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O Hostel Porto Tchê, na Cidade Baixa, foi o segundo avaliado por Zero Hora na série de reportagens sobre os hostels de Porto Alegre. Veja o resultado:
Dia 2 - Hostel Porto Tchê
Check in - 17h
Check out - 11h
Não simpatizei de imediato com o Porto Tchê, na Cidade Baixa. Minha primeira impressão foi de que o local era pequeno e silencioso demais para um hostel, além de carregado na temática gauchesca.
As referências gaudérias estavam por toda parte, desde a bem-humorada decoração até os produtos vendidos no local. Fiquei em dúvida sobre como um turista gringo assimilava aquilo tudo e achei que poderia ser atendida por alguém de bombachas.
Fui recebida pelo sereno Roque Vargas, proprietário do local. Vestia blazer e calça jeans. Mostrou-me as dependências - um estreito corredor com mesinhas, cozinha, sala de banho, área de convivência, computador e dormitórios - e disse para ficar à vontade. Instalei-me no recanto das prendas.
Dia 1 - Eco Hostel: viajantes deixam sua marca rabiscada nas portas e janelas
Dia 3 - Casa Azul: bom para se divertir, difícil de dormir
Dia 4 - Bom Fim: culturas ricas e café modesto
Dia 5 - Porto do Sol: invasão australiana reforça clima de casa de praia
Dia 6 - Hostel Boutique: só faltou o banho quente
Na parede da sala de estar, deparei com uma lista de "10 mandamentos do chimarrão". Li e fui aprontar o meu na cozinha. Um funcionário que preparava pinhões enquanto eu aquecia água contou-me que éramos apenas três hóspedes naquela noite. Os gringos, segundo ele, chegariam só na manhã seguinte.
Os gigantes olhos verdes de minha colega de quarto me capturaram enquanto passava pelo corredor - "não te acanhes, lava tua louça, tchê" dizia um recado na parede. Ela parecia concentrada em seu notebook quando iniciou nosso diálogo. Lembro a partir daqui:
- ( ) Eu sou assim porque sou canceriana. E você?
Respondi.
- É por isso que estamos conversando agora - continuou a carioca.
Diante da conclusão astrológica, supus que Lúcia Duarte fosse algum tipo de mística. Não estava totalmente errada - "fazia mapa astral uma época", disse -, mas passei longe do alvo.
Natural de Niterói, no Rio de Janeiro, a advogada de 57 anos dedica seu tempo, seus olhos verdes e sua imaginação à poesia erótica. Em três anos e meio, produziu mais de 1,8 mil poemas registrados na Biblioteca Nacional, segundo as suas contas.
De acordo com a minha matemática, Lúcia escreveu, em média, um poema e meio por dia no último triênio. A elegante senhora vestida com um casaco de oncinha à minha frente era um inesgotável gerador de versos libidinosos!
Sua inspiração para as primeiras poesias foi a paixão pelo namorado, um gaúcho de 65 anos. O casal chegou a viver junto em Santa Catarina até ele retornar a Porto Alegre. Lúcia veio atrás, mas optou por morar no hostel durante a semana.
Como acredita que os europeus valorizam mais a poesia erótica, lançará seu quarto livro por uma editora portuguesa em breve. O exemplar virá acompanhado de um CD, com os poemas recitados por um ator daquele país. Porque o acento lusitano é mais sexy, ó pá.
Enquanto conversávamos, o homem que estava na cozinha nos deixou um pote com pinhões. Aproveitei a gentileza para perguntar seu nome. But, mostrou-me no crachá. Depois deu de ombros, com as mãos espalmadas para cima:
- De "mas" (em inglês)... - dizia.
But era na verdade Paulo, 65 anos. Recebeu o apelido das filhas - cinco no total - anos atrás. Toda vez que faziam uma malcriação, ele as repreendia com a mesma frase: "O papai avisou, but..."
- Elas baixavam a cabeça e diziam: but, but, but - lembra.
Paulo trabalha no hostel há cerca de quatro anos. Sob o manto de doçura e bom humor que cativa a todos, o ex-vendedor administra uma dor silenciosa. Perdeu a mãe de sua caçula há nove anos, em decorrência de complicações na segunda gravidez, de gêmeas. Os bebês também não resistiram.
Tamanho foi o impacto da morte de sua mulher que ele precisou de uma dura das filhas, que moram no Exterior, para reagir. Elas levaram consigo a irmã mais nova, à época com dois anos, e mandaram o pai para um acampamento militar.
Com a vida de volta nos eixos, ele foi em busca de atividades que mantivessem mente e corpo ocupados. Por trás das lentes dos óculos de grau, seus olhos marejam ao lembrar da mulher, e brilham ao falar das filhas, por quem esbanja orgulho.
O clima familiar do hostel dissolveu a primeira impressão que tive do local ainda antes de ir para a cama. De manhã, porém, meu corpo denunciou uma noite difícil. O colchão mole tinha acabado com as minhas costas.
Não bastasse meu mau humor matinal, tornei o despertar ruim para Lúcia. Meus infinitos três alarmes a tiraram do sério pela manhã - pelo menos seus resmungos não soaram nada poéticos. Mais tarde, fizemos as pazes: pedi desculpas pelo incidente e ela pela reação azeda.
O banho tinha tudo para ser um grande evento, mas escolhi o mais temperamental dos três chuveiros a gás. Ele esquentou demais subitamente, em vários momentos. Também foi um pouco inconveniente ter de esticar o braço para fora do banho toda vez que a luz automática se apagava.
Os gringos vieram, como But havia prometido. Era de gente de tudo quanto era canto, além da gringa de casa, uma argentina que integra a equipe do hostel. Diverti-me em um papo com os recém-chegados depois do café.
De repente, o Porto Tchê parecia grande como coração de mãe. O silêncio da noite anterior foi substituído pelos sotaques mais diversos, e percebi que a temática gaúcha fazia sentido ali quando exaltava o caráter acolhedor de nossa terrinha. Despedi-me com abraços de todos.
O que diz o Hostel Porto Tchê:
Tivemos outra reclamação sobre o chuveiro, mas já foi consertado. A questão da regulagem é um problema que acontece quando alguém usa a pia da cozinha, e estamos estudando com um técnico a melhor forma de sanar isto.
Em vídeo, veja o que os estrangeiros acharam da mais tradicional bebida gaúcha:
Sobre a série:
Para avaliar o serviço de hospedagem que, aos poucos, deixa de ser novidade na Capital, ZH virou mochileira por duas semanas. Ao longo deste período, a reportagem se hospedou nos seis hostels indicados pela Secretaria Municipal de Turismo a quem vem a Porto Alegre.
Sem aviso prévio, Porto Alegre Eco Hostel, Hostel Porto Tchê, Casa Azul Hostel, Bom Fim Hostel, Hostel Porto do Sol e Porto Alegre Hostel Boutique abrigaram uma jornalista por uma noite, às vésperas da Copa ou durante o Mundial.