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Há três anos, um antigo diretor de Operações da Corsan garantiu, "com todas as letras": nenhum gaúcho sofreria mais com falta de água no final de ano. Neste final de semana de Natal, no entanto, moradores de diferentes cidades ganharam de presente, mais uma vez, torneiras secas.
Em 2013, segundo o então diretor Antônio Carlos Martins, uma obra de R$ 1,3 bilhão garantiria que o sistema de distribuição estaria, enfim, apto para abastecer todos os municípios atendidos pela Corsan – contando, inclusive, com as oscilações de população, que crescem substancialmente em determinadas regiões, como o litoral, no verão.
Agora à frente da diretoria de Operações, o engenheiro Eduardo Carvalho garante que o problema não é estrutural, ou seja, não depende da Corsan:
– Infraestrutura tem. A Corsan está apta ara atender a todos os municípios mesmo no verão, desde que não haja acidentes – afirmou Carvalho, citando que investimentos continuaram sendo feitos nos últimos anos. – O problema foi que tivemos acidentes, por isso paramos abastecimento para fazer o conserto e isso, associado ao alto consumo, alongou o sofrimento.
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Por acidentes, o diretor considera rompimento de adutora (o que ocorreu em Viamão e em Portão) e falta de luz (caso de Santa Maria). Já em Gramado, na Serra, a capacidade ficou aquém do consumo, admite Carvalho.
– Temos capacidade para quatro, cinco vezes a população de Gramado, mas a população flutuante tem ficado bem acima. Vamos ampliar produção e reservatórios, além de planejar obras para ir a sete, oito vezes o número de habitantes – promete Carvalho.
Diretor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o engenheiro e pós-doutor Carlos André Bulhões Mendes concorda que há imprevistos que possam prejudicar o abastecimento, mas rechaça outras "desculpas":
– Há lugares no mundo, como desertos, onde há seca meteorológica. Mas aqui no Rio Grande do Sul, a seca é derivada da nossa capacidade, ou incapacidade, de administrar a água. Vivemos num "país abençoado por Deus e bonito por natureza", não temos seca, mas temos muita dificuldade de administrar.
Mendes lembra de um caso "inconcebível" ocorrido no ano passado em que o alagamento de uma casa de bomba provocou desabastecimento de água na Região Metropolitana.
– É verdade que há emergências, como falta de luz, ou como "gato", roubo e uma série de problemas atrelado à população. Mas temos um dilema na administração muito mais profundo do que a Corsan e o Dmae admitem e controlam. Envolve irrigação, administração de bacias, lançamento de poluição. Temos ciclos que se repetem todo ano e, ainda assim, temos incapacidade de levar água para a casa das pessoas – conclui o engenheiro.
Com torneiras secas, população busca alternativas
Em Gravataí, o problema não foi a falta de água, mas a cor:
– Parecia Coca-Cola saindo da torneira – relatou o comerciante Vilson Kremer, 29 anos.
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A Corsan credita o episódio a manobras feitas pela equipe técnica, que buscava evitar o desabastecimento. Segundo Carvalho, a água acabou passando em locais e por sentidos incomuns, levando consigo o acúmulo de minerais que fica nas tubulações.
Moradora de Alvorada, Priscila Graciela de Camargo da Silva criou estratégias para lidar com a constante oscilação no abastecimento – corriqueira nessa época do ano, segundo ela, desde que se mudou para a cidade, há 12 anos. No Natal de 2015, ela, o marido e as duas filhas tomaram banho com água da piscina. Neste ano, baldes e garrafas estão sempre cheios, prontos para saciar a sede dos quatro cachorros, lavar a louça ou utilizar nos vasos sanitários.
– Hoje de manhã, fui na academia às 7h com minha filha. Fui tomar banho só ao meio-dia – conta, exemplificando os dramas do seu dia a dia, que se repetem nos finais de noite e início da manhã, segundo ela.
O maior medo para a dona de casa é queimar a recém-comprada máquina de lavar. Nesta segunda-feira, segundo a Corsan, problemas elétricos em uma estação de tratamento afetaram o abastecimento – outro problema pontual e acidental, segundo o diretor de Operações.
– Fatores acidentais afetam o abastecimento no mundo todo. Não é normal, mas é inerente – aponta Carvalho.
Segundo ele, o ideal é que todas as casas tivessem reservatórios de água, o que manda a lei, para aguentar algumas horas sem abastecimento até que o conserto seja concluído. É o que Priscila pretende fazer nos primeiros meses de 2017:
– Não quero passar mais nenhum Natal nessa agonia.
Ano-Novo
Para o Ano-Novo, a promessa de Carvalho é que não faltará água se não houver "imprevistos":
– O Natal foi nossa "temperatura" no litoral e ocorreu tudo certo. Os gaúchos podem esperar infraestrutura adequada e equipes reforçadas. Se acidentes ocorreram, haverá máximo de empenho para que o desconforto seja no mínimo tempo possível.
Já o prefeito de Arroio do Sal, no Litoral Norte, e presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Luciano Pinto (PDT), prevê desabastecimento.
– Em Capão da Canoa, Tramandaí, Atlântida e Xangri-lá tem acontecido quando há pico, no Natal, Ano-Novo e Carnaval, sempre tem problema, e acho difícil não ter de novo. O investimento não alcança o patamar do movimento – afirma ele.
A não ser alguns relatos informais pontuais, Pinto diz que não há uma insatisfação geral das prefeituras e que, se houvesse, faria uma cobrança à Corsan – que atende 320 municípios, mais de 7 milhões de gaúchos. Para o presidente da Famurs, os prefeitos deveriam cobrar na assinatura ou renovação dos contratos as obras necessárias e em um tempo curto – e não aceitar que as melhorias sejam feitas em 25 anos, que é o tempo de concessão.