Em novembro, Vagner Alves, economista da gestora de recursos Franklin Templeton, visitou a redação de Zero Hora. Ao analisar o cenário para a inflação, alertou para duas possibilidades, uma positiva e outra negativa, que poderiam impactar o IPCA até o fim de 2016: a volta da bandeira verde nas contas de luz em dezembro e a elevação no preço da gasolina pela Petrobras.
Menos de duas semanas depois, ambas se confirmaram. Como anda difícil acertar a mão nas projeções para o Brasil, a coluna resolveu fazer mais perguntas ao economista que cravou dois palpites para saber suas projeções para a economia neste final de ano e para 2017. Ah, e torce para que ele acerte mais uma vez.
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Quantas variáveis é preciso acompanhar para entender o pulso da economia brasileira?
Para a inflação, este ano está meio dado. Não há muito o que acrescentar. Com a bandeira verde em dezembro, havia a chance de o IPCA ficar dentro do teto da meta (6,5%). Mas, com o reajuste colocado em prática pela Petrobras na gasolina e no diesel, essa possibilidade se esgotou. Agora, é improvável que isso ocorra. O IPCA deve fechar o ano em torno de 6,65%. O que importará daqui para frente, principalmente nos três primeiros meses de 2017, é o comportamento da inflação de serviços. Acredito que haverá desaceleração nos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica.
O desenvolvimento no primeiro trimestre será importante para determinar especialmente o tamanho do ciclo de corte no juro pelo Banco Central. Na inflação, é basicamente isso. Na atividade econômica, será importante verificar sinais de recuperação no primeiro trimestre de 2017. Acredito que a recessão terminará nos primeiros três meses do próximo ano. Teremos de acompanhar indicadores coincidentes para ver se isso se confirma. No ajuste fiscal, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos na próxima semana será importante. A reforma da Previdência ficará mais para março e abril.
A expectativa de melhora no primeiro trimestre de 2017 é baseada em quais fatores?
Há vários modelos usados para estimar isso. Houve melhora das condições financeiras neste semestre. Isso tem defasagem de impacto na economia. O primeiro efeito positivo que vemos é no primeiro trimestre de 2017. O que me leva a essa análise são as condições financeiras mais favoráveis. Mas é claro que há muita incerteza quanto à recuperação.
Por que a relativa melhora de indicadores, como o da produção industrial, não se sustentou?
A primeira retomada de confiança foi totalmente baseada na expectativa de melhora nos meses seguintes, com a mudança de equipe e política econômicas. Mas a situação atual continua parada. A melhora foi bem marginal. As dívidas das famílias seguem alavancadas. Indicadores mostram que a demanda e o fluxo de crédito estão próximos das mínimas históricas. Não há recuperação por consumo das famílias. Houve ansiedade, e a recuperação se mostrou mais lenta do que o esperado.
O ano de 2017 será de transição. Depois de dois anos de forte recessão, será normal que a retomada seja lenta e com oscilações. Nova decepção no primeiro trimestre do próximo ano poderá modificar a perspectiva de crescimento. Aumentaria a chance de haver o terceiro ano de recessão.
Qual o impacto na economia dos "cisnes negros" – riscos que não estavam no radar, como Brexit e Trump – em 2016?
O principal impacto é o aumento da incerteza, não só no Brasil como lá fora, em razão do Brexit, da eleição de Donald Trump e de possíveis surpresas na Europa. Haverá eleições em 2017 em Alemanha, França e Holanda. Surpresas com a eleição de partidos anti-União Europeia seriam negativas para o mercado. Aumentaria a aversão ao risco no mundo. O segundo risco externo é a mudança radical da política econômica americana, com maior elevação do juro, em razão de política fiscal mais agressiva de Trump. O nível de incerteza é mais alto.
No Brasil, continuará alto com a questão política, a delação da Odebrecht, já que não sabemos se afetará o governo. Todas as incertezas prejudicam as decisões de investimento. Por conta disso, e da grande capacidade ociosa das indústrias, não acredito que 2017 será um ano de retomada de investimento. Não há motivos claros para planos agressivos. Até que o cenário fique mais nítido, as empresas tendem a postergar qualquer aporte. Também há o efeito da decisão dos consumidores. Decisões de tomada de empréstimos são impactadas por incertezas.
Devemos nos preparar para novos "cisnes negros" em 2017?
Qualquer eleição de partidos anti-União Europeia está longe de ser o cenário mais provável. É um risco que vai persistir durante o ano, mas não está nem próximo da situação apertada das votações nos Estados Unidos e no Reino Unido. A incerteza na política brasileira pode ser bem mais prejudicial.
A recessão está muito ligada à crise política, mas bolsa e dólar estão dando sinais de se descolar da crise institucional?
Houve outro fator importante na semana: a ata do Copom, que sinalizou aumento do ritmo de cortes na taxa de juro. Isso é positivo para bolsa e câmbio. O afastamento de Renan teria impacto na possível postergação da PEC do Teto dos Gastos para fevereiro. Na prática, a aprovação da medida agora ou depois não muda nada no ajuste fiscal. Os parâmetros das projeções de déficit primário em 2017 já contemplam cenário de redução de despesas. Isso não muda. O mandato do Renan acaba na próxima semana. O Congresso entrará em recesso, e, em fevereiro, haverá eleições no Senado. O efeito da ata do Copom pesou mais no mercado.
Com a "repiora" dos indicadores, empresários cobram medidas microeconômicas. O que é possível fazer sem comprometer o ajuste?
Qualquer medida microeconômica que o governo pudesse adotar não envolveria aumento substancial de gastos ou subsídios. Essa política foi adotada no passado e se mostrou completamente ineficiente. Repetir o remédio não será positivo para a economia e o ajuste fiscal. As medidas microeconômicas que poderiam ocorrer seriam mais da questão de regulação e simplificação tributária. Acho que a equipe econômica sabe que algum incentivo fiscal não funcionará. A tendência é de que as reformas sejam pontuais e sem custo para os cofres do governo. A pressão sempre existe e se intensifica em tempos de crise. O governo tem de trabalhar com as expectativas.
Uma corrente econômica considera "austericídio" fazer ajuste fiscal em plena recessão. Há outra alternativa?
Acho que não. O buraco fiscal em que o Brasil está é tão grave que, se o ajuste fiscal não for feito com a PEC do Teto e a reforma da Previdência, a sustentabilidade da dívida será questionada. O resultado disso já é conhecido: mais inflação e recessão maior. Não cuidar do problema fiscal hoje só vai aumentar nossos problemas. Não vejo outra saída. O problema fiscal é muito sério. Sem confiança na sustentabilidade da dívida no médio prazo, o país não consegue se sustentar. No ano passado, vimos isso. Houve alta do dólar e elevação do juro. É um ajuste fiscal estrutural. Não eleva impostos. É um ajuste fiscal que resolve problemas por certo período no país. Isso é muito importante.