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Como num jogo de dominó, quando a primeira peça é derrubada e, em efeito cascata, todas as demais caem em sequência, ocorre a enchente na Fronteira Oeste, provocada pela cheia do Rio Uruguai. Pode nem ter chovido em São Borja, Itaqui e Uruguaiana, mas o temporal lá de cima, do oeste catarinense e norte gaúcho, é certeza de transtorno nos municípios mais abaixo do mapa rio-grandense.
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O leito do rio, correndo na direção sul, desde junto com a força do Uruguai. As hidrelétricas de Irá (SC) e Machadinho (RS) chegam ao limite e precisam despejar a enxurrada dágua. A vazão chegou a 25 mil metros cúbicos por segundo - dez vezes o volume habitual - nesta enchente. Com tamanha vazão, não há casa de madeira nem mesmo de concreto que aguente.
Históricas desde a fundação dos municípios da região, as cheias do Rio Uruguai podem ser, se não anuladas, no mínimo minimizadas, pela construção de uma barragem: a Hidrelétrica de Garabi, no município de Garruchos, no Noroeste. E a iniciativa, que também supriria a demanda energética dos municípios, não é novidade: o tratado foi firmado em 1980 entre os governos do Brasil e da Argentina, mas somente em 2008 a brasileira Eletrobras e a argentina Ebisa assinaram o convênio para execução dos estudos. O prefeito de Itaqui, Gilmarques Silva (PDT) - cidade que teve um quarto da população expulsa de suas casas devido à enchente deste inverno - aponta a solução:
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- No momento que essa barragem acontecer, não teremos mais essa cheia tão drástica do rio.
A barragem inundaria uma área de 73 mil hectares e obrigaria a desapropriação das casas de 12 mil pessoas nos municípios de Garruchos, Porto Xavier e Porto Mauá. Em operação, Garabi poderia conter a violência das águas que descem do Rio Uruguai. Em 2012, foi assinado o contrato para realização dos estudos técnicos e projetos de Garabi e também da hidrelétrica de Panambi. Conforme o deputado federal Jerônimo Goergen (PP-RS), que até o início do ano presidia a Comissão de Integração Nacional na Câmara, o prazo para conclusão dos estudos apresentado pela Eletrobras estava previsto para junho deste ano.
Clique no município atingido e saiba o número de pessoas fora de casa:
- Seguindo o cronograma, obra em si, só a partir de 2015, e funcionamento, em 2019. Mas acho que não há como cumprir esses prazos, até porque não houve ação para a retirada das pessoas e indenização das famílias. Essa enchente no Rio Uruguai cria um novo ambiente para debate. Talvez, se existisse a barragem, isso poderia ter sido evitado - acredita.
Casas "flutuantes"
Em Itaqui, a enchente chegou ao centro da cidade. Dos 17 bairros, oito estão submersos. Para o prefeito da cidade, a construção de casas móveis - chamadas de volantes - mais resistentes auxiliaria na redução das perdas com as cheias. Ao todo, são 300 residências de madeira instaladas na área ribeirinha.
- Estou querendo fazer um projeto nesse sentido, mas vai contra a cultura das pessoas. Agora, o resto da população não tem como mudar, são pessoas estruturadas. Até porque, o nível do rio chegar a 13 metros como agora é esporádico. Mas, para um projeto adequado, de casas volantes mais seguras, precisaríamos de auxílio federal - diz Silva.
A insistência da população ribeirinha em construir residências em áreas inadequadas também é um problema enfrentado em Uruguaiana. O prefeito da cidade, Luiz Augusto Schneider (PSDB), acredita que somente um projeto de reurbanização, com recursos federais e a construção de casas em locais seguros, poderia solucionar a situação dos desabrigados e desalojados.
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- O que nos preocupa é a passividade das populações ribeirinhas, que desacreditam nas previsões da Defesa Civil e esperam a água chegar nas suas casas para sair. Se progressivamente viéssemos retirando os moradores, provavelmente não teriam perdido nada - aponta.
Quando baixa a água, lá se vão os ribeirinhos de volta às construções à beira do Uruguai - área não permitida, conforme o plano diretor de Uruguaiana. Mas, sem uma solução imediata, o prefeito garante que todos terão direito a retornar às suas residências quando a cheia passar.
Na cidade, o Rio Uruguai está 11,58 metros acima do nível normal e segue subindo. Porém, a expectativa é que ele chegue aos 12 metros e estacione. Em Itaqui, o leito está estável desde a noite passada em 13,20 metros a mais que o habitual. Já em São Borja, entre sexta-feira e sábado, as águas baixaram cerca de 2 metros. A maior enchente já registrada na Fronteira Oeste aconteceu em 1983, e a de 2014 é a mais intensa desde então.
- O fato é que não é todo o ano. A contenção é complicada porque a nossa região é de planície, então quando o rio sobe ele alaga grandes áreas. Tínhamos que fazer diques, mas é um projeto muito caro e teria de se analisar a viabilidade técnica - conclui Schneider.
Aumenta o número de atingidos
A Defesa Civil do Rio Grande do Sul informou, neste sábado, dia 5, que subiu para 19.606 o número de pessoas atingidas por enchentes e enxurradas no Estado. O relatório aponta também que 1.725 continuam desabrigadas - aquelas que necessitam de um abrigo fornecido pelo governo -, e 17.881 estão desalojadas - em casas de parentes e amigos.
O total de municípios em situação de emergência continua 78. Duas cidades, Iraí, no Norte, e Barra do Guarita, no Noroeste, estão em estado de calamidade pública. Segundo a Defesa Civil, o motivo da redução do número de pessoas fora de casa é o retorno de algumas famílias para suas residências após dias de limpeza, principalmente na região Norte.
Chuva causou duas mortes e mulher segue desaparecida
A chuva que atinge o Estado já provocou duas mortes, de Eracildo Luiz Assmann, 56 anos, em Arroio do Tigre, e José Lindomar da Silva, 40 anos, em Jacutinga. A namorada de Eracildo, Paula Thom, 23 anos, segue desaparecida. O carro em que o casa estava caiu no rio Caixão, em Arroio do Tigre, na noite do último sábado.
Veja fotos da enchente na Fronteira Oeste: