
A família está contente com o sucesso do transplante de córnea. Cadu voltou às aulas no Colégio Estadual Alceu Wamosy, no centro de Livramento. Ainda senta na primeira fila, rente ao quadro-negro, mas não precisa mais que o colega ao lado traduza o que a professora escreve a giz. O intérprete cochichava as lições, porque Cadu não via letras, desenhos e números.
No dia 15, Cadu assiste à aula de matemática, na sala de número quatro. É sobre a diferença de dois quadrados, uma lição para lá de espinhosa.
- Qual é a raiz quadrada de 25? - pergunta a professora Denise Oliveira da Costa, 18 anos de profissão.
- Ciiincooo! - é o coro dos alunos, entre eles o Cadu.
Denise pede concentração, ralha amorosamente com uma estudante - "guria, psiu!" - que consulta o netbook ao fundo da classe. Todos receberam um aparelho igual por intermédio do Programa Província de São Pedro, da Secretaria Estadual de Educação. Dirigindo-se a Cadu, a mestra comenta, gracejando:
- Só que ele não tira nunca o boné...
Adepto de roupas folgadas, Cadu usa o boné até dentro de casa. Está à vontade na sala de aula, sente que era esperado pela turma. A coordenadora pedagógica, Elza da Silva Montoli, narra o esforço coletivo para não perder o aluno. Professoras forneciam trabalhos didáticos ampliados, em letras gigantes, e cogitavam comprar uma lupa para ele.
- A gente, como professora, se desesperava - conta Elza.
Cadu está no oitavo ano do Ensino Fundamental, atrasou-se porque perdeu um na escola anterior, em função das faltas e do tratamento médico. No Alceu Wamosy, receberá atividades extras para compensar os dias perdidos. Professora de história e geografia, Aida Valéria Batista exulta que ele retornou mais interessado.
- A gente estava em dúvida... Mas ele já consegue ler o livro didático, o que antes não podia - observa Aida.
Todos elogiam a persistência da mãe de Cadu. A orientadora educacional, Neuza Noeli Almeida de Oliveira, diz que Carla Simone avisava sobre as viagens para consultas no
Banco de Olhos, dava satisfações, pedia paciência, assegurava que o filho voltaria.
Outro sinal do ânimo de Cadu está nos cadernos. Antes de se submeter ao transplante, ele escrevia em letras tão miúdas que as professoras reclamavam, não entendiam as respostas que ele dava. Atualmente, o texto está maior e mais solto, como os papagaios de papel que empina no Morro do Caqueiro.
- Percebo a felicidade no que ele faz - ressalta Aida.
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