
Terceiro ministro da Justiça em um ano de governo Michel Temer, Torquato Jardim tem sido um dos principais conselheiros do presidente da República. Nomeado em meio à convulsão política causada pela delação da JBS, tenta facilitar a interlocução do Planalto com o Judiciário no momento em que a Polícia Federal aprofunda as investigações sobre Temer.
Pela primeira em Porto Alegre para uma agenda oficial, Jardim recebeu Zero Hora para uma entrevista no final da manhã desta quarta-feira. Falou sobre política nacional de segurança, combate à violência e disse que não se constrange em ser ministro da Justiça em um momento em que o presidente é investigado por corrupção. A seguir, uma síntese da entrevista:
O Brasil vive uma epidemia de violência. São 60 mil homicídios por ano. Como frear essa mortandade?
Você tem várias causas. O crime organizado, não necessariamente o narcotráfico, e a guerra de espaço territorial entre os grupos são as principais. A consequência é essa mortandade enorme. Para evitar é preciso mais do que repressão. Como nas UPPs do Rio: você ocupa o espaço, afasta o crime organizado, mas precisa trazer serviços sociais. É preciso escola, saúde, empoderar as ONGs, as associações civis voluntárias.
Mas não se conseguiu fazer isso em nenhum momento. As próprias UPPs acabaram fracassando.
É verdade. Temos que aprender muito com as UPPs. Talvez aquelas do Rio que deram certo tenham sido expandidas muito rapidamente. E aí não havia treinamento de mão-de-obra, serviço social suficiente. Não é uma tarefa de curto prazo. A opção que o governo fez, porque tem 18 meses mais, é dar um primeiro choque, mas o plano nacional de segurança é coisa para 10 anos.
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Se viu nos últimos tempos uma expansão dos grupos organizados. O PCC, por exemplo, foi para o Norte do país. Aqui no Estado nós temos a interiorização das duas principais organizações criminosas. Como barrar esse movimento?
Esse é o desafio de todo Estado, em qualquer época e país. A informalidade e a ilegalidade da atuação do crime faz com que ele seja sempre mais rápido do que a repressão estatal. Ele (o crime) se organizou profissionalmente, opera em vários países e aprendeu a operar grandes quantias de dinheiro em transações financeiras mundo afora. O desafio do Estado é sempre conceber mecanismos menos formais. Talvez a legislação tenha de ser revista, os métodos formais reconcebidos. Na corrida do tempo, o Estado está perdendo.
A grande forma de financiamento do crime organizado é o narcotráfico. Especialistas em segurança pública afirmam que a legalização das drogas poderia não só esvaziar as prisões como tirar das quadrilhas o monopólio do tráfico. Como o governo vê essa questão?
Essa é uma decisão do Congresso. A sociedade tem de se manifestar, debater. Países como Suíça e Holanda já abandonaram essa história. Davam drogas aos dependentes e não conseguiram resolver o problema. Alguns Estados americanos estão legalizando a maconha mas, se em determinados casos o efeito medicinal é benéfico, no longo prazo há efeitos maléficos. É preciso conversar mais e menos ideologia. Está muito politizado esse debate. Precisa ser um debate científico, com pesquisa sobre o uso da cannabis para tais fins, com consequência de médio e longo prazo. É um debate que está longe de ser concluído no Brasil. Nenhum país resolveu problema descriminalizando droga e eu acho difícil que o Brasil consiga reinventar a roda.
As forças policiais federais perderam 40% das verbas. Como combater violência, corrupção e crime organizado com menos recursos?
Contingenciamento não é corte, é gastar quando tiver dinheiro. O orçamento está lá. Na Polícia Federal, houve contingenciamento de R$ 400 milhões, mas R$ 170 milhões já voltaram. E até outubro deve receber a diferença. É a disponibilidade que há.
O senhor é o terceiro ministro da Justiça em um ano. Isso explica a ineficácia de uma política nacional de segurança?
O ministro Alexandre de Moraes saiu para ser ministro do Supremo. O ministro Osmar Serraglio teve desempenho necessário e correto, mas por razões de operação política também saiu. O plano nacional foi lançado em janeiro e está sendo desdobrado. Ele foi concebido na pressão da tragédia das rebeliões em Manaus e Rio Grande do Norte, mas agora está adquirindo contornos de longo prazo. Não podemos ficar eternamente com essa cultura brasileira de que o governo tem de fazer tudo.
A Lava-Jato perdeu agentes e delegados, o que gerou rumores de que o governo está esvaziando a operação. O que houve?
A Polícia Federal realiza 473 operações especiais. Há uma concentração na Lava-Jato por razões políticas, entre outros motivos, É um desafio dada sua capilaridade multinacional. Mas tem outras 472 forças-tarefas que não podem ficar paradas. Tem crime que pode prescrever se a Polícia Federal não fizer seu trabalho. Houve remanejamento de pessoal. Tanto assim é que o próprio Ministério Público chegou a considerar uma limitação na cedência de procuradores à Lava-Jato.
Mas o momento foi adequado, logo quando as investigações se aproximaram do presidente da República?
Política é percepção. Não consigo debater com percepção. Mas o fato não justifica a interpretação conspiratória.
O senhor é próximo dos ministros de tribunais superiores em um momento em que a base de sustentação do governo tenta constranger o ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O governo avaliza esses movimentos?
Não que eu saiba. São movimentos políticos na relação do Congresso com o Judiciário. O Executivo só observa. Não cabe interferir.
Como foi a conversa do presidente quando ele o convidou ao ministério. Houve por parte dele uma tentativa de proteção pessoal, ele lhe pediu algo neste sentido?
Não. O presidente me chamou e disse que tinha uma nova tarefa, o Ministério da Justiça. Se você é ministro de Estado e o presidente lhe convida para outra pasta, ou você vai ou você sai do governo. Não tem escolha.
Ele não fez nenhum pedido específico em relação à Lava-Jato ou à própria proteção?
Ele pediu que eu desse preferência à segurança pública, com uma reestruturação da Secretaria Nacional de Segurança Pública e expansão da capacidade operacional das polícias Federal e Rodoviária Federal, principalmente nos meios de tecnologia e cruzamento de informações.
Como o senhor se sente sendo ministro da Justiça no momento em que a Polícia Federal investiga o presidente Temer por corrupção?
Muito boa pergunta. A Constituição diz expressamente, em algum lugar do artigo 144, que a Polícia Federal é polícia judiciária do Judiciário Federal. Enquanto polícia judiciária, ela se reporta a um juiz ou tribunal, não ao Poder Executivo. Então essa parte é totalmente independente, por força constitucional. Ela é parte operacional e administrativa do Poder Judiciário.
Não lhe constrange essa situação?
Não. Ela está no seu papel constitucional.
O presidente Michel Temer disse que Joesley Batista é um criminoso notório, mas foi no casamento dele, viajou no seu jatinho e o recebeu à noite e fora da agenda oficial no porão da residência oficial. Esse é comportamento de um presidente da República?
Não posso comentar questões pessoais. Em sendo parlamentar e estando na vida pública há 40 anos, a cultura parlamentar é informal. O deputado ou senador que não receber empresário ou correligionário a qualquer hora do dia ou da noite não renova mandato. Como ministro de Estado, sou levado muitas vezes a isso. Como é cultura do parlamentar a informalidade, eles me telefonam e vão no meu gabinete. Mando colocar na agenda, nada se faz escondido. Mas isso é absolutamente natural. Se você for tarde da noite na casa de líderes partidários em Brasília, você vai encontrar gente chegando na madrugada.
Mas nenhum parlamentar que lhe visita confessa crimes, não é?
Vamos ver o que vem na fita.
O presidente não negou essa parte da conversa.
Nós dois precisamos ver o documento formal, a perícia oficial. Entre três peritos, há suspeita de 45 a 70 ou 75 interrupções na gravação. Sem essa fita periciada não dá para discutir. Eu comento depois que tivermos o documento.