
Com troféus trazidos de Brasília e Chicago, do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e do festival de documentários É Tudo Verdade, A Cidade (2013) é um dos filmes gaúchos mais premiados dos últimos anos. Até poucos dias atrás, tinha duas versões: a original, com 25 minutos, e outra que a diretora Liliana Sulzbach deixou com 15, para atender à exigência de um edital de financiamento. Agora, ganhou uma terceira - cuja fruição é tão diferente que parece limitador usar definições como "filme", ou mesmo "cinema".
Trata-se de um webdocumentário que convida o espectador - outra palavra talvez simplista - a conhecer a Colônia de Itapuã por meio de um site interativo (www.acidadeinventada.com.br). Localizado a 60 quilômetros de Porto Alegre, em área às margens do Guaíba que pertence ao município de Viamão, esse vilarejo-hospital foi um dos 33 construídos pelo ex-presidente Getúlio Vargas (1882 - 1954) para isolar os portadores de hanseníase - ou lepra. Já abrigou 1.454 habitantes, muitos deles abandonados por suas famílias. Hoje, vivem lá apenas 35 moradores, todos com mais de 60 anos.
A paisagem ao redor é linda, mas a colônia está morrendo. O valor do filme, nos moldes em que se apresenta na internet - com mapas e a íntegra do cinejornal sobre o lugar, produzido à época de sua inauguração, nos anos 1940 -, é o de um documento inestimável para não deixar Itapuã cair no esquecimento.
- Para obter patrocínio, inscrevemos o projeto na categoria Patrimônio Imaterial do Fumproarte (da prefeitura da capital gaúcha), um dos únicos programas que preveem apoio a projetos multiplataforma - diz Liliana. - Fala-se muito em convergência e há muitos editais por aí, mas são raros os que atendem a iniciativas que põem este conceito em prática.
Conhecida por filmes como o longa O Cárcere e a Rua (2004) e o média-metragem A Invenção da Infância (2000), a cineasta conta que A Cidade tem no DNA a ideia de experimentar narrativas diferentes a partir do retrabalho de material audiovisual já existente:
- Os mapas, o cinejornal, as gravações de áudio que os moradores guardam em fitas cassete: parte disso ficou de fora do filme. As pessoas o assistiam e vinham falar com a gente querendo saber mais sobre Itapuã. Muitos sugeriram esta terceira versão em forma de longa-metragem. Mas há coisas que só podem ser feitas numa plataforma interativa.
Um exemplo: o cinejornal foi produzido pela Leopoldis Som, mas, na verdade, tratava-se de uma encomenda da Secretaria de Estado da Saúde. No site, é possível vê-lo e, depois, rever suas imagens acompanhando os comentários dos moradores da colônia sobre ele.
- Uma coisa é o que o Estado vendia de Itapuã, outra é o que os seus habitantes pensavam, algo que nunca foi levado em conta - observa a diretora.
Se você leu o endereço do site, vai perceber que seu título mudou de A Cidade para A Cidade Inventada. Podia ser "A Cidade de Cada Um": a memória do vilarejo inventado há mais de meio século se constrói a partir das escolhas do público, que tem à disposição informações inéditas de uma história urgente e absolutamente fascinante.
Para ver, acesse www.acidadeinventada.com.br.
Interativo
O filme se chama A Cidade. A versão transmídia, A Cidade Inventada. Nela, a narrativa convencional do curta-metragem é interrompida para a inserção de depoimentos de alguns dos 35 moradores que vivem na Colônia de Itapuã e outras contextualizações, como a vista aérea do vilarejo localizado a 60 quilômetros de Porto Alegre. Quem escolhe o que ver, e a que momento, é o espectador.
Vila-hospital
O maior prédio da Colônia de Itapuã era usado para tratar os portadores de hanseníase (lepra) que viviam isolados no local desde os anos 1940. No filme, pode-se visitá-lo e ver depoimentos de médicos sobre a doença. Ainda estão lá, também, os prédios que abrigavam duas igrejas, o refeitório e um cassino para entretenimento dos moradores da vila.
Esquecidos
Hoje desativado (assim como o refeitório, o cassino e os outros espaços de convivência), o hospital de Itapuã já atendeu 1.454 pessoas. Apenas 35 moradores ainda vivem na colônia. Todos têm mais de 60 anos de idade.