
Uma lei municipal da década de 1950, que não previa horário de fechamento para cafés, bares, restaurantes e lancherias, é um direito adquirido de alguns dos redutos mais antigos da Cidade Baixa.
É por isso que estabelecimentos como o Copão, o Cavanhas e o Pinguim podem funcionar noite adentro - enquanto outros são multados e interditados por não fecharem as portas antes da 1h em dias de semana, afirma o secretário da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic), Humberto Goulart.
A legislação que hoje favorece determinados bares regulamentou os alvarás de Porto Alegre até 2004, quando entrou em vigor o Decreto Municipal 14.607. Com ele, qualquer estabelecimento que funcionasse após a meia-noite deveria estar adequado às normas exigidas para a atividade de entretenimento noturno (como por exemplo, projeto acústico aprovado e licenciado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente). Ou seja, depois da 0h, a lei passava a ser a mesma para lancherias e boates.
Só que como os bares antigos tiraram alvará antes de 2004, eles continuam amparados pela lei inicial, lá dos anos 1950. E têm o direito adquirido de funcionar 24 horas, todos os dias, desde que estejam de acordo com um decreto de 2012 - que acrescenta a necessidade de licença especial para locais com música amplificada, horários determinados para uso de mesas na calçada, além de horários especiais de funcionamento para estabelecimentos na Cidade Baixa.
Leia todas as notícias sobre Porto Alegre
Veja quais são os bares fechados pela Smic na Cidade Baixa
Smic responde dúvidas de leitores sobre interdição de bares na Cidade Baixa
- Esses bares estão com o alvará em dia e com as licenças especiais em dia. Então, não tem o que a gente fazer. Não temos como fechar bares que estão dentro da lei prevista para eles - afirma o secretário da Smic, Humberto Goulart.
A questão do direito adquirido, no entanto, é vista com ressalvas pela promotora Ana Marchezan, da área de Justiça de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MP). Segundo ela, não pode existir um "direito adquirido a poluir" - nesse caso, poluição sonora e perturbação do sossego.
- O que existe é o direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, que está previsto na Constituição de 1988, ao qual está vinculado o direito à qualidade de vida. O sossego é uma questão indisponível (do qual não se pode abrir mão). É preciso dormir pra viver bem. Simples assim - rebate a promotora.
O que é bar e o que é restaurante?
Em fevereiro deste ano, um novo decreto municipal (18.572) alterou mais uma vez a legislação para o funcionamento de bares, cafés, restaurantes e lancherias. Ele permite o funcionamento 24 horas para cafés, restaurantes e lancherias que não tenham música amplificada ou ao vivo. Já os estabelecimentos classificados como bares devem ter alvará de casa noturna para funcionarem após a meia-noite (ou horários específicos para a Cidade Baixa).
- O problema é a subjetividade entre os conceitos de bar e restaurante. O que temos como conceito é o seguinte: restaurantes servem comida e bares sevem petiscos e bebidas. O certo seria a lei também permitir o funcionamento 24 horas de bares que tenham música amplificada ou ao vivo. A questão é sempre o barulho - conta a assessora jurídica do Sindicato da Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre (Sindpoa), Patrícia Danielsson.
E o Van Gogh?
Um dos bares/restaurantes mais antigos de Porto Alegre, o Van Gogh, foi um dos primeiros estabelecimentos a ser fechado pela Smic nesta semana. De acordo com a secretaria, o estabelecimento retirou um novo alvará depois de 2004 e perdeu o direito adquirido que tinha, como os outros bares amparados pela lei da década de 1950. O principal motivo, no entanto, seria a presença de máquinas caça-níqueis no local.
- Eles estão com máquinas caça-níqueis lá e estão indo além do horário que esse novo alvará permite - afirma o secretário Humberto Goulart.
De acordo com o proprietário do Van Gogh, Cláudio Piovesani, apenas um alvará de funcionamento foi retirado, em 2003. No entanto, havia um acordo com o Ministério Público sobre o horário de fechamento, que deveria se adequar ao proposto pelo decreto de 2012. Piovesani afirma ter cumprido os horários. Sobre as máquinas caça-níqueis, é sucinto:
- Fomos notificados há umas duas semanas. Não teve multa, eles só falaram pra tirar e foram tiradas. Eram só três maquininhas - afirma Piovesani.
Histórico da legislação sobre bares na Capital
1959 - Surge a lei para regulamentar todos os alvarás de Porto Alegre. Ela não estipula horário de fechamento para cafés, bares, restaurantes e lancherias. Ou seja: todos os estabelecimentos podem ter atendimento 24 horas.
2004 - Entra em vigor o Decreto Municipal 14.607, que considera todos os estabelecimentos que funcionam após a meia noite como entretenimento noturno, devendo responder aos critérios previstos para tal atividade.
2012 - Entra em vigor o Decreto Municipal 17.902, específico para a Cidade Baixa, que permite o funcionamento de bares, restaurantes, cafés e lancherias até a 1h, de domingo à quinta-feira (com 30 minutos de tolerância), e até as 2h nas sextas, sábados e vésperas de feriado (com 30 minutos de tolerância).
2014 - Entra em vigor o Decreto Municipal 18.572, que permite o funcionamento 24 horas de restaurantes, cafés e lancherias. Bares que funcionam após a meia-noite em Porto Alegre (na Cidade Baixa após a 1h em dia de semana e 2h nas sextas, sábados e vésperas de feriado) são considerados como entretenimento noturno, devendo responder aos critérios previstos para tal atividade.