Economia

Para sair da crise

Construção civil dá sinais de recuperação

Financiamento caro e queda da renda representam desafios ao setor. Porto Alegre tem horizonte mais favorável em razão do baixo estoque de imóveis

Cadu Caldas

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Algumas empresas aceleram obras na Capital para lançar imóveis no segundo semestre

Depois de encolher 10,2% em dois anos, a construção civil, um dos setores mais afetados pela recessão econômica, começa a preparar o terreno para retomada. A recuperação da confiança de empresários brasileiros indicam um horizonte mais favorável nos próximos meses e Porto Alegre, com um baixo estoque de imóveis disponíveis para a venda, deve ser a capital pioneira nessa retomada.

Apesar da economia real continuar dando tropeços no presente, indicadores apontam que a crise no setor pode estar perto do fim. Depois de oito trimestres de queda, o setor teve leve reação e avançou 1% entre abril e maio, conforme apontou a FEE.

A confiança dos donos de construtoras, por exemplo, já anda para frente há seis meses consecutivos, conforme mostra indicador calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). A recuperação é expressiva no segmento de preparação do terreno, atividade que costuma registrar aceleração no início efetivo de obras previamente contratadas.

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No Rio Grande do Sul, o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), com pesquisa semelhante, mostra cenário bastante parecido: há seis meses, executivos estão mais confiantes em relação ao futuro, em um horizonte de seis a 12 meses. Desde maio, o indicador que aponta o ânimo dos consumidores também voltou a crescer. Apesar de não ser um dado consolidado, é ponto chave para uma recuperação sólida do setor, explicam especialistas: as pessoas se movem em meio às expectativas em relação ao futuro.

– Mostra que o ciclo de contração da atividade pode estar, finalmente, se encerrando. De qualquer maneira, será uma recuperação mais demorada, porque o ciclo econômico da construção é mais lento que o da indústria, que já começa a dar sinais mais concretos – disse Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV/Ibre.

Outros fatores explicam o otimismo do empresário gaúcho. Diferentemente de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, Porto Alegre tem um estoque bastante baixo de imóveis para a venda, o que exigiria o início de novas obras em prazo menor. Enquanto a capital gaúcha tem 3,2 mil novas propriedades disponíveis para negócio atualmente, a capital paulista conta com mais de 30 mil. A burocracia que deixa mais lento o início de novas construções no Estado acabou impedindo uma superoferta de imóveis quando a procura dos consumidores despencou.

O mercado de trabalho em Porto Alegre e Região Metropolitana é outro indicativo de que o setor no Estado pode voltar a crescer antes do que no restante do país. O desemprego do setor nesses locais segue, faz alguns meses, praticamente estabilizado, registrando apenas oscilações sazonais, explica Assílio Luiz Zanella de Araujo, economista do Sinduscon.

– É difícil dizer uma data para o setor voltar a crescer, é preciso primeiro parar de cair, e isso já aconteceu. Agora, depende do custo do crédito para os compradores – afirma Juliano Melnick, diretor da construtora Melnick Even, que aposta em um apetite mais voraz dos consumidores conforme a taxa de juro comece a recuar.

Empresários do setor e bancos negociam com representantes do Banco Central para aumentar, ainda este ano, o limite do valor dos imóveis financiados com recursos do FGTS de R$ 750 mil para R$ 1 milhão.

Como está a confiança dos empresários
O otimismo dos empresários para os próximos 12 meses da construção civil no RS é mais acentuado. Valores acima de cem refletem otimismo, e abaixo, pessimismo.
Empresários: 123
Consumidores: 104
Corretoras: 89

Diferenças entre o porte das empresas

A Melnick Even, uma das maiores empresas do ramo no Estado, aproveitou o acesso ao crédito e o estoque baixo de imóveis na região e lançou nove empreendimentos de janeiro a agosto e projeta mais cinco até o final do ano. Não foi o comportamento geral observado em Porto Alegre, onde o número de lançamentos caiu 30,3% no acumulado de janeiro a agosto em relação a 2015. As vendas também andaram em ritmo menor em comparação aos últimos anos, mas vêm avançando há alguns meses. Em julho, foram fechados 335 negócios, segundo melhor do ano.

– Já sentimos uma disposição maior dos compradores. Mas o nosso público ainda é muito sensível ao juro – diz Rafael Moutinho, gerente comercial da Rotta Ely.

Crédito restrito e desemprego são obstáculos

A retomada da construção civil deve começar pelo setor imobiliário e só mais adiante em obras de infraestrutura – boa parte paralisadas pela crise política em Brasília e o envolvimento de grandes empreiteiras na Lava-Jato.

Para alavancar de vez a construção de novas residências e empreendimentos comerciais é preciso antes ultrapassar dois importantes obstáculos: o juro alto e o desemprego.

A melhora da confiança dos empresários é importante, sem dúvida, mas, por enquanto, mais baseada em promessas de melhora na economia do que em resultados efetivos do ambiente econômico. O consumidor é mais reticente e leva em conta o peso no bolso. Se tem qualquer expectativa de ser demitido, não compra, e o negócio não anda – afirma Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV/IBRE.

Juliano Melnick, diretor da construtora Melnick Even, estima que o juro precise baixar pelo menos ao patamar de 12% (hoje a taxa básica está em 14,25% ao ano) para que a demanda comece a crescer de forma mais efetiva:

– Quando você compra algo em três parcelas, a taxa não importa muito. Agora, quando são 360 prestações, olha-se cada detalhe e cada ponto percentual a menos conta.

Margem menor para avançar em um mercado reduzido

Para Rafael Moutinho, gerente comercial da Rotta Ely, o crédito será determinante nos próximos meses.

– Estamos estabilizados, mas em patamares baixos. Precisamos favorecer as condições para estimular as vendas – diz.

O acesso caro ao financiamento, para consumidores e empreendedores, representam um desafio extra para as construtoras de pequeno porte, que têm menor margem para reduzir preço e ganhar espaço em mercado restrito.

Os irmãos Tanara e Max Castro são um exemplo. A dupla em 2010 – quando o setor imobiliário crescia a dois dígitos ao ano – fundou a Aura Construtora, e agora enfrenta dificuldades para vender os apartamentos que construiu. No mais recente projeto, um prédio com nove unidades, quatro foram negociadas logo no lançamento. O restante segue "emperrado".

– Quando começamos, nenhum imóvel ficava parado, tudo era acertado muito rápido. Agora, não. As construtoras menores não têm tanta possibilidade de publicidade, e isso influencia. Antes, eu era bem otimista, mas, depois dessa crise toda, prefiro não ficar fazendo projeções positivas – conta a engenheira Tanara.

A empresa tem um terreno disponível e um projeto já liberado na prefeitura, mas prefere esperar um pouco mais para iniciar a nova obra.

– Ainda estamos trabalhando na venda da unidades que temos. Não reajustamos preço de tabela desde agosto de 2015 para ficarmos mais competitivos – afirma Max.


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