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Mark Zuckerberg disse certa vez que estar fora do Facebook seria uma desvantagem para as pessoas. Na rede social fundada pelo empresário americano, cada um poderia conectar-se com a família e os amigos e construir sua própria marca. Um bilhão e 700 milhões de usuários parecem concordar com ele, mas existe gente que vem abandonando seus perfis, temporariamente ou em definitivo, pelo radicalismo nas discussões, por se sentir dentro de uma "bolha ideológica", em nome de mais privacidade ou por pura falta de tempo para lidar com tantos posts.
O Facebook se esforça para que você não delete o seu perfil. Tenta lhe entregar, de graça, o conteúdo que teria mais capacidade de captar sua atenção, muda a aparência da rede, adiciona novos recursos. Ele quer o seu tempo. Quer a sua audiência (que, no fim das contas, gera dinheiro).
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Em junho deste ano, a empresa avisou que priorizaria posts de amigos em detrimento de conteúdos de páginas. Dados do The Information, um veículo especializado em notícias de tecnologia, apontam que o número de publicações pessoais, como o anúncio do noivado do primo, a primeira foto do bebê da colega ou um texto sobre o dia a dia do irmão, caiu 21% de 2014 para 2015. O Facebook nega que as pessoas estejam compartilhando menos sobre suas vidas, mas parece ter entendido o sinal alarmante. A rede social pode ter virado um grande emaranhado de conteúdo cansativo, entediante e impessoal, pelo menos para alguns, que decidiram deixar para trás seus perfis.
– Ao longo do tempo, fui adicionando amigos de faculdade e pessoas com quem eu trabalhava, mas acabei perdendo o contato com elas. Foi ficando impessoal demais. Havia muita coisa que eu não tinha o mínimo interesse em saber também – diz Carolina Peter, 31 anos.
A advogada decidiu suspender a conta há seis meses e não tem vontade alguma de reinstalar o aplicativo, recuperar seu login ou deslizar inúmeras vezes o dedo de baixo para cima na tela para atualizar o feed de notícias. O caso de Carolina pode ser diagnosticado como "Facebook fatigue", a fadiga do Facebook, um termo em inglês usado para descrever o desinteresse das pessoas pela rede social. E, se o Facebook tem medo de algo, é do tédio dos seus usuários e de uma possível debandada para outras redes sociais que conseguem conectar as pessoas com mais intimidade.
Um exemplo? O Snapchat, que conquistou o público mais jovem instigando o compartilhamento de narrativas mais espontâneas. A rede social do fantasminha consagrou celebridades nativas da plataforma, que somam milhões de views, e ainda fornece um espaço para as notícias, graças a parcerias com marcas como CNN e Buzzfeed.
Fabio Malini, coordenador de estudos sobre imagem e cibercultura da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), dedica-se a extrair e analisar grandes bases de dados. É um especialista em big data com foco em redes sociais. O pesquisador atribui essa fadiga a alguns fatores. Um deles: a preocupação para construir e manter uma imagem na rede social. Ainda que tenhamos certo controle de nossas postagens, a percepção em torno delas não é controlada por nós.
– Há uma certa avaliação de que a imagem pessoal se desgasta mais do que se fortalece no Facebook – diz.
Outro ponto envolveria o algoritmo da rede social, que, por entregar o que é mais compartilhado, aquilo que todo mundo está falando, acaba tornando o Facebook um grande loop de repetições.
– Acho o Facebook muito parecido com os canais de notícias da TV a cabo, que se baseiam na repetição noticiosa. Os assuntos do dia ficam retornando eternamente. E a tendência é de que poucas pessoas dominem o seu feed, o que causa uma saturação discursiva, sendo que talvez essas figuras não tenham grande importância social, mas ganham fôlego nesse sistema. Já víamos isso como telespectador da TV e se repete no Facebook – avalia Malini.
Apelo à nostalgia dos usuários
Carolina Peter criou a conta em meados de 2009, mas, antes de desativá-la, diminuiu drasticamente o uso e não publicava nada havia um ano. Ao longo do tempo, juntou uma grande quantidade de amigos e curtiu inúmeras páginas. Trabalhava com política, por isso, adicionava muita gente para fazer contatos que, ao longo do tempo, passaram a ser inconvenientes.
– Nem postava mais para evitar me expor para gente com quem não tinha mais contato – lembra.
Pensou em filtrar os amigos, mas já era muita coisa. No começo do ano, viu que se irritaria com a enxurrada de posts políticos de sua cidade (Pelotas) e, principalmente, com as notícias falsas. Resolveu sair antes mesmo do começo das campanhas eleitorais – "antes que piorasse", como Carolina afirma:
– Eu veria muitos posts sobre o que acontecia em Pelotas. Então, ainda bem que não tenho mais Facebook. Não vi nada.
A advogada diz que a parte mais difícil é perder o contato com quem ela não conversa no dia a dia pelo WhatsApp. As notícias, ela recebe por meio do Twitter, considerado um refúgio e um espaço mais filtrado.
Esses ambientes mais restritos também atraem a "ex-usuária de Facebook" Giédra Bischoff, 24 anos. Ela é adepta do Instagram. Por ter a opção de deixar o perfil fechado, apenas usuários autorizados podem ver e comentar as fotos. Algo que nem sempre é tão simples no Facebook, com as dezenas de configurações a ajustar. A privacidade pesou na decisão de excluir a conta neste mês.
– Eu não estou online 24 horas. Se alguém bota uma foto minha e tem comentários lá, não vou ver na hora. Vou ficar exposta. Aconteceu algo chato, uma pessoa começou a comentar sobre uma foto que postei com um amigo – justifica Giédra. – E era um vício, eu ficava no Facebook às vezes vendo coisas idiotas – acrescenta.
Pesquisadores de universidades americanas já investigaram a expectativa dos usuários sobre quem teria acesso ao conteúdo que eles publicam na rede e a realidade, ou seja, quem de fato poderia acessá-lo. Os usuários, geralmente, mostram dificuldade em manter esse controle sobre todas as informações.
Giédra quer voltar ao Facebook apenas para resgatar a história que construiu lá, como as fotos que publicou ao longo tempo. E essa nostalgia é usada pela própria empresa para manter seus usuários surpreendidos e envolvidos. Com a seção "Neste dia", que relembra as postagens do usuário na mesma data em anos anteriores, revive-se as memórias despejadas na rede. Deletar fotos, postagens e compartilhamentos pode ser tão doloroso quanto se desfazer de um álbum com fotos de bebê.
A espiral do silêncio e o cansaço mental
Em 2013, o instituto de pesquisas Pew publicou um estudo sobre as idas e vindas dos usuários do Facebook. Naquele ano, cerca de 67% dos adultos americanos estavam na rede social. Entre os usuários, 61% revelaram que já haviam tirado um "período sabático" do Facebook e 20% dos adultos que não estavam na rede social já haviam tido uma conta em algum momento.
O motivo mais citado (21%) dos que haviam tirado uma "folga" foi a falta de tempo. Outros disseram que perderam o interesse (10%) ou classificaram o Facebook como "perda de tempo" (10%), afirmando que não encontravam conteúdo relevante por lá. O amontoado de fofocas ou "drama" dos amigos também foi citado (9%), e a preocupação de gastar muito tempo na rede foi a resposta de 8% dos 1.006 americanos entrevistados.
O porto-alegrense Samuel Reginatto, 24 anos, voltou ao Facebook depois de 168 dias com o perfil fora do ar. Ao desativar a conta, o site dá a opção de deixar a página pessoal despublicada por um período indeterminado, até que você mude de ideia (leia no quadro acima). Assim, os indecisos e arrependidos podem retornar sem ter de abrir mão de suas pegadas digitais.
Samuel deu um tempo em abril, no começo dos trâmites do impeachment, considerado a gota d'água do incômodo com o Facebook no Brasil. Voltou em 2 de outubro, no dia das eleições municipais ("Queria ver o que estavam fazendo, o que estavam falando"). Ao explicar por que precisou dos cinco meses de detox, ele elenca quase todos os motivos mencionados pela pesquisa americana e acrescenta a dificuldade de debater na rede social:
– Qualquer um poderia entrar, do nada, em uma conversa. Vinha aquele amigo distante e alterava o rumo da discussão. E ninguém mudava de ideia.
Ele acredita que a dinâmica do Facebook impossibilita discussões mais produtivas. Um outro estudo do Pew, também de 2013, com mais de 1,8 mil americanos, verificou a formação de uma espiral do silêncio, ou seja: quem acredita ter uma opinião diferente da maioria prefere não publicá-la por medo do ostracismo ou de retaliações.
A questão é que debater cansa, sim, até mesmo no Facebook. O psicólogo paulista Erick Itakura, pesquisador de mídias, lembra que as palavras lidas geram sentimentos:
– As pessoas não têm essa dimensão, mas as ações mentais cansam. Para ter uma discussão na internet, você começa a refletir, vai lá e apaga, pensa de novo, mas não acaba percebendo que isso tudo já está automatizado. Por isso, passa meia hora e você só sabe que está mais brabo, cansado e que despendeu tempo para aquilo.
Sair do Facebook funcionou para reeducar o comportamento de Samuel nas redes, especialmente no quesito tempo. Itakura diz que os likes e as boas histórias são estímulos que nos fazem ficar voltando para a timeline, várias vezes por dia. O sistema de recompensa do nosso cérebro é ativado quando isso acontece, e procuramos um pinguinho de prazer em cada rolagem de tela. Samuel relata:
– Às vezes, ligo a TV e deixo de fundo, mas nem estou prestando atenção. Começou a acontecer com Facebook: via as coisas, mas não absorvia. Se perguntassem o que tinha recém visto, nem saberia dizer.
A fadiga seria um efeito colateral dessa busca intensa de pertencimento, de participar do assunto do momento e criar laços, diz o pesquisador Malini:
– Todo conteúdo informativo vicia. Essa história de acompanhar o novo, de como a história se desenrola, essa coisa novelesca faz parte da cultura das pessoas. Para sair disso, é preciso passar por um processo mais próprio, menos narcisista, com menos likes e mais recolhimento.
Presos (ou não) em uma bolha
Um dos estudos mais controversos sobre o Facebook trata da famosa bolha ideológica criada pelos algoritmos e filtros de conteúdo da internet. O artigo, publicado em 2015 por pesquisadores ligados à rede social, joga a responsabilidade para o usuário – seria a partir da interação com os amigos, dos hábitos de leitura e das escolhas feitas que o algoritmo aprenderia. Outras pesquisas dizem o contrário: no Facebook, somos mais expostos a opiniões divergentes, e nossos amigos não são tão parecidos conosco como pensamos.
Estima-se que, sem a seleção do algoritmo, cada pessoa receberia cerca de 1,5 mil posts por dia na própria timeline. Um volume insano com o qual lidar. A consequência de ter um sistema que entrega conteúdo para cada usuário sob determinadas variáveis (como engajamento, comportamento do usuário e dos amigos) seria a criação das bolhas ideológicas. Eli Pariser, autor do livro O filtro invisível – o que a internet está escondendo de você (Editora Zahar), afirma que as pessoas sempre recorreram aos canais de imprensa e entretenimento com os quais se identificam. Essa escolha, porém, seria mais consciente. Nos meios digitais, ficaríamos às escuras sobre o que é entregue.
Sem o Facebook, a lógica da informação mudou para o porto-alegrense Samuel. Em vez de abrir uma timeline com posts já filtrados, ele precisava buscar, diariamente, o que queria saber.
– Querendo ou não, o Facebook é uma fonte fácil. A informação chega até ti – diz o ator.
Samuel ausentou-se da rede para evitar o bombardeamento de radicalismo e informações falsas sobre política. No entanto, reconhece que, no Facebook, era exposto a uma diversidade maior de opiniões, o que considera essencial.
– Abrir a página do Facebook é aceitar que pode vir qualquer coisa. É um site de alcance global, onde todo mundo tem voz. E é isso aí, essa é a beleza da coisa, o melhor da internet é o povo.
*ZERO HORA