Todos os dias, o operário Marcio Edson Rodrigues, 40 anos, de Alvorada, vai visitar a neta no hospital da cidade. A bebê, na visão do avô, é a cara da mãe: forte, moreninha e de cabelo bem preto. A menina nasceu na noite da última quarta-feira, minutos depois de a mãe, Mariana Freitas Rodrigues, 17 anos, ser morta com um tiro na cabeça na frente de casa, no bairro Jardim Alvorada.
Cinco dias depois do crime, Rodrigues voltou à obra onde trabalha. O local fica duas casas ao lado de onde a filha foi assassinada aos nove meses de gravidez. A bebê foi salva por uma cesárea de emergência e se recupera bem, mas ainda não tem previsão de alta. O avô faz planos de criar e proteger a neta, enquanto tenta entender por que alguém machucaria a filha, à qual se refere mais de uma vez como "uma criança".
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O principal suspeito do crime, ex-namorado de Mariana e pai da criança, foi preso temporariamente na sexta-feira. O titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), delegado Edimar Machado, segue ouvindo testemunhas para tentar converter a prisão do jovem de 18 anos em preventiva. Rodrigues acompanhou todo o pré-natal da filha, mas diz que desconhecia desentendimentos dela com o pai do bebê. Nem imaginava que a filha estivesse correndo qualquer tipo de risco.
– Ela estava louca para ver o neném. Infelizmente, não conseguiu.
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Leia entrevista a seguir:
Como o senhor descreve Mariana?
Era uma criança normal, uma adolescente normal. Alegre, faceira, nunca tinha intriga com ninguém, nunca brigou com ninguém, sempre contente. Se tivesse de tirar (a roupa) do corpo para dar para a senhora, ela tirava.
Como era a sua relação com ela?
A melhor possível. Eu era o herói dela e ela, minha princesa. No pré-natal dela, quem correu fui eu. Eu levava em todas as consultas. Inclusive no dia do acontecido, ainda tinha levado ela numa consulta. Nunca desamparei ela. Ela morava com a avó e eu vinha todos os dias, duas vezes. Se eu estivesse trabalhando lá em Porto Alegre, na Zona Sul, largava tudo e vinha para socorrer ela.
Como senhor recebeu a notícia da gravidez?
A mãe (avó da menina) que me contou, ela estava com medo de me contar, achou que eu ia brigar com ela. Apoiei e disse: 'Filha, onde te criei, vou criar a netinha junto também. Nunca vai te faltar nada´. Depois ela veio me dizer que o pai não queria assumir e eu disse: 'Não precisa nem te preocupar em pedir pensão. Não é a pensão dele que vai dar o sustento para o neném.'
A Mariana manifestava alguma preocupação em relação ao pai da criança?
Isso aí ela nunca comentou comigo.
Ela tinha medo de que ele não fosse pagar pensão?
Que eu saiba, não. Ela não se abria muito nesses assuntos comigo. Ela estava segura porque eu ia apoiar ela. Tanto que queria que ela viesse morar comigo, mas ela não queria largar a avó dela.
Que lembranças o senhor tem da gravidez da Mariana?
Foi maravilhosa, cada foto que tirava, mostrava. A ecografia, mandava pelo Whats. Cada sapatinho que íamos comprar, ela postava no Facebook. Era muito tranquilo. Nunca teve problema, perigo de perda do bebê, nada disso. E sempre acompanhei ela em tudo.
Como foi a relação dela com o pai do bebê?
Não sei, ela nunca conversou comigo sobre isso. Ela conversava com a tia dela, com as amigas, mas comigo nunca falava. Porque, se eu visse alguma coisa errada, repreendia. Então, não me contava.
Uma coisa errada como?
Se tivesse algum atrito, ela não ia me dizer. Porque ela sabia que eu ia tirar as dores por ela. Só focava nela e no bebê, no bem-estar deles. Não esquentava a cabeça, na verdade eram dois piás né. Nunca fui em cima. A mãe dela que queria conversar, conversava com a mãe do rapaz. Eu iria me envolver depois que nascesse. Sempre disse pra ela: "Espera o bebê nascer que a gente vai conversar com o rapaz".
O senhor nunca imaginou que ela pudesse estar correndo algum tipo de risco?
Nunca imaginei. Talvez ela não quis falar por medo, ela nunca me falou nada de atrito.
O senhor chegou a conhecer ele?
Não, não conheci. Uma vez por foto só, que ela me mostrou.
E o senhor sabe alguma coisa da vida dele, o que ele faz?
Não, desse rapaz não sei nada.
O senhor vai criar sua neta?
Claro, com certeza. Eu e a mãe dela que estamos responsáveis por ela. E vamos criar como Deus mandar. Eu e ela, mesmo separados. Ela terá convívio conosco, com a bisavó.
E como o senhor imagina que vai ser criar o bebê sem a Mariana?
Só Deus quem sabe. Quando ela virar moça, terá de saber o que aconteceu, mas vou dar todo o amor que precisar, mais ainda agora. A alegria (Mariana) dela era o bebê.
E como o senhor vai descrever Mariana para sua neta?
Como uma heroína que deu a vida pra ela. Vou dizer pra ela que ela está viva graças à mãe. Porque, se ela tivesse caído de frente (na hora que levou o tiro), nem o bebê escaparia. Isso me conforta.
O senhor já foi ver o bebê no hospital?
Claro, desde o primeiro dia. Estou a par de tudo. É a coisa mais bonitinha. Ela está bem, reagindo bem, cada vez mais gordinha. Até queria parabenizar todo o hospital, porque, se não fosse eles, minha netinha não estaria aqui. Aí seriam duas perdas. Sei que pela minha filha eles não podiam fazer mais nada, mas pelo bebê fizeram tudo o que puderam. Ela está perfeita.
Quando chegou no hospital o senhor não sabia o que tinha acontecido com a Mariana?
Não, soube na hora. Tinha ido levar ela e a minha mãe no Conceição. Voltei eram umas oito e pouco (da noite), deixei elas em casa. Quando cheguei, minha irmã ligou dizendo que ela tinha ido às pressas para o hospital. Mas não sabia de nada. Achei que era algo de gestante, ela estava para ganhar a qualquer momento. Achei que seria o parto e ela sempre dizia: "Pai, é o senhor quem vai assistir ao meu parto". Foi tudo muito rápido. Foi horrível, um choque tremendo.
Quais as últimas lembranças que o senhor tem da sua filha?
É ela me visitando aqui no meu serviço, nós passeando no shopping com a avó dela. Tomamos café, ela tomou o cappuccino que adorava. Ela faceira, tirando um monte de foto que ia me passar de noite. Ela ainda gozava da minha cara que ia ter de ir um dia sim, um dia não para o hospital fazer exame de sangue, que ia me ocupar mais ainda que já ocupava.
Ela estava nervosa, ansiosa com o parto?
Ela estava ansiosa pela chegada, estava louca pra ver o neném. Infelizmente, não conseguiu.
O que ela ia fazer depois que o bebê nascesse?
Ia morar um pouco comigo até ela se restabelecer, mas depois acredito que ela voltaria a morar com a mãe (dele).
Quais eram os planos dela para o futuro?
Ela queria criar o bebezinho em paz. Queria trabalhar, abrir uma petshop. Eu ia pagar o curso para ela. Era o sonho dela, gostava muito de animais.
O senhor sabe por que a Mariana não frequentava a escola desde junho do ano passado?
Não sei. Ela falava que depois que o bebê nascesse ia fazer um supletivo e seria isso.
O senhor tem algum sentimento a respeito da pessoa que fez isso com a Mariana, seja ela quem for?
Acredito que essa pessoa tem de pedir perdão a si mesmo e para Deus. Isso é um crime bárbaro nem para marginal se faz isso, tirar a vida de uma criança, grávida ainda, dois anjos. Ninguém pode perdoar.
Da onde o senhor pretende tirar força para criar sua neta?
A força que tenho é pensar que acredito que minha filha ia ficar muito feliz de me ver bem. Se desanimasse, ela não ia ficar contente. Ela nunca gostou de me ver triste, chorando. Isso me fortalece, vou fazer ela feliz.
Qual será a primeira coisa que o senhor vai fazer quando sua neta sair do hospital?
Vou encher ela de beijo, porque agora não pode. Vou dar todo o carinho possível. A falta da mãe, ela vai sentir, mas vamos tentar confortar ela o máximo possível. Nem uma mosca vai pousar nela, vai ser cuidada 24 horas por dia. A dor nunca vai sumir. Ela é a cara dela, a Mariana tirou a cabeça dela e botou nela (na bebê). O xerox. Será a segunda Mariana, moreninha, cabelo bem preto.