
Talvez você não saiba, mas, a despeito de suas enormes diferenças, Nigéria e Coreia do Sul são expoentes da produção cultural contemporânea. O primeiro país devido, sobretudo, às suas indústrias musical e cinematográfica, igualmente surpreendentes. O segundo porque, não é exagero afirmar, as artes visuais pós-advento do vídeo, a música pop atual e o cinema de autor do século 21 não seriam os mesmos sem a contribuição dos artistas sul-coreanos.
Se você tem acompanhado esta série desde o seu início, já sabe que aqui se fala, basicamente, do que é fundamental na cultura de cada um dos países que virão Porto Alegre a partir de 12 de junho. Nos casos de Nigéria e Coreia do Sul, apesar da diversidade de ambas, saiba que é bem fácil encontrar o que se encaixa nessa definição - e, com as referências estabelecidas, acessar sua produção como um todo de maneira mais organizada.
De Psy ao afrobeat nigeriano, de Oldboy a Nollywood - confira, nesta que é a quarta parte da série Copa Cultural, as seleções de mais dois dos nossos ilustres visitantes neste campeonato mundial.
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COREIA DO SUL
> Conhecida como k-pop, a música pop sul-coreana é muito forte - e cada vez mais difundida no Ocidente. O gênero é formado, em sua maioria, por boy/girl bands que misturam hip hop, um pouquinho de rock e alguns sintetizadores - ou muitos, no caso de Psy, autor do hit global que mais pegou por aqui, o tal do Gangnam Style. Vale lembrar que muito da popularização do k-pop no Brasil se deu por meio das máquinas de Pump It Up, aqueles fliperamas de dança, sabe? Detalhe importante: diferentemente do que acontece nos EUA, a indústria da música pop assume que seus mega-astros são "fabricados" de acordo com estudos de mercado e preceitos pré-estabelecidos, como numa linha de montagem. Alguns de seus "produtos", para você não morrer de curiosidade: Girls Generation, Suju, BoA, JYJ, DBSK, MBLAQ (sendo essas últimas abreviaturas de nomes mais longos).
> Nam June Paik (1932 - 2006) é "o cara" da videoarte. Músico e performer, ele passou a trabalhar com vídeo nos anos 1960 e ajudou a mudar a história da arte. É, provavelmente, o nome mais conhecido da arte sul-coreana, embora a tradição pictórica do país seja secular - e conservada graças à tradição preservacionista coreana, que está simbolizada nas centenas de obras de arte, criações e manifestações nas mais diversas linguagens que ganharam o carimbo de Tesouro Nacional da Coreia do Sul.
> Oldboy (de Park Chan-wook, 2003) e O Hospedeiro (Bong Joon-ho, 2006) são mais conhecidos, mas a enorme quantidade de grandes filmes sul-coreanos neste século 21 atesta: trata-se de uma das cinematografias mais importantes do mundo. Além disso, a Coreia do Sul é um dos poucos países nos quais os cinéfilos veem mais produções locais do que blockbusters americanos. O sucesso do longa Shiri - Missão Terrorista (de Kang Je-kyu, 1999) é apontado como um dos marcos iniciais do boom do cinema do país, mas há muita coisa a se descobrir, como os títulos de Kim Ki-duk (a exemplo de Casa Vazia, 2004), Lee Chang-dong (Poesia, 2010) e Hong Sang-soo (A Visitante Francesa, 2012), além dos outros filmes de Chan-wook e Joon-ho. A teledramaturgia coreana também tem sido exportada para vários países vizinhos, China e Japão sobretudo, constituindo um aspecto importante do boom audiovisual do país.
> O Brasil no horizonte: A produção literária da Coreia não costumava respingar por aqui, mas recentemente alguns livros, sobretudo de poesia, têm sido editados no Brasil. Um dos mais célebres autores traduzidos é Yi Sáng (1910 - 1937), espécie de concretista coreano descoberto por Paulo Leminski e que saiu, no país, no livro Olho-de-Corvo. De Kim Young-ha, que tem 45 anos e é colunista do New York Times, já foi publicado no Brasil Flor Negra. Da best-seller Shin Kyung-sook, 51, saiu por aqui Por Favor, Cuide da Mamãe. Outros nomes de destaque? Em entrevista à Folha de S. Paulo, a tradutora Yun Jung Im recomendou: "Dos que produziram antes de 1945 (ano da divisão das Coreias pós-domínio japonês), são importantes, em prosa, Kim Dong-In e Yi Kwang-su; em poesia, Kim So-wol e Yi Yuk-sa. Na fase pós-1945, os narradores Hwang Sun-won e Yi Mun-yol e os poetas Kim Chun-su e Park In-hwan".
TOP 5
(alguns ícones da produção cultural sul-coreana):
> Um megahit mundial (que não seja Psy): a banda pop 2NE1, formada apenas por garotas
> Outro (agora uma banda só de garotos): Big Bang
> Um roqueiro: Shin Jung-hyeon, o "pai do rock coreano", ou ainda "o Jimi Hendrix da Coreia"
> Um programa de televisão exportado para todo o mundo: o desenho animado Pororo
the Little Penguin
> Uma polêmica: a pressão dos artistas contra o rígido (e longo) serviço militar obrigatório, marcado pelo isolamento (o cantor pop Rain foi um dos astros do país a violar suas normas, iniciando o debate nacional em torno do tema).
NIGÉRIA
> Os mais de 170 milhões de habitantes da Nigéria são descendentes de centenas de grupos étnicos. Para se ter uma ideia, estima-se que se fala, ou se falou, 250 diferentes línguas no país. Entre as civilizações antigas que povoaram o território nigeriano e que deixaram um legado cultural marcante estão os NOK, povoado nômade que se estabeleceu na região no século 5 a.C. e deixou uma produção escultórica com artefatos de cerâmica e ferro até hoje estudados pelos historiadores da arte. Outro tesouro nacional data do século 13 d.C.: os chamados Bronzes do Benim, coleção formada por mais de mil esculturas produzidas no período tido como pré-colonial da moderna Nigéria.
> O gênero musical mais difundido na Nigéria é o afrobeat, que surgiu nos anos 1960 a partir da mistura do jazz e do funk norte-americano com estilos típicos do oeste africano, a exemplo do highlife, originário da vizinha Gana mas muito difundido no território nigeriano. Mais recentemente, a influência do hip hop (outra vez a referência dos Estados Unidos...) deu nova força ao pop nigeriano. Como já ocorria desde meados do século passado, o afrobeat é marcado pelo forte apelo dançante - e, agora, eletrônico. O músico, compositor e ativista cultural Fela Kuti (1938 - 1997) é "o cara": tem festejada carreira solo, além da prolífica colaboração com o grupo África 70, amado no país por sua música e sua representatividade política. Fela Kuti, vale citar, fez sua herança valer inclusive por meio dos trabalhos de seus filhos, Femi e Seun, hoje dois dos principais expoentes da música popular nigeriana.
> Com mais de 2,6 mil filmes produzidos por ano, a Nigéria tem a maior indústria de cinema do planeta, conhecida internacionalmente como Nollywood. Mas atenção: não se trata de uma produção grande do ponto de vista econômico, ou qualitativo, mas apenas quantitativo. O país tem pouquíssimos cinemas, o que significa que essa grande quantidade de curtas e longas-metragens é produzida para ser vendida em DVD, mesmo. E com recursos técnicos precários, em muitos casos - em média, um filme nigeriano custa US$ 20 mil. O boom produtivo é bem recente: surgiu e cresceu nos anos 1990, conforme a (enorme) aceitação dos filmes lançados, primeiramente, em VHS, a exemplo de Living in Bondage (1992), de Chris Obi Rapu, apontado por pesquisadores como um dos marcos iniciais dessa grande onda cinematográfica. Entre os nomes mais requisitados do país, estão o do diretor Lancelot Idowu (autor de pelo menos 150 filmes) e o superastro local Desmond Elliot (ator de pelo menos 95).
> O Brasil no horizonte: o Festival de Arte Negra, realizado anualmente em Lagos e uma referência mundial da produção e preservação da cultura de raízes africanas, homenageou o Brasil na sua edição de 2013, particularmente o pesquisador paulista Abdias do Nascimento (1914 - 2011), considerado uma autoridade mundial no assunto.
TOP 5
(alguns ícones culturais nigerianos):
> Um Nobel: o escritor Wole Soyinka, 79 anos, para muitos o maior dramaturgo de toda a África
> Um grande romancista do país: Chinua Achebe (1930 - 2013), autor de O Mundo se Despedaça (1958), traduzido para 50 idiomas, entre outros livros
> Um estilo musical nigeriano (além do afrobeat)> Jùjú, ritmo marcado pelo uso da percussão, derivado da cultura do povo Yoruba
> Um superstar e um megahit: Wizkid, jovem cantor famoso por Holla at Your Boy, entre outros sucessos internacionais
> Um músico cultuado pelos indies na Europa e nos EUA: o mago dos sintetizadores
William Onyeabor.