
Em São Paulo, corre piada que vincula a decadência do São Paulo no Brasileirão à marca do patrocinador na camisa. Desde o inicio do campeonato, o clube ostenta no espaço nobre do uniforme a marca Banco Inter. Os torcedores pouco se importam com os R$ 23 milhões anuais do acordo. Tampouco com as garantias bancárias do banco para a compra de Pratto. Isso é menor do que o pânico de repetir trajetória do ex-parceiro do seleto grupo dos nunca rebaixados.
Até mesmo ídolos recentes do Morumbi sentem calafrios com a semelhança do roteiro vivido pelo Inter em 2016. O ex-centroavante França, hoje morando no Japão, desabafou pelo Twitter minutos depois do 2 a 2 com o Atlético-GO:
- Tenho superstição, sim...
Tira essa p. de INTER da camisa...
Saí, zica!
As causas dos problemas do São Paulo estão longe de serem sobrenaturais. Pelo contrário. São bem terrenas. A queda livre dentro e fora do campo tem as mesmas raízes que derrubaram outros gigantes: vaidade de dirigentes, efervescência política, racha no Conselho e falta de planejamento no futebol, que incluem ex-ídolo como técnico, saída de 12 jogadores e contratação de outros 18 em sete meses.
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A derrocada do clube que há 10 anos era modelo no Brasil começou, por ironia, nessa mesma época. Juvenal Juvêncio, depois do sucesso no departamento de futebol e do título mundial de 2005, elegeu-se presidente no ano seguinte para mandato de dois anos. Mudou o estatuto e aumentou para três o período no comando. Em 2011, viu brecha no mesmo estatuto que permitia segunda reeleição. Ocupou o cargo até abril de 2014. Opositores apontam a gestão de JJ, como era conhecido, como centralizadora e fechada a ideias de outros movimentos políticos. O que dividiu o São Paulo em dois.
- Essa dicotomia tirou força administrativa, de gestão. O clube não tem o mesmo grupo de pessoas disponíveis de antes. Isso enfraqueceu a instituição. Vemos que estão na base do improviso, os estilos são diferentes da nossa época - diz Fernando Casal de Rey, vice de futebol entre 1990 e 1994, época de ouro do São Paulo, e presidente de 1994 a 1998.
Mesmo com poder total, Juvenal não conseguiu unidade em seu bloco. Sua iminente saída abriu disputa interna. Júlio Casares, o homem que fez do marketing do Morumbi um exemplo, e Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco, pleiteavam a indicação em 2014. Só que o escolhido foi Carlos Miguel Aidar, presidente nos anos 1980 e um dos criadores, ao lado do gremista Fábio Koff, do Clube dos 13, o único movimento de reação dos clubes à CBF até hoje.
A decisão, é evidente, provocou fissuras na situação. Mas nada comparado ao terremoto que viria a seguir. Aidar assumiu e, cinco meses depois, demitiu Juvenal do cargo de diretor das categorias de base. O que era aliança virou ódio. Juvenal colocou como questão de honra "corrigir o erro" de indicar Aidar. A partir daí, a guerra política escancarou os bastidores do clube e expôs mazelas de um Conselho formado por sobrenomes da alta sociedade paulistana.
Aidar ficou 18 meses no cargo. Saiu por denúncias de favorecimentos à namorada em contratos e movimentações financeiras nebulosas. Elas vieram à tona em gravação feita pelo vice de futebol Ataíde Gil Guerreiro. Os dois se engalfinharam numa reunião de diretoria no luxuoso Hotel Radisson e acabaram expulsos do clube.
Leco, preterido por Juvenal, havia sido indicado para presidente do Conselho e viu o cargo que tanto queria cair em suas mãos em outubro de 2015. Semanas depois, foi eleito para mandato-tampão até abril deste ano, quando foi reeleito para mais três anos. Juvenal morreu em dezembro de 2015, depois de ser derrotado em sua luta contra o câncer, mas com a missão cumprida de tirar Aidar do cargo.
- O ex-presidente (Juvenal Juvêncio) se apropriou do Conselho e, com isso, fomos perdendo aquela liderança que tínhamos (entre os clubes). Sempre fomos copiados, paradigmas para outros clubes. Entramos em processo de decadência, dívidas forma contraídas - critica José Eduardo Mesquita Pimenta, presidente entre 1990 e 1994 e candidato derrotado por Leco em abril deste ano.
A gestão de Leco, mesmo na oposição, é apontada como positiva no aspecto financeiro. A dívida foi reduzida. Está em cerca de R$ 90 milhões e equacionada. O problema é o futebol. A seca de um clube acostumado a vencer também agrava. Depois do tri brasileiro de 2008, o São Paulo só levantou a Copa Sul-Americana de 2012. Desde lá são 12 trocas de técncios. O clube passou a figurar na região do Z-4 do Brasileirão, um contraste com sua fleuma e retrospecto nas duas últimas décadas. Em setembro de 2013, Muricy foi chamado em casa para evitar a queda e tirar o time do 18º lugar.
- Acontece há algum tempo de o São Paulo ficar sem um time, sem identidade. Troca o técnico e não dá resultado. Cumpre ciclo que não está dando certo. Toda hora se inicia um novo projeto. O Brasileirão é um campeonato duro e não perdoa - diz Muricy, vizinho do Morumbi e um emblema do clube.
O ex-técnico conhece o São Paulo como poucos. Começou como jogador na base, chegou ao profissional, treinou os juvenis e juniores e levou o time principal ao tri brasileiro. Muricy garante que a convulsão política no Morumbi não chega ao CT, no lado oposto da cidade. Mas é inegável que os arranjos políticos interferem. Há quem aponte como cartada eleitoreira escolher Rogério Ceni para técnico a quatro meses do pleito.
O mesmo se diz sobre a indicação feita por Leco para o futebol. Vinícius Pinotti, ex-diretor de marketing e principal acionista da Natura, é quem lidera o vestiário. É uma cara nova. Seu vínculo com o futebol, até então, era o empréstimo de R$ 12,7 milhões para a compra de 70% de Centurión ao Racing.
Sob a batuta de Pinotti, o São Paulo se mostra ativo no mercado. Não hesita em vender jogadores se a proposta for vantajosa. Por outro lado, é ágil para contratar. Desde janeiro, saíram 12 atletas e chegaram 18. As mudanças foram obstáculo para a afirmação de Ceni. Seus conceitos europeus em ambiente que exige resultados imediatoss, é claro, também afetaram.
Dorival Júnior assumiu há 13 dias. Recebeu três novos jogadores na última semana, Aderllan, Marcos Guilherme e Hernanes, e deve receber mais nos próximos dias.
Na quarta-feira, ele obteve a primeira vitória, 1 a 0 no Vasco, em jogo suado e cheio de misticismo. A torcida colocou sal grosso na entrada do Morumbi e alguém o espalhou também no reservado dos atletas. Um cenário que não combina com a fleuma do São Paulo.