
Em cinco das últimas sete Copas do Mundo eles arrumaram confusão e espalharam medo. Brigaram entre si, com torcedores de outros países, foram deportados e mataram um homem na África do Sul. Voltaram para casa com máscaras e dedos em riste. Organizados nos moldes da máfia, eles subornam policiais, pressionam dirigentes, vendem drogas nas arquibancadas e imediações dos estádios, administram estacionamentos, repassam ingressos, cobram comissões por passes de jogadores e militam em partidos.
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Os barrabravas argentinos, conhecidos mundialmente pelos trapos e cantorias intermináveis nas canchas da América Latina, se especializaram em atos ilícitos e estão entranhados no futebol e na política da Argentina bem além do espetáculo. Uma vez torcedores passionais, como o lendário Victoriano Caffarena - o "jugador número 12" do Boca Juniors das décadas de 1920 e 1930 -, tornaram-se profissionais, como Rafael Di Zeo, a versão moderna do barra boquense.
Na Copa do Mundo do Brasil, eles devem estar presentes em massa - mais de 500 são esperados, sem contar os apoiadores de Boca e River Plate, as grandes equipes portenhas. Desde 2009, a maioria se uniu para torcer durante o período do Mundial por meio da ONG Hinchadas Unidas Argentinas (HUA), entidade apoiada e financiada pelo governo kirchnerista em 2010, na África do Sul.
Torcedores do River Plate / Crédito: New York Times News Service

La Guardia Imperial, do Racing / Crédito: AP

La Doce, do Boca Juniors / Crédito: AFP

"Vocês acham que comigo preso a violência vai terminar? Vocês acham que se nos juntarem em uma praça e nos matarem, a violência vai acabar? Não, nunca vai terminar. Isso é uma escola. É herança, herança e herança. Vem desde 1931 e seguirá sempre" - Di Zeo, no livro La Doce, de Gustavo Grabia
Neste ano, a torcida do Independiente - que protagonizou alguns dos espetáculos mais violentos do futebol nas últimas décadas - vai estar à frente da agremiação, que conta com apoiadores de diversas torcidas menores, da segunda e terceira divisão. Conforme Diego Llumá, diretor de Cooperação Internacional do Ministério da Segurança do país, é impossível prever o que acontecerá a partir de 12 de junho, quando a bola rolar pela primeira vez no Itaquerão:
- Não existe nada fora de contexto. Os riscos de violência, agora, estão vinculados às disputas internas nas barras e aos negócios. É uma máfia que tem a cumplicidade da polícia e dos dirigentes dos clubes argentinos. Caberá ao Brasil, por meio dos mecanismos de vigilância e controle, coibir a atuação deles.
O histórico dos barrabravas preocupa as forças de segurança brasileiras. Uma lista com mais de 2 mil nomes foi repassada há duas semanas pela polícia argentina à Polícia Federal brasileira, que mantém o documento em caráter confidencial. Em Porto Alegre, eles estarão no dia 25 para o jogo contra a Nigéria no Beira-Rio, o último da primeira fase. Isso se não venderem os ingressos, já que a Argentina deve entrar em campo classificada (as primeiras partidas são contra Irã e Bósnia) e revender bilhetes pode ser um negócio lucrativo.
Trânsito no poder
Gustavo Grabia, editor do diário esportivo Olé - considerado hoje o maior especialista no assunto mundialmente -, repassou a Zero Hora os nomes dos 10 líderes mais perigosos que estão nesta lista. São homens conhecidos por ligações políticas com sindicatos e partidos, trânsito entre os dirigentes dos clubes, coação de jogadores e diversos crimes.
Veja fotos dos barrabravas argentinos na galeria abaixo
- Não tenho nenhuma dúvida de que são organizações mafiosas pelos métodos de pressão e ameaça que utilizam. Eles chegaram ao entendimento de que individualmente são pequenos, mas unidos, uma grande torcida. Isso lhes dá mais poder de negociação com as autoridades e mais benefícios. Hoje, as barras trabalham para um monte de políticos, cada uma atua para o partido político de sua zona, já não estão mais vinculadas apenas ao governo federal. Os partidos políticos se aproveitam delas como uma força policial. A polarização política os favorece - afirma Grabia.
Um dos que mais preocupam é Pablo "Bebote" Alvarez, comandante do Diablos Rojos (barra do Independiente) e da HUA. Ele esteve na África do Sul em 2010 e acabou deportado em Angola. Em guerra contra o então mandatário do clube, Javier Cantero - que acabou renunciando ao cargo -, Bebote, mesmo proibido de frequentar estádios, está em plena campanha pela presidência do Rojo.
Pablo "Bebote" e presidente do Independiente trocam ameaças
- Há uma relação direta muito forte dos criminosos com os meios políticos. Além disso, a impunidade é um problema de justiça que atinge toda a Argentina hoje e extrapola os estádios - analisa Ignacio Uzquiza, do Ministério da Segurança.
Mortes e apoio de Cristina Kirchner
Rafael Di Zeo, famoso líder da torcida La Doce, do Boca Juniors, também figura na lista entregue à Polícia Federal. Em 2007, ele foi preso por porte ilegal de arma em uma briga dentro da Bombonera.
Martín Araujo, do River Plate, foi detido no Monumental de Nuñez com armas brancas e 200 carnês de sócios. Proibido de frequentar jogos de futebol, o militante do Partido Justicialista, o mesmo de Cristina Kirchner, é suspeito de ser protegido da presidente e de ter armado um esquema de caixa 2 com a conivência de dirigentes e do ex-treinador Daniel Passarella.
Barrabravas do Independiente rompem alambrado e desafiam polícia
Nas últimas décadas, os barrabravas foram responsáveis por grande parte das agressões em partidas de futebol na Argentina. Desde os anos 1920, conforme a ONG Salvemos al Fútbol (SAF), já causaram mais de 270 mortes. As regalias vividas por seus líderes são dignas de personagens da máfia.
A cúpula da Guardia Imperial, do Racing Clube, por exemplo, fez um cruzeiro pelo Brasil no ano passado ao custo de US$ 1,6 mil, por pessoa. De acordo com o jornal argentino La Nación, eles movimentam cerca de 200 mil pesos (R$ 56 mil) mensais em revenda de ingressos e merchandising de artigos oficiais.
Em comum, além de uma vida bancada por esquemas de corrupção e ameaças, um ambiente de impunidade, que favorece a perpetuação de lideranças negativas. Dos 10 barrabravas listados por Grabia, todos já tiveram algum tipo de problema com a Justiça, e mesmo assim continuam convivendo no ambiente do futebol, direta ou indiretamente, e repassando seus reinados a afilhados. Não será surpresa alguma se eles forem flagrados no Brasil. Resta saber fazendo o quê.
"Sempre há algum problema em Copas"
Editor do diário esportivo argentino Olé, Gustavo Grabia, 46 anos, é hoje o maior especialista em barrabravas no mundo. Ele levou quatro anos para reunir as informações do livro La Doce - A Verdadeira História da Barrabrava do Boca, sobre a violenta torcida do Boca Juniors, e investiga permanentemente os crimes cometidos pelas organizadas no país. Em entrevista a Zero Hora, Grabia disse temer atos violentos durante a Copa do Mundo. Confira os principais trechos:
Torcidas rivais, que pregam o ódio mútuo, se unem durante a Copa do Mundo. Como isso é possível?
Há cinco anos, eles resolveram se agrupar na Hinchadas Unidas Argentinas (HUA) para poder viajar ao Mundial da África do Sul. Para isso, trabalharam junto ao governo de Cristina Kirchner e, em contrapartida, foram financiados. Agora, decidiram seguir com esse esquema. Perceberam que quanto mais se organizam, mais pressão exercem nos políticos, clubes e sindicatos. O país está rivalizado politicamente, e eles aproveitam esse momento da Copa do Mundo, em que há uma trégua em nome da seleção, para atuar.
Essa união deles será uma garantia de paz durante os jogos no Brasil?
A união se faz para poder conseguir os ingressos, as passagens aéreas e os financiamentos. Uma vez atingido os objetivos, está feito. Sempre há algum problema em Copas, não posso assegurar que não vai acontecer nada no Brasil. Historicamente sempre acontece confusão. Creio que eles até viajam com a ideia de que não ocorra nada, mas o desenrolar diz outra coisa.
Existe uma torcida oficial em cada Copa, relacionada ao treinador da seleção?
Não. Da mesma forma que aconteceu no último Mundial, a hinchada que terá a maior quantidade de adeptos é a do Independiente. São eles que lideram atualmente a HUA, mas isso vai mudando.
O senhor considera as barra bravas organizações mafiosas?
Não tenho nenhuma dúvida de que são mafiosas pelos métodos de pressão e ameaça que utilizam. Eles chegaram ao entendimento de que individualmente são pequenos, mas unidos, uma grande torcida. Isso lhes dá mais poder de negociação com as autoridades e mais benefícios. Hoje, as barras trabalham para um monte de políticos, cada uma atua para o partido político de sua zona, já não estão mais vinculadas apenas ao governo federal. Os partidos políticos se aproveitam delas como uma força policial. Eu não tenho esperança de que a situação melhore. A tendência é só piorar. Oxalá que eu me equivoce.
No Infográfico, confira como se sustentam os barrabravas: