
Se você é daqueles que ao ouvir um tambor logo começa a remexer o esqueleto, não lastime estar em Porto Alegre durante o mês de fevereiro. Apesar de Carnaval remeter ao Rio de Janeiro – com bloquinhos, desfiles e ensaios nas quadras –, a capital gaúcha também respira folia. Mesmo sem pandeiros e chocalhos a cada esquina, conta com rodas de samba, aulas de batucada, grupos que vão para a avenida e muita boemia.
Aos que gostam das quadras, esta é a melhor época do ano: há ensaios todos os dias. Se o negócio é Carnaval de rua, fique ligado na programação que se inicia neste final de semana – além dos consagrados blocos da Cidade Baixa, pontos descentralizados, como a orla do Guaíba, a Avenida Tronco e a Vila Nova, terão desfiles a partir de domingo.
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Aqui, as badaladas feijoadas cariocas dão lugar ao churrasco regado a samba. Coordenador de Manifestações Populares da Secretaria Municipal da Cultura (SMC), Érico Leotti explica que no Sul muitos eventos da velha guarda têm como mote o tradicional assado (a feijoada pode até enfrentar resistência do gaúcho, mas o samba não).
Casas noturnas da Cidade Baixa incrementam a agenda no verão. Proprietário de quatro botecos que oferecem o samba no cardápio, o empresário pernambucano Eduardo Natalício fala que, na última década, o ritmo que há tempos anima comunidades da periferia se consolidou também entre bairros das classes média e alta.
– Hoje, tem samba no Jardim Botânico, na Tristeza, no Moinhos de Vento. Também aumentou a quantidade e a qualidade das bandas. Falta o gaúcho valorizar – diz.
A festa não fica restrita aos limites dos botecos e dos restaurantes. Corre, também, pelas rodas informais, várias delas consagradas.
– Muita gente acha que a cultura do gaúcho é só tradicionalismo, mas não é não. Temos aqui excelentes compositores e uma garotada nova que desponta nos seus bairros e vem se apresentar em bares da área mais central – relata Jesus Machado, organizador do Samba de Irajá, evento itinerante com edições na Casa de Cultura Mario Quintana.
Quebrar o estigma e promover o gosto pelo ritmo nacional é a batalha travada pelo Instituto Brasilidades, criado por Eduardo Lopes e outros sambistas daqui. Em nove anos organizando eventos na cidade, ele comprova que há demanda reprimida – suas rodas costumam atrair cerca de 400 pessoas. É gente que vai ao Rio, "sente o gostinho e volta sedento por viver mais dessa cultura", ou moradores da Capital, de várias idades e classes sociais, unidos pela curiosidade e pelo gosto por um tipo de música tão democrático quanto contagiante.
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ENSAIOS DAS ESCOLAS
Neste mês, os ensaios nas quadras são abertos e é comum que as agremiações se visitem. A Quarta Nobre é o evento da Imperadores do Samba para receber o público na Avenida Padre Cacique, das 20h à 1h. O Ninho da Águia, casa do Bambas da Orgia, abre suas portas para a tradicional Quinta Azul e Branco, das 21h às 2h, na Voluntários da Pátria. Já a Banda Saldanha, que se prepara para o anual desfile em Copacabana, no Rio de Janeiro, faz no dia 20 seu último encontro antes do Carnaval – o evento tem a presenças de Quinho, Viviane Araújo e Cris Alves (intérprete, rainha e musa do Salgueiro, respectivamente) e dispõe de churrasqueiras para o público, por ordem de chegada.
BATUCADAS COLETIVAS
Criados para promover o desfile no Carnaval e incentivar a formação de novos ritmistas, grupos de batucada independentes cresceram de uns anos para cá. Inspirados no conceito do carioca Monobloco, promovem ensaios em parques e outros espaços públicos. Flávio Brecher Muller, um dos organizadores da Ziriguidum Batucada Social, explica que o grupo é aberto a quem quiser aprender ou aprimorar o ritmo e funciona o ano todo. Quando não chove, os ensaios são no Largo Zumbi dos Palmares – se o tempo fecha, a turma busca um plano B. Para evitar reclamações dos vizinhos, o Turucutá Batucada Coletiva Independente (outro coletivo com propósito semelhante) faz ensaios na Redenção ou no Monumento aos Açorianos. Fora da época do Carnaval, eles realizam oficinas de percussão e apresentações eventuais, como a que farão neste sábado à noite, no Bar Batemacumba (Rua João Alfredo, 701).

BLOCOS DE RUA
Neste ano, o Carnaval de rua contará com a participação de mais de 30 blocos. As apresentações começam no sábado e se estendem até maio – é o Carnaval mais extenso do Brasil, segundo Otávio Pereira, presidente da recém-criada Liga dos Blocos Descentralizados. A folia, no sábado, é na Cidade Baixa. Das 17h às 21h, desfilam Galo de Porto, na Joaquim Nabuco, Do Jeito Que Tá Vai, na João Alfredo, e Maria do Bairro, na Sofia Veloso. No domingo, é a vez de Gonhas da Folia, Bloco Tronco, Bloco das Virgens, Bloco do Campinho e convidados desfilarem na Avenida Tronco, na Cruzeiro, das 14h às 20h.
RODAS
CLÁSSICAS – Uma das mais tradicionais da Cidade Baixa, a roda do Boteko do Caninha (esquina da Múcio Teixeira com a Barão do Gravataí) faz a resistência no berço do Carnaval, o antigo Areal da Baronesa. De quarta a sábado, tem música ao vivo, mas são na quinta e no sábado, com o Pagode da Nena, os dias especiais para quem quer escutar os clássicos. Reduto de sambistas como Lupicínio Rodrigues, o local recebe visitantes de outros bairros e da Região Metropolitana.

DE BOTECO – Entrar em uma das unidades do Natalício significa viajar em poucos minutos para a Lapa, ícone da boemia carioca. Assim que chega ao local, o cliente é surpreendido pelos "rodadores de chope". A agilidade do garçom é estratégia de venda orientada pela gerência. Vizinhos da Rua General Lima e Silva, o Dona Neusa e o Tipo Exportação seguem a mesma lógica. Boteco Tche, Preto Zé, Estação 910, Parangolé, Matita Perê e Espaço Cultural 512 também são ponto de encontro com agenda diária de shows para agradar esse público. Na Zona Norte, as opções são Só Alegria, Villa Rica e Cenoura Pasteis do Terminal Triângulo.
GRATUITAS – A roda do Instituto Brasilidades costuma acontecer no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. Para testar seu caráter itinerante, a organização promove, neste sábado, uma edição na Associação Cultural Vila Flores, das 17h às 21h. Eduardo Lopes, integrante do movimento, diz que a ideia é difundir sambas de músicos antigos na região central da cidade.
