Em depoimento prestado por videoconferência ao juiz Sergio Moro na manhã desta quinta-feira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) explicou como funciona seu instituto – hoje uma fundação –, o recebimento de doações para manter os serviços de seu acervo presidencial e se tinha conhecimento sobre esquemas de corrupção na Petrobras durante seus mandatos. O tucano depôs como testemunha de defesa do presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, réu por crime de lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato.
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Na ação, os investigadores acusam Okamotto de ter negociado com a empreiteira OAS o pagamento pela armazenagem de bens e objetos do acervo do período em que Lula foi presidente da República.
Essa verba estaria incluída nos R$ 3,7 milhões, oriundos de propina, da empreiteira OAS e que, conforme a força-tarefa, também foram pagos em reformas em um dos apartamentos no condomínio Solaris, no Guarujá, São Paulo, que seria de Lula, um dos réus no mesmo processo.
A fala do tucano é considerada importante pela defesa de Okamotto, porque mostra que outros presidentes da República também receberam presentes e precisam custear o armazenamento deles.
Em seu depoimento, FHC explicou que as peças que compõem um acervo presidencial são de interesse público e que, durante o mandato, são separadas, organizadas, catalogadas e armazenadas por um setor especifico do Planalto, mas que após o fim das obrigações como presidente, é difícil manter esses serviços:
– No Palácio do Planalto, existe um departamento histórico, e todo esse material passa por lá. É lá que é feita a separação. O acervo é patrimônio público e pessoal, só que não tem apoio financeiro nenhum. O presidente não tem aposentadoria. Tem quatro assessores e quatro seguranças. E você (presidente) tem que cuidar desse acervo – disse o tucano, que também afirmou que a Lei Rouanet é uma das saídas para manter o acervo, pois seu conteúdo é de patrimônio público, mas não é única maneira utilizada para conseguir recursos para sua fundação.
Um dos integrantes da defesa de Okamotto perguntou sobre os valores dos objetos que compõem o acervo presidencial. FHC explica que vão além do material, pois são peças que fazem parte da história:
– Eu não creio que seja um tesouro propriamente dito. Pode ser que um ou outro tenha em si algum valor, mas não creio que seja essa a característica central. Naturalmente, ele é simbolicamente importante. O valor é muito mais histórico.
Em certo momento, o ex-presidente foi questionado por um dos advogados de Lula sobre o esquema de cartel envolvendo a Petrobras e se ele tinha conhecimento dessas irregularidades durante sua gestão. FHC negou e disse que nunca chegaram até ele denúncias especificas sobre esquemas fraudulentos envolvendo a estatal:
– Isso nunca chegou até mim. As únicas coisas que chegaram foram comunicados do presidente da Petrobras. Nunca houve alguma afirmação efetiva sobre "carterização". Pode ter havido, o presidente da República não sabe de tudo que acontece. É inviável imaginar que o presidente saiba o que está acontecendo aqui e ali. Você tem responsabilidade direta (sobre o caso) quando chega no seu gabinete e aí você tem que tomar providências.
Perto do fim do depoimento, Moro pede desculpas antes de questionar se o instituto de FHC recebeu alguma doação sem registrou ou por fora. O presidente é enfático ao dizer que isso é "impossível":
– Isso é absolutamente impossível. Está tudo registrado, tem publicação. Tem um conselho para o qual prestamos contas. Por fora, zero – afirmou.
Instituto FHC
Apesar de não ser investigado, o nome do ex-presidente tucano apareceu em um laudo da PF durante as investigações sobre a Odebrecht na Lava-Jato. Na ocasião, a PF identificou que a empreiteira pagou R$ 975 mil ao Instituto Fernando Henrique Cardoso, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2012. Foram 11 pagamentos mensais de R$ 75 mil e um de R$ 150 mil. O relatório também citou o ex-presidente Lula.
O relatório de 26 de outubro de 2015, subscrito pelos peritos criminais federal Fábio Augusto da Silva Salvador, Audrey Jones de Souza, Raphael Borges Mendes e Jefferson Ribeiro Bastos Braga analisou contas da Construtora Norberto Odebrecht que "possibilitaram identificar registros contábeis indicativos de pagamentos feitos a ex-agentes políticos ou instituições e empresas a ele vinculados".
O documento contém uma planilha que mostra os pagamentos mês a mês para o iFHC. O primeiro pagamento ocorreu em 13 de dezembro de 2011. As transferências de R$ 75 mil se sucederam até agosto de 2012. Os registros da Odebrecht indicam que não houve pagamento em setembro daquele ano. Em outubro, a empreiteira depositou R$ 150 mil.
A PF também analisou no laudo e-mails trocados entre a secretaria da presidência do iFHC, um representante de uma entidade identificada como "APLA" e um executivo da área cultural. Eles conversavam sobre uma possível palestra do ex-presidente. Os peritos incluíram a íntegra das mensagens no documento.A PF destaca e-mails relacionados a um "suposto pagamento de valores por parte da Braskem" – petroquímica ligada à Odebrecht. Na referida mensagem, destaca-se o trecho em que a secretária da Presidência aponta as maneiras da Braskem fazer a doação.
"Dessa forma, é possível que outros pagamentos tenham sido feitos e não tenham sido encontrados em função da limitação do presente Laudo, ou ainda, que os referidos pagamentos tenham sido feitos por meio de triangulação entre Grupo Odebrecht, o contratante do serviço (exemplo do evento APLA) e o Instituto Fernando Henrique Cardoso", afirma o laudo.
A sequência de mensagens indica que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não pode comparecer ao evento. Quando o relatório da PF veio à tona, o ex-presidente divulgou uma nota em seu perfil oficial no Facebook afirmando que é "absurdo supor que a doação feita à Fundação iFHC pudesse ter qualquer relação com o propósito de obter vantagens governamentais".
"Basta o mais elementar bom senso para perceber o absurdo de supor que a doação feita à Fundação iFHC pudesse ter qualquer relação com o propósito de obter vantagens governamentais. Causa estranheza, portanto, que ela conste do relatório da PF que trata da corrupção na Petrobras", afirmou o instituto.
*Zero Hora com informações do Estadão Conteúdo