e abaixo de 30 está associado a um menor risco de mortalidade em comparação às pessoas com o peso considerado normal que, segundo o índice, seria entre 18,5 e 25. Para esses especialistas, precisamos desassociar a perda de medidas com ganho em saúde.
Pela definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde é "o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de enfermidade ou invalidez". Mas a noção do que é ser saudável está frequentemente ligada a determinadas medidas, e o sobrepeso é considerado uma preocupante questão de saúde pública, inclusive no Brasil.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde em abril deste ano apontam que 52,5% da população brasileira está acima do peso, ou seja, com o IMC entre 25 e 29,9. Essa situação já pode indicar um risco maior de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão e até câncer. Quando o índice passa de 30, o caso por si só já configura uma doença, a obesidade - que afeta 17,9% da população no país. Lutar contra os quilos a mais, portanto, seria fundamental para a qualidade de vida dos brasileiros.
Para especialistas como a norte-americana Linda Bacon, a guerra contra a balança travada em nome da saúde fracassou. Submeter o corpo a determinados padrões e medidas apenas contribui para o declínio do bem-estar. Em artigo publicado no Nutrition Journal, em 2011, a professora e pesquisadora na área de nutrição da Universidade da Califórnia, em Davis, nos EUA, defende uma nova abordagem que acabaria com o foco na perda de peso e extinguiria do vocabulário de médicos e nutricionistas as expressões como "acima do peso" e "prevenção da obesidade", substituindo todos por "promoção de saúde".
A publicação também sustenta que os estudos que associam o aumento de peso a um risco maior de doenças não consideram fatores como quantidade ingerida de vitaminas, condição socioeconômica e atividades físicas, fundamentais para a longevidade.
Entenda por que há pessoas que comem muito e não engordam
Como sair do sedentarismo e não abandonar os exercícios
Pesquisadora norte-americana Linda Bacon acredita que a guerra contra a balança travada em nome da saúde fracassou
Foto: Divulgação

O risco dos estereótipos
Linda defende que a sociedade vive apegada a um estigma que nada tem a ver com saúde, mas, sim, com a aparência física padronizada. Os dados expostos em seu livro Health at Every Size (Saúde em Qualquer Tamanho, em tradução livre), mundialmente conhecido, buscam desmitificar que o sobrepeso é o grande vilão moderno.
- Dizer que alguém está acima do peso automaticamente reforça um estigma médico de que há algo de errado com aquela pessoa, o que leva a um estresse maior, e isso não é bom para a saúde. Esse estigma se tornou tão normal, que todos acreditam que seu próprio corpo não está dentro dos padrões. Sentir-se bem é a chave para ter comportamentos saudáveis - defendeu, em entrevista a ZH.
A aceitação do próprio corpo é fundamental, e a autoestima, segundo Linda, desempenha um papel importante no processo de mudança de hábitos. Reforçar padrões e medidas teria o efeito contrário, causando mal-estar e depressão, o que inevitavelmente não contribui para a saúde psicológica.
Para Alexandre Hohl, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é preciso tomar alguns cuidados para relacionar peso e saúde, especialmente quando o padrão em que a população se espelha pode vir do mundo da moda.
- Devemos primeiro separar o conceito de saudável e o que é vendido nas revistas. Esse padrão de normalidade na mídia é anormal. Temos de evitar estereótipos - provoca.
Linda também é enfática ao dizer que dietas não funcionam e defende hábitos saudáveis, independentemente do tipo físico. Segundo ela, a ciência mostra que há milhares de pessoas taxadas de obesas ou acima do peso que levam vidas livres de doenças.
- Sabemos que dizer para alguém perder peso não funciona. Encorajar novos hábitos gera melhorias que podem resultar na perda de peso, mas não sabemos se essa perda realmente irá acontecer. Além disso, reduzir o debate sobre saúde apenas à questão das medidas não beneficia quem é considerado magro, pois essas pessoas acreditam que não terão problemas, o que nem sempre é verdade - diz a pesquisadora.
Acreditar que estilo de vida não ajuda a entrar em forma contribui para a obesidade
Como economizar trocando industrializados por alimentos in natura
Em nome do equilíbrio
Ainda que seja usado internacionalmente e reconhecido pela OMS, muitos médicos defendem que o cálculo do IMC não deve ser o único padrão para determinar se o sobrepeso ou a magreza são riscos evidentes para a saúde.
- O IMC não separa a quantidade de gordura e de massa magra. Então, estudos que utilizam apenas esse índice podem ser falhos, mas, em geral, é uma ferramenta útil para boa parte das pesquisas. Quando o índice é aliado com a medida da cintura abdominal, você ganha força para saber se há sobrepeso e risco - avalia o endocrinologista Alexandre Hohl.
Medindo a circunferência abdominal, o que pode ser feito em casa, é possível enxergar de maneira mais precisa se o excesso de gordura já significa problemas para a saúde.
Saiba como medir a circunferência abdominal:
Se a medida for maior do que 80cm para mulheres e superior a 94cm para homens, há indícios de acúmulo de gordura visceral. De acordo com Hohl, essa condição aumenta o risco de diabetes, hipertensão, colesterol elevado e doenças cardiovasculares, a principal causa de morte no mundo. Além disso, o corpo pesado sobrecarrega as articulações, causando dores, piorando a qualidade de vida e dificultando a prática de exercícios físicos.
- A partir do momento que a gordura está nas vísceras, a pessoa não pode ser mais chamada de saudável, não importa o peso. O gordinho pode estar saudável naquele momento, mas isso é para sempre? Não - completa.
Equilíbrio é a palavra de ordem para reverter o quadro e diminuir a circunferência do abdômen. De acordo com o endocrinologista do Centro de Tratamento de Obesidade da Santa Casa de Porto Alegre Airton Golbert, quem já pratica exercícios físicos com frequência e mantém uma dieta equilibrada não precisa se desesperar se a fita métrica indica alguns centímetros a mais do que o considerado ideal. Mas é preciso ficar atento.
- Não devemos sair enlouquecidos atrás de números, é preciso tomar medidas de vida saudável, principalmente ao envelhecer. Fazer exercícios físicos, evitar o tabagismo, que é um fator de risco para todas as doenças, e evitar bebida alcoólica em excesso.
Os modelos de saúde não são os mesmos de beleza - pondera Golbert.
Ficar atento a indicadores como pressão arterial e nível de glicose no sangue seriam recomendáveis para todos os tipos físicos. A rápida perda de peso ou o "efeito sanfona" também são quadros a serem monitorados. Quem está com as medidas dentro dos padrões considerados ideais deve levar uma vida leve, se exercitar e cuidar da alimentação.
- Ficar abaixo do peso pode trazer riscos de doenças de perda óssea, como osteoporose, e perda muscular. A busca por uma magreza artificial também pode estar acompanhada de doenças - alerta Alexandre Hohl.