
Responsável pelo processo criminal da Kiss, o juiz Ulysses Fonseca Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, mantém a mesma serenidade de quando recebeu as milhares de páginas com os resultados da investigação sobre o incêndio - em abril do ano passado. Apesar da gravidade do caso e do número de mortes, a tramitação corre com os outros 2,9 mil processos que o magistrado tem para julgar. Ele defende que cada pessoa vê o seu caso como o mais importante e, por isso, não pode priorizar o da Kiss. Como tudo entra em uma fila de audiências e julgamentos, Louzada não arrisca uma data para que a decisão seja tomada, como disse em entrevista a ZH durante uma das audiências do caso, realizada na Capital.
O juiz
Ulysses Fonseca Louzada ingressou na carreira do Judiciário em 1990. Começou em Pelotas e, em cinco anos, passou pelas comarcas de Rio Grande, Santo Augusto, Campo Novo, Coronel Bicaco, Santa Vitória do Palmar e Canguçu, até chegar a Santa Maria, em 1995. Natural de Rio Grande, onde fez faculdade e atuou como professor e advogado, dá aulas no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Haverá reconstituição do que ocorreu dentro da boate na madrugada de 27 de janeiro de 2013?
Essa é uma decisão que tem de ser tomada depois da oitiva dos peritos. Temos um caminho, um ritual, que temos de seguir.
Há alguma ligação entre a limpeza, prevista para começar terça-feira, e a reconstituição?
A limpeza foi determinada porque no ano passado chegou a informação de que haveria em torno de 200 substâncias tóxicas lá. Os órgãos responsáveis farão a limpeza não no sentido de fazer a reconstituição, mas para manter o ambiente sadio. Existe o requerimento de reconstituição, mas a maior parte da defesa parece que nem quer. Há possibilidade de se fazer? Tecnicamente, sim. Está na lei. Agora, se vamos fazer ou não, vou verificar depois. A limpeza não está atrelada a isso.
Há quem acredite que não exista mais a necessidade de submeter psicologicamente os sobreviventes `a reconstituição, porque não haveria dúvidas sobre o que aconteceu dentro da boate.
Essa indagação eu não tenho no momento. Vou fazer ela para mim posteriormente. O que estou preocupado, realmente, é com a limpeza. Inclusive, essa é uma decisão de dezembro do ano passado.
Como o senhor avalia o andamento do processo?
Está correndo normalmente, de uma forma célere, sem atropelar. Todos correm normalmente. Quero o melhor para Santa Maria em todos os sentidos. Os fatos aconteceram. Se existe culpado ou não, vamos ver depois.
Se o senhor decidir pela pronúncia (júri popular), as defesas devem recorrer. Se decidir por desclassificar do dolo eventual, a tendência é de o Ministério Público recorrer. Há uma impressão de que todo seu trabalho pode ter sido em vão porque haverá recurso em várias instâncias?
Mas depois volta para mim. Essa é uma fase muito trabalhosa que tem de se passar, em que vou colher todas as provas e emitir um juízo de valor, que pode haver recurso ou não. Se houver, faz parte de qualquer processo.
Um dos advogados tentou anular os trabalhos fora da comarca de Santa Maria. O pedido foi negado. Por que o senhor faz questão de estar presente em todas audiências?
O juiz que instrui é o que julga, ou seja, é o que conhece a prova, que ouviu as testemunhas, os peritos, é ele que tem de julgar. Esse é o princípio da identidade física do juiz. Com base nele é que quero participar de todos autos para chegar no final e dizer que acredito que a coisa mais certa seja esta. Acredito que quanto mais participar deste processo, melhor para a minha decisão.
Havia expectativa da fase de instrução terminar em setembro. Algo atrasou?
Não existe prazo, estou dando efetividade ao processo e não ferindo o princípio do contraditório. Não posso me apressar para uma resposta, nem retardar demais. Preciso entregar uma resposta consciente.
Com possíveis recursos, a decisão poderia sair em 2019. O senhor é mais otimista neste sentido?
Sou realista, não posso dizer data, esse é um poder de futurologia que não me compete. Não posso sofrer a pressão, tenho que sofrer a pressão da minha consciência e das minhas condições físicas.
O senhor já afirmou que não teve nenhum conhecido vítima da tragédia. Neste um ano e 10 meses, se manteve distante de homenagens?
Não participei de nada, continuo com a minha vida normal. Tenho bastante serviço em razão da Kiss e da 1ª Vara Criminal, que recebe mais processos. O da Kiss é realmente bastante complexo, envolve muitas pessoas, mas é um processo. Tenho mais 2,9 mil outros.