As janelas agora se abrem, após uma década de quase escuridão. A mãe de Cadu, Carla Simone Bueno Pacheco, 33 anos, diz que o filho tinha "visão de ceguinho". Para mirar as nuances de algum super-herói na TV, sentava-se na guarda lateral do sofá, o rosto colado à tela. Quando procurava um CD no armário, e não achava o que estava lá no lugar de sempre, irritava-se.
Carla Simone não sabe exatamente, mas acha que a perda da visão se acentuou aos cinco anos de idade. Não havia óculos que resolvessem, nem aquelas lentes de fundo de garrafa. O oftalmo receitou o grau máximo, mas o mundo continuava turvo e gasoso.
Era como se Cadu habitasse outra dimensão. Nas peladas de futebol, nos campinhos rapados do bairro Rui Ramos, percebeu que seria melhor atuar como zagueiro. A tática era grudar no centroavante para encontrar a bola e ser útil ao time.
Nos jogos de taco, em que um dos objetivos é rebater a bolinha do tamanho de um limão, era um desastre. Se acertasse a tacada, diziam que fora sorte. Os amigos não riam das furadas, fingiam ignorar a situação, mas outros partiam para o bullying _ e depois se arrependeram amargamente por tê-lo chamado de "caolho" e "ceguinho". É que Carlos Eduardo, 1m81cm de altura, não é de levar desaforos para casa. Detesta brigas, mas não corre delas.
O contratempo ocorreu na escola Celina Vares, na saída da aula. Cadu interpelou os zombadores separadamente, na rua, um de cada vez. Pediu para que parassem com os deboches. Alguns se desculparam, prometeram se emendar, e eram sinceros. Com os que insistiram no bullying, houve uma troca de socos, pois é assim que os guris da fronteira acertam as diferenças.
Um dos momentos desesperadores para Cadu, em decorrência da cegueira, aconteceu quando foi a uma reunião dançante, à noite. Ao entrar na bailanta, ficou num canto à procura dos amigos. Mas não pôde vê-los, todos pareciam vultos a se movimentar na penumbra, como fantasmas cujas formas se diluíam. Foi embora.
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