Se as novas regras de conteúdo nacional para equipamentos destinados ao setor de óleo e gás – leia-se a Petrobras, ao menos por enquanto – favorecem a compra no Exterior, nesta quinta-feira houve um abalo considerável na defesa de uma política de maior estímulo ao fornecimento local.
A operação da Polícia Federal (PF) chamada de Asfixia teve como alvo dois ex-gerentes da estatal que atuavam nessa área vai sacudir a convicção de quem assegurava que o efeito do cartel das empreiteiras não havia atingido as encomendas de plataformas e outros complementos para exploração e produção de petróleo e gás.
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Conforme a PF, os ex-gerentes que foram presos direcionavam licitações, em troca de propina, para dar vantagens a empreiteiras em contratos com a Petrobras. Isso ocorreu ao menos em uma dezena de vezes, em concorrências que envolveram em torno de R$ 5 bilhões no total. Com a cobrança de 1% sobre o valor dos contratos, fica fácil explicar os valores sobre os quais há suspeita de corrupção.
Em um dos casos, a investigação quer verificar se R$ 48 milhões recebidos a título de propina teriam sido legalizados por meio da Lei de Repatriação, que no ano passado permitiu regularizar recursos mantidos no Exterior. Detalhe: na letra fria da norma, os valores que poderiam se beneficiar da tributação reduzida precisavam comprovar origem lícita. Na declaração, essa quantia seria proveniente da venda de um imóvel nas Bahamas. Não é impossível, mas pouco provável.
A partir do rastreamento desse dinheiro, a força-tarefa da Operação Lava-Jato agora fala em "abrir a caixa-preta da repatriação". Para lembrar, a possibilidade de regularizar valores mantidos no Exterior – a rigor, uma espécie de sonegação – não ocorreu antes que a Lava-Jato espalhasse seus respingos por toda a economia.
Teve uma primeira etapa concluída no final do ano passado, essa que teria sido aproveitada por um dos suspeitos para lavar o fruto da corrupção. Ainda pior, há outra etapa em curso neste momento – aquela para a qual os políticos queriam retirar a vedação para que seus parentes se beneficiassem das multas mais camaradas para legalização. Não conseguiram, mas a "inscrição" está aberta até 31 de julho.
O suposto envolvimento do terceiro escalão da Petrobras na festa da propina proporcionada pelas regras de conteúdo nacional impressiona pela escala. E espanta ainda mais pela desfaçatez, tanto por ter prosseguido durante um tempo em que, em tese, havia sinais de que a impunidade havia sido ao menos ferida, quanto por ter usado um instrumento legal para cometer novos crimes.
Apesar de ter contribuído para a farra regada à corrupção, a política de conteúdo nacional não merece ser condenada com pena capital. Como têm argumentado os críticos dessa alternativa, será o dinheiro dos contribuintes brasileiros gerando empregos na China. Mas precisa, sim, receber a restrição de um regime vigiado, sem o qual não voltará a dar confiança a quem quer recorrer a seus benefícios legais. Legais.