
Previsto para ser um desafogo no trânsito da Terceira Perimetral, em Porto Alegre, o Viaduto São Jorge ainda não mostrou a que veio. Aberto parcialmente há uma semana, a estrutura foi percorrida por Zero Hora no início da noite da última quarta-feira, quando a reportagem cruzou a Terceira Perimetral entre as avenidas Protásio Alves e Professor Oscar Pereira. O tempo de deslocamento para vencer o trecho no sentido Norte-Sul foi comparado com o trajeto feito no mesmo horário um dia antes da inauguração, realizado pelo desvio indicado pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), que vigorava até aquele dia.
Sem o viaduto, o trecho da esquina com a Protásio Alves até o cruzamento com a Oscar Pereira foi vencido em 22 minutos, sempre por ruas do entorno utilizadas para contornar a obra ao longo de mais de dois anos. No teste repetido na última quarta-feira, utilizando o viaduto, o deslocamento durou 25 minutos. No sentido inverso, houve pequena melhora, passando de 17 minutos antes do viaduto para 14 minutos com a estrutura.
O percurso Norte-Sul já havia sido maior no início da noite na data em que o viaduto foi aberto: 34 minutos. Foi um caso à parte, conforme a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), porque muita gente que não passava pela região acabou se dirigindo ao viaduto sobre a Avenida Bento Gonçalves por curiosidade ou com a certeza de que o trânsito seria mais rápido.
O gerente de Operações e Fiscalização da empresa, Paulo Gomercindo Machado, disse, na ocasião, que a situação deveria se normalizar até a terça ou quarta-feira seguintes. A previsão de Gomercindo não se concretizou. Mesmo acostumados com a novidade, após uma semana, os motoristas continuaram se aglomerando dentro de seus carros sobre o viaduto.
- No cruzamento com a Ipiranga, o trânsito piorou, está mais congestionado - comparou o policial militar Rodson Bidart, 26 anos, enquanto abastecia o carro em um posto de combustíveis logo após o viaduto.
A opinião de outro PM que também abastecia no local era contrária. Luis Fernando Naimayer, 45 anos, considerou o trânsito tranquilo, reclamando somente dos semáforos:
- Tem sinaleiras demais, acho que não tem necessidade.
O microempresário Roberto Stieborski, 62 anos, não viu muita mudança com o viaduto. Para ele, o tempo de deslocamento tem sido o mesmo de antes da construção.
Especialistas sugerem plano de mobilidade para toda a Capital
Pelo menos desde a década de 1980, a ampliação de vias e a construção de viadutos para automóveis como solução para o trânsito engarrafado das cidades é um tema controverso entre urbanistas e especialistas em trânsito. Para o arquiteto Tiago Holzmann da Silva, presidente da seção gaúcha do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), faria sentido construir uma via elevada caso ela resolvesse o problema dos congestionamentos em Porto Alegre.
- A obra transfere o problema para o entorno. Nos parece ser um projeto apressado, desvinculado de uma proposta de mobilidade para a cidade e ainda tem um aspecto bastante ridículo - afirma Holzmann.
Para o dirigente do IAB-RS, o resultado estético é uma construção gigantesca que ofusca a Igreja São Jorge, desaparecida atrás da estrutura. Ele critica, ainda, a opção pelo estaiamento, que não seria necessária.
Professor e consultor da Unisinos sobre transporte, João Hermes Junqueira pondera que os motoristas podem ainda não estar acostumados à nova rota, o que ampliaria o tempo de percurso. No entanto, ele concorda que falta um projeto de mobilidade pensado para toda a cidade. O grande entrave da Terceira Perimetral seria o fato de ela ser cruzada por vias com praticamente o mesmo volume de tráfego, o que torna difícil estabelecer prioridades.
- O que tem de fazer ali é um ajuste das sinaleiras da Avenida Ipiranga. E, enquanto houver sinaleiras ali, a EPTC vai ter de monitorar e ajustar conforme os volumes de tráfego. O melhor seria construir outro viaduto sobre a Ipiranga - analisa Junqueira.
Ele defende que se faça um estudo de mobilidade envolvendo toda a Capital. Uma solução seria modificar a ocupação do solo, especialmente no Centro. A retirada de serviços públicos e comércio, levando-os para os bairros, por exemplo, poderia ajudar a reduzir o tráfego na região, espalhando os destinos de milhares de pessoas que se deslocam diariamente em direção ao Centro.
EPTC vai avaliar tempos de sinaleiras e percurso
O diretor-presidente da EPTC e secretário municipal de Mobilidade, Vanderlei Cappellari, disse ter ficado surpreso com o resultado do teste de ZH. Ele observou que uma manifestação na Avenida Bento Gonçalves poderia ter atrapalhado o trânsito. A manifestação ocorreu no final da tarde e envolveu cerca de 30 pessoas em frente à Faculdade de Veterinária da UFRGS, segundo a Rádio Gaúcha.
- É surpreendente (o resultado do teste). O viaduto devolveu uma linha reta ao trânsito. Vamos fazer uma avaliação profunda - reforçou.
A obra custou R$ 79,4 milhões. Antes da liberação da estrutura, os tempos das sinaleiras estavam 70% para a Ipiranga e 30% para a Perimetral, explica Cappellari. Agora, a razão é de 50%. O secretário garantiu que na segunda-feira a EPTC fará três testes em horários de pico no viaduto para verificar o tempo dispendido.
Antes do viaduto
Teste realizado em 25 de março (quarta-feira)
Protásio Alves-Oscar Pereira
Horário de partida: 18h36min
Horário de chegada: 18h58min
Tempo total: 22 minutos
Oscar Pereira-Protásio Alves
Horário de partida: 19h02min
Horário de chegada: 19h19min
Tempo total: 17 minutos
Na inauguração do viaduto
Teste realizado em 26 de março (quinta-feira)
Protásio Alves-Oscar Pereira
Horário de partida: 18h30min
Horário de chegada: 19h04min
Tempo total: 34 minutos
Oscar Pereira - Protásio Alves
Horário de partida: 19h07min
Horário de chegada: 19h23min
Tempo total: 16 minutos
Uma semana depois da inauguração do viaduto
Teste realizado em 1º de abril (quarta-feira)
Protásio Alves-Oscar Pereira
Horário de partida: 18h33min
Horário de chegada: 18h58min
Tempo total: 25 minutos
Oscar Pereira - Protásio Alves
Horário de partida: 19h03min
Horário de chegada: 19h17min
Tempo total: 14 minutos
Explicações na literatura para a ineficácia de ampliar vias
"Uma capacidade de trânsito maior faz com que trajetos mais longos sejam menos penosos, e, como resultado, as pessoas estão dispostas a viver cada vez mais longe de seu local de trabalho. Quando um número crescente de pessoas toma decisões semelhantes, o trajeto de longa distância fica tão congestionado quanto o centro da cidade, os passageiros clamam por faixas adicionais, e o ciclo se repete. Este problema é agravado pela organização hierárquica das novas vias, que concentram o trânsito no menor número de ruas possível."
The Rise of Sprawl and the Decline of the American Dream, Andres Duany, Elizabeth Plater-Zyberk e Jeff Speck
"A erosão das cidades pelos automóveis é um exemplo do que é conhecido como "retroalimentação positiva". Na retroalimentação positiva, uma ação produz uma reação que por sua vez intensifica a situação que originou a primeira ação. Isso intensifica a necessidade de repetição da primeira ação, que por sua vez intensifica a ação, e assim por diante, ad infinitum. É mais ou menos como adquirir um vício pelo hábito."
Morte e Vida de Grandes Cidades, Jane Jacobs
Foto: Camila Hermes, especial
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