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Cadu conquistou autonomia após o transplante, pode vasculhar as ruas de Livramento sem ansiedades. Vai ao armazém de secos & molhados perto de casa para comprar a bolacha preferida da bisavó, dona Palmira, que adora molhá-la no café com leite. É um biscoitão duplo, similar aos uruguaios, o qual é localizado sem os enganos de antes entre as mercadorias dispostas na prateleira atrás do balcão.
- O Eduardo (trata o Cadu pelo segundo nome) é gente boa, vem seguido aqui - diz o dono do mercado, Fábio André Soarez Silva, 33 anos, casado com uma uruguaia.
A prova final, para Carlos Eduardo, é pegar o ônibus da linha São Paulo -040, que faz a rota do bairro Rui Ramos ao centro de Livramento. Ingressa no coletivo de motor barulhento, cheirando a óleo diesel, que sacoleja na rua sem calçamento até chegar ao alívio do asfalto. Acomoda-se junto à janela e passa a observar um saudável costume nas pequenas cidades: as pessoas ainda podem sentar-se na frente das casas, sem medo de ladrões, para tomar chimarrão e prosear com os vizinhos.
Ele não presta a atenção nos cartazes afixados dentro do ônibus. Um deles convida para um domingo com brechó, almoço e cinema gospel. Os participantes poderiam comprar erva-mate e lanches, a partir de porções cotadas a R$ 1.
Absortos em suas preocupações, os passageiros talvez não imaginem o quanto é desafiador, para o Cadu, andar de ônibus sozinho. É que, mais de uma vez, ele paralisou na parada do coletivo, pois não conseguia ler a faixa São Paulo - 040 do veículo que se aproximava. E o ônibus passava reto, sem que embarcasse.
O pior ocorreu no centro de Santana do Livramento, quando Cadu deveria apanhar o ônibus e voltar para casa. Não achava o terminal. Sentiu vergonha de perguntar onde estava a linha São Paulo. Todas se pareciam no embaralhamento dos seus olhos. Resultado: atrasou-se, encontrou a mãe aflita.
O garoto que recuperou a visão não paga os R$ 2 da tarifa de ônibus. Vale-se de uma carteirinha PPD (Pessoa Portadora de Deficiência), concedida pela Secretaria Municipal de Assistência e Inclusão Social de Livramento, o que garante a isenção. Ela vence em 10 de janeiro de 2015 e poderá simbolizar a alforria de Cadu. É que poderá coincidir com a data do encaminhamento do segundo transplante.
Outro plano é tornar a confeccionar pipas, talvez concorrer no festival da Páscoa, quando pandorgueiros santaneses e uruguaios duelam no parque do Batuva. Cadu pensa fazer um marimbo, de um metro de altura e armado com oito varetas, nas suas cores prediletas: amarelo, roxo, rosa e preto.
O brinquedo deverá ser resistente contra os negaceios do vento - como a fibra da mãe, Carla Simone. E voar até o fim do carretel, rumo à imensidão azul, pois Cadu confia que não o perderá de vista.
Leia desde o início:
Cadu volta a enxergar e expande seu universo
Lembranças de uma infância às cegas
Um exame de visão informal
Cicatrizes que marcam gerações
A volta às aulas após o transplante
Ele não desistiu após a primeira frustração
Planos para uma nova data de nascimento