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Se as mortes provocadas por causas externas – especialmente assassinatos – pudessem ser evitadas, a expectativa de vida ao nascer dos homens gaúchos poderia aumentar em 2,71 anos. A conclusão é de um estudo da Fundação de Economia e Estatística (FEE), com base em dados do órgão e do DataSus.
Elaborado pela pesquisadora Marilene Dias Bandeira, o trabalho rastreou 244,6 mil óbitos registrados no Estado entre 2012 e 2014. Quase 10% deles (23,3 mil) não decorreram de doenças, mas de algum tipo de violência ou tragédia, e afetaram principalmente a população masculina, com 18,5 mil vidas perdidas – quatro vezes mais do que entre as mulheres.
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O contingente incluiu 6,7 mil homicídios, 5 mil acidentes de trânsito e 2,7 mil suicídios, entre outras ocorrências. Em um exercício hipotético, se as causas externas não tivessem existido no período, a expectativa de vida dos meninos ao nascer, em 2014, aumentaria de 72,17 anos para 74,88 anos.
A diferença é muito próxima do avanço registrado ao longo de mais de uma década (de 2002 a 2014) para os homens, quando o indicador cresceu 2,75 anos. E é especialmente preocupante, segundo Marilene, em relação aos jovens, já que um terço dos óbitos por causas externas ocorreu entre as idades de 15 e 29 anos em 2014.
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Na avaliação da pesquisadora, os números indicam a necessidade de se intensificarem políticas públicas que ajudem a reduzir os óbitos por causas violentas, por se tratar de casos passíveis de prevenção na maioria das vezes.
Embora a prevalência masculina em estatísticas do tipo, conforme o analista criminal Guaracy Mingardi, não seja exclusividade do Rio Grande do Sul, o fenômeno merece atenção. Mingardi afirma que a situação se repete em todo o país, inclusive entre a parcela mais jovem da população.
– Isso é histórico no Brasil. Nos últimos anos, tem crescido o número de mulheres no tráfico, por exemplo, mas os homens ainda são maioria no mundo do crime e, consequentemente, matam e morrem mais – diz Mingardi.
De acordo com o Atlas da Violência 2016, 46,9% dos homens que morrem entre os 15 e os 29 anos são vítimas de homicídio. O índice salta para 53% entre adolescentes de 15 a 19 anos. As causas do fenômeno, segundo o sociólogo José Luiz Bica de Melo, da Unisinos, são múltiplas. Desde cedo, por exemplo, os meninos sofrem pressões para se mostrar fisicamente fortes e dominantes e acabam reproduzindo o padrão ao longo da vida, muitas vezes com violência. Não por menos, crimes de honra continuam ocorrendo em pleno século 21.
– Não podemos desprezar os fatores culturais arraigados nas práticas sociais. Estudos mostram que, por causa disso, os homens tendem a se colocar mais em risco. Isso vale para crimes e também para acidentes de trânsito, especialmente com jovens – afirma Melo.
O economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acrescenta fatores biológicos e psicológicos à explicação. Ele lembra que, na adolescência, os meninos passam por uma série de mudanças associadas à explosão da testosterona – principal hormônio masculino – e por um processo de autoafirmação nem sempre fácil. O resultado, em muitos casos, é um aumento da agressividade e do envolvimento em brigas com desfecho trágico.
Além de desestruturar famílias, as mortes precoces acabam afetando a força de trabalho e a economia de cidades, Estados e nações. Em sua tese de doutorado, intitulada Causas e Consequências do Crime no Brasil, Cerqueira concluiu que o custo dos homicídios equivale a 2,5% do PIB do país, isto é, de toda a riqueza que a nação produz.
– Quando as pessoas morrem prematuramente, deixam de consumir e de produzir. O resultado não é só redução de riqueza para a sociedade. No longo prazo, significa perda de produtividade e menos desenvolvimento – afirma o economista.
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