
Desde sua abertura em 2008, a Fundação Iberê Camargo (FIC) apresentou o artista em exposições individuais, algumas coletivas, mas sempre privilegiando situá-lo em relação à sua época. Agora, com a programação que celebra o centenário de nascimento de Iberê, chegou a hora de sua atualidade ser colocada à prova. Distribuída nos quatro andares da FIC, Iberê Camargo: Século 21 é a primeira mostra a propor relações de obras do pintor moderno com trabalhos de artistas contemporâneos. Visitar o prédio é um convite para observar diálogos.
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Na exposição, Iberê é representado por suas diferentes fases. Há trabalhos desde os anos 1950 até sua morte, em 1994 - dos carretéis aos seres fantasmagóricos da fase final, passando pelos ciclistas. Só não constam as paisagens do começo da carreira. Junto a desenhos, pinturas e gravuras de Iberê, estão produções de nomes como Angelo Venosa, Artur Lescher, Carlos Fajardo, Fabio Miguez, Karin Lambrecht, Gil Vicente, Regina Silveira e Rodrigo Andrade.
- Não é uma mostra retrospectiva, mas prospectiva, buscando conexões - diz o francês Jacques Leenhardt, um dos três curadores da exposição.
Nesse sentido, há trabalhos que estabelecem relações imediatas e outros que se tornam interessantes por serem menos explícitos, como o de Eduardo Haesbaert, que pintou na parede uma grande superfície negra. A inspiração vem das chapas de gravura - ele foi impressor de Iberê. A parte da exposição que gera novas compreensões sobre o artista está no átrio, atrás da reprodução do mural que ele pintou em 1966, na Organização Mundial da Saúde, em Genebra. Na pequena sala, pela primeira vez são apresentados os desenhos preparatórios. Esses estudos mostram que, mesmo realizando uma pintura abstrata e caracterizada pelo gesto espontâneo, Iberê tinha planejamento prévio, um pensamento anterior.
Fantasmagórico
Nos últimos dias de vida, Iberê Camargo, já debilitado pelo tratamento de câncer, encontrou forças para finalizar sua última pintura, Solidão. As três figuras fantasmagóricas talvez fossem o prenúncio de sua morte, ocorrida em 9 de agosto de 1994. Diante da grande tela na parede, está A Negra (1997), obra em tecido da paulista Carmela Gross que emula a maior pintura em proporções que Iberê realizou.
Fotos Lauro Alves

Bicicletas e ciclistas
Iberê ficou conhecido como o pintor dos carretéis, mas também dos ciclistas. Esses seres desfigurados, que parecem pedalar sem rumo em busca de algo, surgem em suas obras a partir dos anos 1980. A pintura Ciclistas (1989) ganhou companhia de modelos de duas rodas que integram a série Cicloviaérea (2001 - 2007), de Jarbas Lopes. Nesses trabalhos, o artista carioca entrelaça vime sobre as bicicletas.

Horizonte em perspectiva
Nas telas da série No Vento e na Terra, Iberê pintou figuras amorfas e desfiguradas que expressariam sua visão trágica diante da sensação de finitude da vida. Próxima a uma obra de 1991, em que um de seus ciclistas aparece estirado sobre o chão à frente de um horizonte desolado, criou-se uma interessante inversão de ponto de vista com a fotografia Horizonte Automático (2001), do gaúcho Daniel Acosta.

Carretéis e linhas de costura
No final dos anos 1950, Iberê fez do carretel de costura da infância um objeto que se tornaria um tema constante em suas obras ao longo dos 20 anos seguintes. Essa fase é apresentada em destaque na exposição, com diversas pinturas e gravuras. Em uma das salas, a artista paulista Edith Derdyk apresenta uma obra que fez especialmente para dialogar com esses trabalhos de Iberê. Ela estendeu incontáveis linhas de costura presas de uma parede a outra, que precisaram ganhar reforço para sustentar a tensão. Quem se aproxima da obra experimenta um efeito ótico intrigante.

Mesas e cadeiras
Quando Iberê sofreu uma hérnia de disco, deixou de ir às ruas para pintar paisagens e passou a trabalhar no ateliê. Foi assim que começou a trabalhar com os carretéis. Nas primeiras obras, eles repousam acomodados ou equilibrados sobre mesas. Logo, começaram a flutuar até explodirem na fase abstrata do artista. A pintura Mesa Azul com Carretéis (1959, ao fundo) ganhou a companhia da obra Mesa Impossibilitada de Reuniões (2000 - 2013), do paraense Francisco Klinger Carvalho.

Videoinstalações
Além dos diálogos das obras de Iberê com as de outros artistas, um ponto alto da exposição são as videoinstalações do cineasta carioca Joel Pizzini nas rampas entre os andares. Há imagens e áudios de Iberê, além de leituras de textos do artista que são reproduzidas ao longo do trajeto. Em um dos corredores, são exibidos trechos de um filme mudo que Iberê projetava em sessões para amigos: Nosferatu (1922), adaptação do romance Drácula, de Bram Stoker.

Iberê Camargo: Século 21
> Visitação de terças a domingos, das 12h às 19h, exceto às quintas-feiras, quando o museu fica aberto das 12h às 21h. Em cartaz até 29 de março. Entrada gratuita.
> Fundação Iberê Camargo (Av. Padre Cacique, 2.000), em Porto Alegre, fone (51) 3247-8000.
> Onde estacionar: estacionamento pago, no subsolo, com entrada pela Avenida Padre Cacique, no sentido Zona Sul.