
Na Assembleia do Rio Grande do Sul, onde marcou época como destacado articulador político e tribuno, o histórico trabalhista Carlos Araújo é velado na tarde deste sábado (12). Ele faleceu nesta madrugada, aos 79 anos, vítima de complicações pulmonares, no Pavilhão Pereira Filho, no Complexo Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre.
A despedida, no Salão Júlio de Castilhos, antessala do plenário, contou com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff desde o início da cerimônia, pouco depois das 15h. Ela estava em um evento político no Rio de Janeiro, mas viajou a Porto Alegre ainda na manhã deste sábado. Dilma e Araújo se conheceram à época da guerrilha contra a ditadura militar, foram casados e tiveram uma filha, Paula. Mesmo depois de separados, mantiveram forte amizade e relação de aconselhamento. De óculos escuros e casaco de lã verde, Dilma esteve à frente da linha de familiares para receber os cumprimentos das centenas de pessoas que lotavam o local. Até as 17h15min deste sábado, a ex-presidente não havia feito nenhuma manifestação.
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Bandeiras do Brasil e do PDT, partido que ajudou a fundar, foram expostas sobre o corpo do líder trabalhista. Lideranças políticas exaltaram a trajetória de Araújo, que passou de militante comunista, ainda nos anos 50, a guerrilheiro, advogado trabalhista, fundador do PDT e parlamentar. Na trajetória, foi colaborador próximo de figuras como Leonel Brizola e Francisco Julião. Por três mandatos, foi deputado estadual no Rio Grande do Sul, entre 1982 e 1994.
– Ele tem o nível do próprio Brizola no campo da coragem, da coerência e das ideias. Sem nenhuma maldade, é bom lembrar que a Dilma saiu do PDT e foi para o PT. Ele jamais foi para outro partido. E, quando voltou ao PDT, foi pela minha mão – afirmou o ex-governador Alceu Collares.
O episódio narrado por Collares foi o mais notório racha na história do PDT gaúcho, o que gerou consequências para o futuro da política nacional. Em 2000, Olívio Dutra era governador do Estado e Brizola determinou que o PDT deixasse a base aliada e entregasse os cargos. Dilma, Milton Zuanazzi e Sereno Chaise, ligados a Araújo, saíram do PDT e se filiaram ao PT. Isso levaria Dilma a ser presidente da República anos mais tarde. Araújo também se apartou da sigla, mas nunca ingressou em outra.
– Carlos Araújo sempre foi referência para nós. Lutou contra a ditadura muito corajosamente, foi preso e torturado. Na redemocratização, optou pelo trabalhismo. Os jovens, e eu me incluo nisso, tinham ele como referência. É um legado de coerência, sempre lutando pelas teses socialistas de uma sociedade mais justa e igualitária. Pena que não conseguiu realizar o grande sonho de ser prefeito de Porto Alegre. As candidaturas dele coincidiram com a ascensão do PT – avaliou o ex-deputado federal Vieira da Cunha (PDT).
Araújo concorreu ao Paço Municipal em 1988 e em 1992, mas os dois pleitos foram vencidos por petistas: Olívio Dutra e Tarso Genro.
– Talvez por esses embates nas eleições municipais, ele não tenha migrado para o PT. Era um autêntico trabalhista – completou Vieira, que teve divergências com Araújo em 2013, ocasião do retorno dele ao PDT.
Em 2013, Araújo voltou ao partido, depois de mais de uma década de afastamento. Seu objetivo era ajudar os irmãos Brizola, netos do símbolo maior da sigla, a enfrentar a direção nacional comandada por Carlos Lupi. Eram dias de um novo racha trabalhista, atualmente já contornado.
– Nos conhecemos pessoalmente em 2010. A partir do primeiro encontro, se formou uma amizade extraordinária. Ele entendeu nossa luta interna, foi um sonhador conosco naquele momento. Fomos derrotados, e ele disse que seríamos derrotados, mas o importante, naqueles dias, era dizer o que pensávamos. Nesse momento em que estamos tão órfãos, ele era uma luz – diz a deputada estadual Juliana Brizola.
Antigos colegas da época de oposição à ditadura também prestaram homenagens.
– Fui companheiro dele de organização secreta na VAR-Palmares. Ele sempre foi brilhante, preparado e carismático. Tinha muita liderança – recordou o músico Raul Ellwanger.
A VAR-Palmares foi a fusão de um grupo liderado por Araújo com uma organização nacional de extrema-esquerda, a VPR de Carlos Lamarca. Uma das principais ações foi o roubo do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. Mas a aliança com Lamarca durou pouco. O grupo de Araújo era criticado pelos demais por ter interesse em causas de massa, panfletagens e formação política. Os seguidores de Lamarca eram adeptos sobretudo do militarismo e dos focos de guerrilha.
– Começamos com ações pelos direitos trabalhistas, organização sindical, cumprimento da CLT. Isso precedeu a resistência, seguiu até 68 ou 69. Chamávamos de Grupo do Carlos – recorda Ellwanger.
Políticos de campos ideológicos opostos também se despediram, casos de Germano Bonow e Celso Bernardi, líderes das bancadas do PFL e PDS, respectivamente, na Constituinte gaúcha de 1989. Naquele período, Araújo comandava a ala do PDT. Ficou conhecido pelas boas relações mantidas no parlamento.
– Me considero privilegiado por ter a amizade dele. Foi um dos últimos líderes que conseguiu reunir pessoas tão diferentes na política ao redor de uma mesa. Carlos Araújo tinha posições bem definidas, mas sabia conviver com os diferentes – comentou Bernardi, que até 2016 frequentou a casa de Araújo, em Porto Alegre, em jantares eventuais entre os antigos colegas de Assembleia.
– Ele era uma pessoa que realmente tinha história para contar – emendou Bernardi.
Ligados ao velho MDB, atual PMDB, Pedro Simon e Ibsen Pinheiro chegaram juntos para o velório.
– Esse é um homem digno e sério. Quando eu era governador, foi o Araújo e o Mendes Ribeiro (Filho, também falecido) que fizeram a nossa Constituição estadual – registou Simon.
O velório deverá prosseguir até às 21h na Assembleia. Depois, haverá uma cerimônia reservada de cremação.