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Localizado na Rua General Lima e Silva, na Cidade Baixa, o Casa Azul Hostel foi o terceiro local avaliado por Zero Hora para a série de reportagens sobre os hostels de Porto Alegre. Veja o resultado:
Dia 3 - Casa Azul Hostel
Check in - 15h30min
Check out - meio-dia
Aquecimento
O Brasil é um país tão tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza que até a gélida Portinho adaptou-se ao clima para ver a estreia da Copa do Mundo. Um calor modorrento marcava aquela quinta-feira em que me hospedei no Casa Azul Hostel.
Helicópteros sobrevoavam a região central da cidade, e o barulho das hélices picotando o ar me acompanhou na caminhada pela Cidade Baixa. No fundo eu sabia, uma certeza dessas sem nenhum fundamento, que qualquer saga iniciada em um dia abafado e com uma trilha sonora tão sinistra sugeria infortúnios em série.
Dia 1 - Eco Hostel: viajantes deixam sua marca rabiscada nas portas e janelas
Dia 2 - Porto Tchê: bairrismo acolhedor envolve turistas na cultura gaúcha
Dia 4 - Bom Fim: culturas ricas e café modesto
Dia 5 - Porto do Sol: invasão australiana reforça clima de casa de praia
Dia 6 - Hostel Boutique: só faltou o banho quente
Faltavam menos de duas horas para Brasil x Croácia quando parei à porta do bar que é hostel, que é bar - pode ser hostel ou bar, dependendo da intenção de quem entra. À minha frente, um grupo de argentinos chegava - para o bar. Alguns estavam sem camisa e foram aconselhados a vesti-la.
Era primeira vez que eu estava lá para me hospedar.
- Oi! Eu tenho uma reserva - disse na minha vez.
- Reserva? - a multiplicação dos pontos de interrogação na expressão do recepcionista preocupou-me por um instante.
- Sim, fiz anteontem, por telefone...
Silêncio.
- Ah! Reserva de quarto? Para o bar não reservamos nada hoje - concluiu. O segui.
Gráfico interativo: veja a avaliação dos hostels de Porto Alegre visitados por Zero Hora
Muitas televisões ligadas, mesas lotadas e gente - de verde e amarelo, azul e branco, vermelho e branco, multicolorida - disputando lugar em pé nos corredores do bar. O cenário disparou o gatilho de minha nem tão leve claustrofobia.
O prognóstico parecia bem melhor ao cruzar a porta restrita a hóspedes, na qual como frequentadora do local jamais havia reparado. No quarto onde dormiria, no entanto, percebi que teria de lidar com outro incômodo: espaços apertados.
A única cama vaga dos três beliches ficava em um canto, entre a parede e o armário. Uma escada bloqueava a outra ponta. Sentar, sem curvar meus 1m60cm, era simplesmente impossível. Tentei, em vão, negociar uma troca. Meu nome foi gravado em um papel anexado à cama-gaiola.
Fui explorar a área de convivência antes do jogo. Enquanto esperava por um sinal de vida do wi-fi, que não se manifestou, conheci Kevin.
Natural de Dijon, a cerca de 300 quilômetros de Paris, ele vive na Austrália há dois anos. É pedreiro, carpinteiro e surfista no tempo que sobra.
Mostrou-me fotos de seu último trabalho antes das férias. Uma pequena casa amarela, erguida, pintada e finalizada, por ele e ninguém mais, em apenas um mês.
Com o dinheiro obtido, planejou sua viagem ao Brasil. Fazia a derradeira tentativa de conseguir ingressos para o jogo de seu país contra Honduras em Porto Alegre enquanto conversávamos. Não teve sucesso.
Primeiro Tempo
Desci para ver o jogo. Acompanhei o primeiro tempo no bar, entre torcedores de diferentes nacionalidades. Seus interesses iam de futebol a flertes internacionais, e pareciam otimistas com ambos. Saí para tomar um ar no intervalo.
Quando retornei, ao final da partida, brasileiros e estrangeiros estavam felizes. Não soube se deveria creditar a satisfação geral à caipirinha ou à cerveja. O esporte era evidentemente o menor dos motivos.
Kevin ressurgiu, pedindo ajuda para encontrar uma casa de câmbio. Levei-o ao hotel mais próximo, que não trocava dinheiro e também não soube indicar um que o fizesse. Um simpático funcionário sugeriu que nos dirigíssemos a um bar perto dali, "que recebia muitos estrangeiros".
Apesar da disponibilidade, ninguém no bar conseguiu ajudar meu novo amigo francês. Em outro restaurante, concluímos que o problema poderia ser com o cartão de Kevin e, provavelmente, teria de ser resolvido no dia seguinte.
Levei um frustrado francófono de volta ao Casa Azul. Como tinha menos de R$ 2, ele optou por comer no hostel. Cozinhou uma massa.
O bar fechou bem mais cedo que o habitual - por volta das 21h. Motivo: falta de cerveja. Estava identificada a responsável pela euforia coletiva.
Segundo tempo
Uma enfermeira de Veranópolis que passava uma temporada no hostel contou-me que não é incomum hóspedes trocarem serviços por diárias no Casa Azul. Nas três semanas em que esteve lá, ajudou na faxina por duas vezes para ganhar um desconto.
Dias antes, um grupo de argentinos teria pintado alguns cômodos em troca de estadia. A estudante carioca que dividia o beliche comigo atendeu o bar na tarde do jogo. Ela também seria paga em diárias.
Já o egípcio Ahmad trabalhava de graça. Mas não para o hostel. Ele era voluntário na Copa do Mundo. Fã de futebol, o torcedor do Barcelona esperava conseguir assistir a alguns dos jogos do Mundial no Beira-Rio.
A confraternização no terraço, que incluía, além de Ahmad e eu, Kevin e três meninas paulistas, estava agradável, mas o cansaço já tinha me vencido há horas. Por volta das 23h30min, despedi-me do grupo.
Um pequeno saco de TNT - o tecido, não o explosivo - sem fronha, recheado com alguns flocos de espuma ou algodão, era o travesseiro. Comprimindo bem o enchimento, transformei-o em algo próximo de uma almofadinha.
Quando finalmente encontrei o alfa e adentrei o paraíso onírico das noites bem dormidas, um flash de luz alcançou meus olhos.
Prorrogação
Não era sonho. Eram por volta de 3h e uma menina tentava arrumar a mala com o auxílio de uma lanterna. Minutos depois, acendeu a luz do quarto.
Ao constatar que as outras hóspedes dormiam sob a lâmpada acesa sem maiores problemas, coloquei o saco de TNT sobre o rosto, disposta a cooperar. Foi quando mais alguém despertou.
- (...) Lembra aquele dia que a gente foi no... E foi Fafá, Fefê, Fifi e Fofó (os apelidos foram substituídos por motivos de esquecimento)... E no outro foi Fefê, mas não foi Fofó. E teve um dia em que foi Fufu...
O inconfundível sotaque da serra gaúcha proferido em altos decibéis foi o combustível para uma conversa que preencheria os minutos mais longos da minha Copa.
Quando finalmente o diálogo arrefeceu, por volta das 3h30min, a ex-operadora de lanterna voltou a sua mala. Por alguma razão incógnita, passou a verificar tudo o que guardava. Em voz alta.
Ainda acreditando no bom senso alheio, torci para que tudo se resolvesse até as 4h. Se desse certo, eu teria garantidas quatro horas de sono até o café.
Eram 3h55min quando ouvi o doce clique do interruptor desligando a luz. Minha comemoração silenciosa durou cinco minutos.
- Alguém tem absorvente interno? - uma voz perguntou ao abrir a porta do quarto.
Não contei com a solidariedade da contadora de causos da madrugada. No mesmo segundo, ela pulou da parte alta da cama para o chão e, veja bem: reacendeu a luz.
Já tinha perdido a fé em todas as coisas o quarto escureceu pela última vez. Um celular tocou na sequência.
Minha noite se resumiu aos acréscimos: tinha um pouco mais de três horas para recuperar o sono perdido. Adormeci amaldiçoando a falta de sensibilidade da arbitragem da vida naquele dia.
O que diz o Casa Azul Hostel:
Nossos beliches são tamanho padrão, os mesmos à venda em diferentes lojas da cidade. Sobre a fronha do travesseiro, a roupa de cama deveria ter sido entregue completa, realmente. Quanto ao wi-fi, dependemos de um serviço terceirizado, o que pode nos deixar na mão em alguns momentos. Na estreia da Copa, bar e hostel estavam lotados e, por isso, muitas pessoas estavam usando o sinal do wi-fi ao mesmo tempo, o que pode ter gerado instabilidade.
Em vídeo, veja o que os estrangeiros acharam da mais tradicional bebida gaúcha:
Sobre a série:
Para avaliar o serviço de hospedagem que, aos poucos, deixa de ser novidade na Capital, ZH virou mochileira por duas semanas. Ao longo deste período, a reportagem se hospedou nos seis hostels indicados pela Secretaria Municipal de Turismo a quem vem a Porto Alegre.
Sem aviso prévio, Porto Alegre Eco Hostel, Hostel Porto Tchê, Casa Azul Hostel, Bom Fim Hostel, Hostel Porto do Sol e Porto Alegre Hostel Boutique abrigaram uma jornalista por uma noite, às vésperas da Copa ou durante o Mundial.