
Em um vídeo que circula pela internet, um homem sem camisa fala, durante uma entrevista, ao ser questionado sobre assédio: "Se ela for assediada é porque ela está dando abertura". Na época de Carnaval, as ocorrências de assédio são frequentes e muitas vezes são veladas, como indicam as autoridades. Por isso, campanhas como #CanarvalSemAssédio querem acabar com o entendimento – como o do entrevistado citado acima – de que puxar o cabelo, agarrar à força ou insistir depois de receber um "não" são atitudes aceitáveis.
– Nenhuma mulher "está pedindo" se ela estiver seminua, ou como for. O corpo é dela, é um direito que ela tem. Não importa se ela ficou com vários caras na festa. E se ela estiver muito bêbada e não souber o que está fazendo, isso é mais que assédio, e se alguém transar com ela, é estupro – afirma a promotora Ivana Battaglin, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos de Porto Alegre.
Battaglin reforça que, no Carnaval, duas palavras são chave: consentimento e reciprocidade. Ela reforça também que pessoas embriagadas não têm consentimento válido e que, independentemente da situação, onde a pessoa estiver, e se ela já teve algum tipo de aproximação com outra, todas as ações devem ser consentidas.
Leia mais:
Aprenda a fazer sucos para manter o pique durante o Carnaval
Saiba por que o Carnaval não é feriado
Vai ter folia, sim! Veja a programação do Carnaval de rua durante o feriadão
– Se não é recíproca essa vontade de aproximação, não é cantada, é abuso. Qualquer adulto e adolescente consegue ter essa percepção de saber se a pessoa quer ou não quer que a toque ou a beije. Se isso ficar bem claro, é válido – diz.
O Instituto Maria da Penha divulgou uma marchinha de Carnaval com o nome de #NãoMexeComigo junto a uma série de vídeos com relatos de assédio nesta época do ano.
De acordo com a ONG, 79% das mulheres são assediadas de forma desrespeitosa, 44% delas têm seus corpos tocados sem consentimento e três em cada 10 são beijadas à força no Carnaval. Em um dos depoimentos, "Beijo na boca à força não faz o menor sentido", uma mulher conta sobre a experiência assustadora de ter sido tocada e beijada várias vezes durante uma festa quando tinha 16 anos: "Sentia que estava num abatedouro".
A fotógrafa Brenda Matos mora em Salvador e resolveu, junto à iniciativa feminista "Vamos Juntas?", explicar de maneira didática, com fotos, o que pode e o que não pode durante as festas de Carnaval. O ensaio frisa o que é flerte e o que é considerado assédio. Por exemplo: perguntar se pode conversar? Pode. Chamar por nomes vulgares? Não pode. Puxar pelo cabelo? Nunca.
– Quando o contato já começa físico é quase 100% de certeza que a menina não vai gostar. Ela nunca viu o cara, ele não sabe se ela quer, é importante ter uma educação. Pode chegar fazendo uma brincadeira leve, falar da fantasia que ela está vestindo, faz algo divertido, se ela der risada, se ela consentir e começar a conversar, aí sim, mas tem de ser uma brincadeira leve e saudável, existem piadas de mau gosto que oprimem de verdade – diz Brenda.
Para Jussara de Souza, promotora legal popular da ONG Themis, de defesa e promoção dos direitos das mulheres, a orientação para os foliões que querem se aproximar é investir na conversa, sem agressividade.
– É falar sem tocar a não ser que seja permitido. Seja quem for, não pode ser uma coisa agressiva. E se não quer mesmo, não deixe – afirma.
Brenda também menciona a insistência e reforça: "não" é "não".
– Conheço mulheres que são muito educadas para dar o fora e os caras não entendem, acham que porque foi educada, "ela quer". Não é não, seja dito, seja por meio de uma reação física – diz.
Ivana lembra que pelo Código Penal várias ações podem configurar estupro. Pelo senso comum, diz a promotora, entende-se que o estupro é praticado por desconhecidos, mas é ao contrário: amigos e conhecidos também devem respeitar limites.
– Qualquer ato revestido de conotação sexual, como tocar nos seios, nas genitais, ou fazer tocar nos seus é estupro, não é só a penetração – diz.
Denuncie
De acordo com a promotora, mulheres que sofrerem qualquer tipo de violência ou discriminação podem ligar para o 180 ou procurar a delegacia da mulher. Homens que sofrerem qualquer tipo de assédio ou preconceito podem ligar para o número 100.