Comportamento

É o fim

O chocolate vai acabar. E agora?

Depois de notícias sobre possível escassez de chocolate, respondemos a algumas questões de ordem prática

Fernanda Grabauska

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Filas aguardando a abertura dos supermercados e armazéns da cidade. Despensas refrigeradas prontas para receber estoques de alimento. Centenas de ligações para os jornais. "Como podem? Isso é um absurdo!", diz o cidadão comum, inconformado. No Facebook, protestos são marcados pelo fim da injustiça, com centenas de milhares de pessoas confirmadas. Logo, as fábricas e distribuidoras são saqueadas e, sem nada para amainar seu sofrimento, mulheres na TPM saem fazendo vítimas, começando uma epidemia de violência e insanidade.

Assim seria a vida se, de um dia para o outro, não houvesse mais chocolate -um risco real, que desencadeou reação sem precedentes na internet e deixou alguns genuinamente preocupados com seus níveis de serotonina daqui para a frente. Para matar nossa fome de bombons, trufas, barras, línguas de gato e ovos de chocolate, a produção de cacau terá de aumentar em 1 milhão de toneladas por ano até 2020, algo impossível, dado o panorama atual.

O recado que fica é o seguinte: aproveite os últimos anos de fartura, pois sua vida está prestes a mudar.

Mas o meu chocolatinho está ameaçado?

Não exatamente. Para o chocólatra comum, o objeto de desejo pode não apenas ficar mais caro. Os fabricantes podem começar a fazer o cacau "render", adicionando outros ingredientes, como gordura vegetal hidrogenada e realçadores de sabor (o resultado, como você pode imaginar, é algo bem prejudicial para a saúde).

Outra saída é bem óbvia - manter os preços, mas diminuir o peso do chocolate no pacote. A Cadbury, uma das maiores fabricantes britânicas do doce, reduziu o peso de sua barra mais famosa em 10% neste ano. Também veremos mais chocolates com castanhas, nougat e outros recheios.

No Brasil, embora já tenhamos produtos com bastante gordura, a tendência é uma piora ante a escassez:

- A manobra é simples: mais manteiga de cacau e menos semente, levando à obtenção de um produto com maior teor de gordura e reduzido teor de compostos benéficos à saúde, como os flavonoides. A qualidade do chocolate está baseada justamente nisso, no teor de cacau no produto final. Não sendo um chocolate ao leite, quanto maior o teor de cacau, maiores são a qualidade e o valor agregado ao produto - diz a mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos Carolina Assumpção.

Tá, mas e agora?

A verdade é que, em termos de gostosura, o chocolate é insubstituível, não importa o que digam as rainhas fitness da internet. A alfarroba, muito propagandeada como substituta magrinha do chocolate, é produzida com um paladar parecido ao subproduto do cacau. Mas, evidentemente, não tem o mesmo apelo.

Embora acreditemos que ninguém come chocolate pela saúde, a nutricionista Lenice Zarth Carvalho afirma que as propriedades nutricionais das barras com no mínimo 70% de cacau podem ser obtidas a partir de outros alimentos.

- O grande benefício do cacau é a questão antioxidante. Cacau pode ser substituído por frutas vermelhas, pelo açaí, por chá verde. Nesse aspecto não teria prejuízo. Mas substituir o prazer do chocolate é impossível - diz.

Há também um impedimento legal, de acordo com Carolina Assumpção:

- Infelizmente, não existe chocolate sem cacau. Por definição em legislação, o chocolate é o produto obtido da mistura de derivados de cacau, massa de cacau, cacau em pó e ou manteiga de cacau com outros ingredientes, desde que 25% do total de sólidos seja cacau.

Lenice, entretanto, não encoraja o pânico depois das notícias bombásticas. Seus tabletes de alegria e açúcar vão sim continuar a existir nas gôndolas de seu supermercado de escolha, mas ficarão um tanto mais caros.

- Eu duvido que deixem faltar. O que vai acontecer é escassear, assim como o salmão e muitos outros alimentos.

Mas a culpa é de quem?

A informação de que é muito difícil alimentar 7 bilhões de pessoas não é nova para ninguém. Mas, até pouco tempo atrás, tudo ia relativamente bem: com hábitos alimentares diferentes de país para país, algumas matérias-primas não eram exigidas em demasia. Isso foi até os chineses pegarem gosto por chocolate (sim, é sério). Com a abertura econômica da República Popular da China, tornou-se particularmente preocupante o apreço cada vez maior dos chineses pelo doce. A cada ano, a China compra mais e mais chocolate. Ainda assim, o consumo deles per capita equivale a apenas 5% daquilo que um europeu ocidental consome (mas lembre-se, eles são 1,3 bilhão, e estão com fome).

E não são só os chineses, são os mercados emergentes em geral.

Fora isso, o que a internet chama de "gourmetização da vida" também desempenha um papel grande no fim do chocolate. Enquanto aquela barra normal de chocolate que você compra  tem de 10% a 20% de cacau, o chocolate da moda é o amargo, que tem a partir de 60% do fruto em sua composição. E, com a indústria focada em colocar cada vez mais cacau em seus produtos, menos barras são produzidas, mais cacau é usado... e o resto você sabe - o preço aumenta.

À parte sintomas circunstanciais do fracasso, o medo de que a epidemia do ebola chegue até os trabalhadores das lavouras de cacau, o grande tempo que as árvores levam para render frutos, os fungos que dizimam plantações inteiras e as secas na África Ocidental, de onde vem 70% do suprimento de cacau do mundo, tudo isso influencia para certo alarmismo - e chororô - da indústria do chocolate.

E como eu posso ser mais sustentável com o que sobrou do meu chocolatinho?

Te ajudamos com algumas dicas para você aproveitar melhor e gastar menos na sessão de guloseimas.

1. Chocolate é um agrado, não um grupo alimentar

O chocolate deve ser encarado como uma refeição especial. Por isso, é melhor você investir em uma trufa realmente maravilhosa do que numa caixa de chocolate gorduroso e ruim. Além disso, aproveite. Não coma o petisco em dois segundos.

2. Não faça tudo de chocolate

O bolo realmente precisa ser de brigadeiro com ganache de chocolate ao leite e raspas de chocolate branco? Não. Economize.

3. Prepare-se para pagar mais. Bem mais

Aquele seu Toblerone vai virar artigo de luxo até 2020, e você terá que pagar mais por ele. Lide com isso, apenas.

4. Coma menos!

Uma das razões para chegarmos à beira da escassez é nossa vontade insaciável de chocolate. Nada mais justo, então, do que comer com consciência - pense que é pelo bem da sua páscoa e de todos os dias em que você já acorda meio chateado. O mundo agradece.

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