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O Bom Fim Hostel, na Rua Felipe Camarão, foi o quarto avaliado por Zero Hora na série de reportagens sobre os hostels de Porto Alegre. Veja o resultado:
Dia 4 - Bom Fim Hostel
Check in - 17h
Check out - 11h
Trechos de um diálogo ininteligível se ouviam no último andar do Bom Fim Hostel, na Felipe Camarão, naquela sexta à noite. Sozinho no quarto, o interlocutor engatava uma discussão em tom conspiratório ao telefone, alternando o tom de voz a todo instante.
Minutos depois, um jovem moreno e esguio deixa o dormitório. Dirige-se a mim e ao argentino Brian Bürger, sentados à mesa:
- Estava falando com meus pais. Era um pouco em árabe e um pouco em turco - diz com tranquilidade Maher Ali Maher, 20 anos.
Nascido na cidade do Cairo, o estudante egípcio era três em um: seu último nome, Maher, era o primeiro de seu avô. O do meio, Ali, o primeiro de seu pai. E o seu primeiro nome era seu mesmo. De Maher, no caso. Fala árabe por conta da família do pai. O turco aprendeu com a mãe, natural daquele país.
Obviamente, os paranoicos da conspiração éramos nós, os dois latinos. Em inglês, terceiro idioma de Maher, expliquei a ele nosso estranhamento em relação a sua língua nativa, fruto da falta de intimidade dos ocidentais com o Oriente Médio.
As consequentes suposições que fizemos sobre sua inocente conversa familiar eram, naturalmente, uma brincadeira. Ao mesmo tempo em que nos divertíamos com o clima de seriado de agente secreto instaurado pelo telefonema do egípcio, o argentino e eu imaginávamos a confusão dele quando falávamos em espanhol. Ele confirmou nossa suspeita aos risos.
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Fazia mais de um mês que Maher estava em Porto Alegre para um intercâmbio. Estudante de Ciências Políticas, ele ficará pelo menos meio ano dando aulas de inglês para crianças. Optou pela estadia no hostel em vez de uma casa de família.
O fisioterapeuta Brian também participa do programa de troca cultural. Chegou à Capital no começo de junho, depois de rodar mais de 1,6 mil quilômetros de carro com amigos desde Córdoba, onde vive. Além de fazer atividades esportivas com crianças, é voluntário da Fifa na Copa.
Naquela noite, estreamos um intercâmbio de mates: provei a versão argentina, enquanto ele experimentou a dos gaúchos. Cada um defendeu a sua e arranjou um defeito na do outro. É difícil exigir maturidade dos envolvidos quando o assunto é Brasil x Argentina, seja em qual campo for.
Gráfico interativo: veja a avaliação dos hostels de Porto Alegre visitados por Zero Hora
O Bom Fim Hostel estava tranquilo no dia chuvoso da goleada holandesa sobre a Espanha pela Copa do Mundo. Em uma sala com charmosos sofás forrados em veludo, em frente a uma estante recheada de livros, os intercambistas que conheci eram os únicos assistindo à partida. No térreo, que abriga também um sushi bar, outra pequena plateia acompanhava o jogo pela tv.
A calmaria deixou a impressão de que não eram muitos os hóspedes naquela noite. Ou que eram comportados demais. Das quatro camas disponíveis em meu quarto, apenas a que usei e mais uma estavam ocupadas. No dormitório dos intercambistas, com mais beliches - e uma goteira persistente, diga-se -, também havia vagas.
Tudo mudou drasticamente na manhã seguinte. Em menos de duas horas, o local foi tomado pela testosterona de mais de uma dezena de gringos, que deduzi serem, em sua maioria, torcedores do Mundial.
Senti-me um pouco deslocada durante o modesto café da manhã - um sanduíche pronto, envolto em papel filme, café com leite ou chá em copo plástico e dois tipos de frutas integravam o menu. Meia dúzia de recém-chegados, todos acompanhados de grandes mochilas, me encaravam com estranhamento.
Subi decidida a tomar banho nos vestiários do terceiro pavimento, onde já tinha identificado alguns chuveiros a gás na noite anterior. Mas a lâmpada do feminino estava queimada e um funcionário me orientou a usar as instalações do último andar.
De saída constatei que a experiência não seria das melhores. O chuveiro elétrico até esquentava. Um buraco onde deveria ficar a mangueirinha, no entanto, jorrava água fria nas minhas costas.
Quando finalmente encontrei um ângulo para escapar da desagradável situação, alguém entrou no banheiro ao lado. O primeiro susto veio com a descarga, que provocou uma súbita escassez de água. Na sequência, a abertura do segundo chuveiro.
Pela primeira vez, senti que estava, de fato, disputando uma corrente elétrica com outra pessoa. A água, que já não estava das mais quentes, mal ficava morna com os dois chuveiros ligados. Diante da derrota iminente, resolvi jogar - no caso, pegar - a toalha. Encerrei a ducha por ali.
Em minha última hora no hostel, recostei-me em um dos bancos da área de convivência junto ao terraço. À espera de uma trégua da chuva, bati um papo com a sérvia Tamara. A longilínea garota participava do mesmo programa de intercâmbio de Maher e Brian. Não morava mais no hostel, mas ia ao local semanalmente para ter aulas de português.
Um agitado inglês que descongelava seu almoço juntou-se a nós. Em menos de 15 minutos, discorreu sobre sua vida, seu trabalho, sua restrição a franceses e sobre Londres, uma cidade "chata" - melhor que Paris, é claro. Partiu assim que terminou sua refeição e ninguém chegou a lamentar.
Enquanto chegavam os colegas de Tamara, preparei-me para ir embora. A iniciação dos estudantes estrangeiros no tortuoso universo da língua portuguesa lembrou-me do imbróglio idiomático da noite anterior. Deixava o hostel como o encontrei: em meio a um saudável e divertido encontro de culturas.
O que diz o Bom Fim Hostel:
Certamente, em alguns pontos, temos de redobrar atenção e organizar melhor. A questão da luz no banheiro feminino já está resolvida.
Em vídeo, veja o que os estrangeiros acharam da mais tradicional bebida gaúcha:
Sobre a série:
Para avaliar o serviço de hospedagem que, aos poucos, deixa de ser novidade na Capital, ZH virou mochileira por duas semanas. Ao longo deste período, a reportagem se hospedou nos seis hostels indicados pela Secretaria Municipal de Turismo a quem vem a Porto Alegre.
Sem aviso prévio, Porto Alegre Eco Hostel, Hostel Porto Tchê, Casa Azul Hostel, Bom Fim Hostel, Hostel Porto do Sol e Porto Alegre Hostel Boutique abrigaram uma jornalista por uma noite, às vésperas da Copa ou durante o Mundial.