
Indenizar agricultores pelo terreno, e não só pelas benfeitorias, é considerada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) uma possibilidade para solucionar o conflito agrário no norte do Estado. Nesta quinta-feira, em Brasília, a proposta deve ser discutida em reunião entre representantes de índios, agricultores e governo.
Os produtores rurais têm uma contraproposta: criar reservas em outras áreas, mas as comunidades indígenas não aprovam a ideia. De ambos os lados, líderes nutrem pouca esperança de consenso.
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No início do mês, após o ministro José Eduardo Cardozo cancelar visita ao Estado em momento de tensão na disputa por terras em Faxinalzinho, o Ministério da Justiça reafirmou o compromisso de acelerar a demarcação e desapropriação em áreas prioritárias, como Rio dos Índios (Vicente Dutra), Mato Preto (entre Erebango, Erechim e Getúlio Vargas) e Passo Grande do Rio Forquilha (Cacique Doble e Sananduva). Faxinalzinho integra essa lista, mas está em fase inicial do processo. A Advocacia-Geral da União assegura não haver impedimento jurídico, mas a decisão será tomada pelo ministério.
Na última semana, técnicos dos governos federal e estadual trocaram informações sobre possíveis valores de indenizações e formas de pagamento para os agricultores. Só que a medida enfrenta a resistência da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul).
- Seria muito mais viável deslocar comunidades indígenas do que produtores - afirma o coordenador-geral da Fetraf-Sul, Rui Valença, que se diz "descrente" da possibilidade uma solução nesta quinta.
Único cacique caingangue que participará do encontro em Brasília - outros dois caciques guaranis confirmaram presença - Leonir Franco, 24 anos, saiu de Sananduva com a mesma sensação:
- Vai ser mais uma enrolação.
Tensão em cinco atos
1 - Em 28 de abril, dois agricultores foram mortos a tiros e a pauladas ao tentar furar o bloqueio feito por indígenas em estrada de Faxinalzinho.
2 - A morte dos irmãos acirrou a disputa por terras no município. No dia seguinte, o transporte escolar foi suspenso, as aulas foram canceladas e só parte do comércio funcionou.
3 - O cancelamento da visita ao Estado do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no dia 6, aumentou a tensão entre agricultores e índios, que voltaram a bloquear estradas.
4 - Cinco índios foram presos pela Polícia Federal em 9 de maio, suspeitos de envolvimento na morte dos agricultores. Entre eles, o cacique Deoclides de Paula e o irmão dele.
5 - Nesta quinta, representantes de agricultores, indígenas, governo estadual, Funai e Ministério da Justiça debatem em Brasília propostas para solucionar o conflito no norte gaúcho.
"Precisamos de boa vontade", diz Maria Augusta Assirati, presidente interina da Funai
Desde junho de 2013 como presidente interina da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Assirati tem uma proposta: demarcar a área indígena e indenizar os agricultores pela terra, e não apenas pelas benfeitorias realizadas. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual a proposta da Funai para o conflito em Faxinalzinho?
A demarcação da área e o pagamento de indenização aos agricultores pelos títulos de propriedade. É preciso considerar os direitos dos indígenas e de quem adquiriu aqueles lotes e vive lá há anos.
Os produtores sairiam e receberiam pelas terras?
Seria indenização pela terra, não só por benfeitorias. A pessoa não tem culpa por ter comprado uma área que era da União. Em alguns casos, sobretudo no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul, houve incentivo do poder público.
Por que tanta dificuldade?
Não há uma solução de mão única, porque estamos falando muitas vezes de pequenos agricultores. É preciso cooperação entre governos e comunidades para um consenso que garanta os direitos de todos.
É mais difícil resolver disputas no Rio Grande do Sul?
O Estado tem a característica muito forte do investimento na agricultura familiar, além de ter pouco estoque de terras. Precisamos de boa vontade de todos. Das terras indígenas regularizadas, mais de 90% estão na Amazônia Legal e cerca de 2%, entre Sul, Centro-Oeste e Nordeste. No RS, comunidades estão em situação complicada para aguardar demarcações, muitas vezes acampadas, o que não é exclusiva dos indígenas.
*Colaborou Carlos Wagner