
Eles vivem debaixo da ponte ou dormem na estrada, onde poucos conseguem ver. Chico Buarque chegou a dedicar-lhes um samba, Mambembe, onde os retratou como ciganos, por terem vidas itinerantes. Em todo o Brasil, pessoas em situação de rua muitas vezes são tratadas como invisíveis, mas uma série de páginas no Facebook passou a torná-las famosas e até admiradas.
A ideia central do projeto, que já envolve pelo menos 10 cidades no país, é dar voz aos moradores de rua. Os administradores dessas páginas, como a recém-criada POA invisível, percorrem as vias brasileiras em busca de histórias e emocionam os seguidores a cada postagem. Eles escutam pessoas em situação de rua, as fotografam e divulgam seus relatos em publicações na rede social. Com isso, os invisíveis ganham visibilidade. Algumas histórias chegam a ficar famosas, devido à chuva de curtidas e compartilhamentos que recebem.
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Foi graças a um desses compartilhamentos que Porto Alegre ganhou uma página do gênero. Ao divulgar em sua timeline a história de um morador de rua de São Paulo, postada pela página SP invisível, a estudante de História Júlia Nequete, 18 anos, decidiu criar um projeto semelhante para a capital gaúcha. Para isso, convidou a amiga Letícia Merten, 19 anos, acadêmica de Ciências Sociais. Elas entraram em contato com a página paulistana, que forneceu a identidade visual para a irmã gaúcha.
- Nossa ideia era criar uma extensão do projeto de São Paulo, então resolvemos entrar em contato com eles antes de criarmos a página. Eles acabaram nos dando a imagem do perfil, para que ficássemos com a mesma identidade visual - explica Júlia.
"Ninguém nos cuida, só nos julgam", diz morador de rua
Desde a criação da página, em setembro, as estudantes já ouviram sete personagens. Um deles é Bili, que aproveitou a visibilidade dada pelas acadêmicas para fazer uma crítica social.
- Aqui a gente quer paz, que nos respeitem e tenham a mesma humildade que a gente tem. Fazemos como pode: reciclagem, guardar carro, malabarismo no sinal... Mas ninguém nos cuida, só nos julgam - afirmou Bili às entrevistadoras.
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Segundo Júlia, o julgamento mais comum que as pessoas em situação de rua têm de enfrentar é serem rotulados como "vagabundos", pois há a ideia de que eles "estão na rua porque não querem trabalhar". Esse tipo de rótulo, conforme a acadêmica, só contribui para a exclusão social. Embora existam casos de pessoas que moram na rua por opção, muitos estão nessa situação por falta de oportunidades, de acordo com a estudante.
- Muitos carecem de uma estrutura para morar. Existem abrigos, mas os que visitamos têm lista de espera _ explica Júlia.
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Personagem da POA invisível, Vagner Ribas de Oliveira Vieira, o Zé Pequeno, faz parte do grupo que está na rua por não ter moradia. Saiu de casa porque apanhava dos pais, dependentes químicos, e acabou caindo nas drogas também. Perdeu um irmão assassinado e uma irmã para o HIV, mas ainda mantém a esperança em conquistar um futuro melhor. Para isso, sobrevive com o pouco que ganha como cuidador de carros e frequenta as aulas da Escola Porto Alegre (EPA).
- Me envolvi com o colégio EPA por um professor que me inscreveu lá, aí eu comecei a gostar. Pretendo melhorar, pretendo ser que nem vocês. Morador de rua também vai virar doutor um dia, né? - relatou Vieira.
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Sobre a proposta do município de fechamento da EPA até 2015, Júlia afirma que é totalmente contra. Ela e Letícia participaram de discussões sobre o tema na Assembleia Legislativa e pretendem entrar em contato com os alunos, na tentativa de manter o funcionamento da escola no local.
Para o futuro da POA invisível, que tem mais de 4 mil seguidores, cerca de 50 novos a casa semana, as estudantes esperam contar com a colaboração de outras pessoas, com o objetivo de aumentar o número de postagens. Atualmente, elas produzem conteúdos nos finais de semana, quando percorrem as ruas atrás de entrevistados.