Cultura e Lazer

Copa Cultural

Série do Segundo Caderno destaca seleção da cultura Argentina

De Martín Fierro a Mafalda, confira emblemas nacionais da produção cultural dos hermanos

Daniel Feix

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Natália Gomes / Zero Hora

A quinta e penúltima edição da série sobre a cultura dos países que visitarão Porto Alegre durante a Copa do Mundo faz uma viagem curta, mas cheia de expectativas. É da Argentina que vêm alguns dos filmes pelos quais os brasileiros (e os gaúchos, em particular) são apaixonados. São argentinos (de nascimento ou, ao menos, de alma) alguns dos músicos, cantores, bandas e ritmos cultuados por aqui desde, pelo menos, meados do século passado.

Carlos Gardel (1890 - 1935) nasceu na França ou no Uruguai (a eterna controvérsia), mas despontou para o mundo a partir dos bares e das ruas de San Telmo, em Buenos Aires. Vamos começar a visita ao país vizinho por ele e seus contemporâneos, sem esquecer, no entanto, de que a produção cultural argentina teve início bem antes (como Jorge Luis Borges lembrou em seus escritos) e abrange manifestações muito mais amplas, sobre as quais Borges (1899 - 1986) igualmente discorreu.

Da cultura gaucha às chacareras e a danças típicas como a zamba, o folclore argentino é riquíssimo em sua capacidade de sintetizar as influências crioulas, missioneiras, indígenas, africanas e europeias que formaram o país. Vamos dar uma passada rápida pelo que historiadores e intérpretes trataram de imortalizar ao longo dos anos, mas é bom se ter em mente: há muito, muito mais a descobrir. Boa viagem!

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> Começar esta edição da série falando de tango é o maior clichê possível, mas é tão inevitável associar o gênero musical à Argentina quanto o samba ao Brasil e o jazz aos EUA. Aqueles boêmios portenhos que inventaram a milonga sentimental no início do século 20, usando um dialeto local (o lunfardo) para cantar as dores do amor - todos devidamente simbolizados pela figura de Gardel -, são, na verdade, a personificação, um tanto caricata, como o são certas representações artísticas, de um povo inteiro. Nos anos 1940 e 50, triunfaram as grandes orquestras tangueiras (alguns de seus expoentes apareceram no recente documentário Café de los Maestros, veja!). Depois disso, Astor Piazzolla (1921 - 1992) ainda inventou o tango moderno, um equivalente argentino ao que foi a bossa nova para o samba, se o caro leitor der licença para uma comparação um tanto tosca. Mas não adianta: é o tango-canção das décadas de 1910, 20 e 30 a música que melhor representa o país vizinho. Dicas rápidas para entrar no clima: Mi Noche Triste, de Samuel Castriota e Pascual Contursi, Volver, de Alfredo Le Pera e Gardel, e a obra-prima insuperável Mano a Mano, de Gardel, José Razzano e Celedonio Flores, tango preferido de argentinos ilustres (o gênio Julio Cortázar entre eles) e do escriba responsável por esta série.

> Quem nunca se emocionou com a voz de La Negra em Duerme Negrito, Volver a los 17 ou Sólo le Pido a Dios bom sujeito não é. Mercedes Sosa (1935 - 2009) ajudou a popularizar versos do folclore latino-americano, cantou a obra do mítico Atahualpa Yupanqui (1908 - 1992) e se tornou a principal voz política de um continente reprimido. Ela e, entre alguns outros, León Gieco. Um dos integrantes da seminal banda roqueira Porsuigieco, Gieco também foi um dos alicerces sobre os quais o pop rock argentino se ergueu, sobretudo, a partir dos anos 1970 - muito embora sejam Charly García e Luis Alberto Spinetta, e todos os vários projetos com os quais estes dois se envolveram desde a década de 1960, as principais referências do muito apreciado rock argentino. Se você gosta de rock‘n’ roll e, do país vizinho, só conhece Fito Páez e sua Mariposa Tecknicolor, dê uma procurada pelas bandas (e seus respectivos integrantes) Los Gatos, Pescado Rabioso, Almendra, Sui Generis, Serú Girán, Los Fabulosos Cadillacs, Abuelos de la Nada, Soda Stereo, Sumo, Virus, Babasónicos, Los Piojos, Attaque 77...

> Você é fã de Ricardo Darín, chorou vendo O Filho da Noiva e O Segredo dos Seus Olhos (ambos de Juan José Campanella). Ok. Saiba que Darín não está sozinho. A partir da virada do milênio, com a ascensão de uma geração de cineastas dispostos a refletir sobre o país, como Lucrecia Martel (de O Pântano), Daniel Burman (O Abraço Partido) e Pablo Trapero (Família Rodante), a Argentina se colocou entre as principais cinematografias contemporâneas. Ainda melhor do que os filmes produzidos por lá no século 21, no entanto, é a história que os precede. Jeito prazeroso de tomar contato com ela: devorando a obra inteira de Fernando Solanas (de A Viagem e A Nuvem) e descobrindo a trajetória inspiradora de Fernando Birri (o autor cinemanovista do seminal Tire Dié). Birri, aliás, é o homenageado de um lindo longa recente de Eliseo Subiela: Paisagens Devoradas (2012). Sim, Subiela, o mesmo do clássico Homem Olhando o Sudeste (1986). Muitas dicas? Tome fôlego, porque ainda há Luiz Puenzo (de A História Oficial, outro clássico oitentista) e Leonardo Favio (Crônica de um Menino Só, clássico cinemanovista), para citar alguns nomes fundamentais do cinema latino do século 20.

> O poema épico Martín Fierro, publicado por José Hernández entre 1872 e 1879, pode não ser o marco inicial da literatura argentina, mas é um dos pontos de partida de um universo mitológico, o do gaucho, que respinga nas regiões vizinhas - incluindo o Rio Grande do Sul. Foi no século 20, no entanto, que a produção literária da Argentina alcançou reconhecimento universal, especialmente com Jorge Luis Borges (de O Aleph), Julio Cortázar (O Jogo da Amarelinha), Adolfo Bioy Casares (A Invenção de Morel), Rodolfo Walsh (Operação Massacre) e toda a grande onda de autores adeptos do realismo mágico. Antes deles havia, entre outros, Horacio Quiroga (que nasceu no Uruguai, mas viveu muitos anos em Buenos Aires, onde publicou Contos de Amor, Loucura e Morte). E, mais recentemente, entre os nomes que podem servir de porta de entrada para a sua ampla e rica gama de bons escritores, há Rodolfo Fogwill (Os Pichicegos) e Ricardo Piglia (Respiração Artificial).

> Radicado em Paris, o argentino Julio Le Parc, 85 anos, é um pioneiro da arte cinética - e da própria arte contemporânea universal. No fim do ano passado, ganhou uma ampla retrospectiva no Rio de Janeiro. E, 15 anos atrás, foi o grande homenageado da então incipiente Bienal do Mercosul. Além dele, a megamostra porto-alegrense já apresentou ao público gaúcho uma série de nomes de referência da arte argentina, entre os quais León Ferrari (1920 - 2013), Antonio Berni (1905 - 1981), Xul Solar (1887 - 1963) e Jorge Macchi, hoje com 50 anos. Não por acaso, Buenos Aires tem um dos principais museus dedicados à arte latino-americana (o Malba, que conta com trabalhos referenciais de Tarsila e Di Cavalcanti, entre muitos outros): ao longo da segunda metade do século 20, a Argentina consolidou-se como um centro da produção artística do continente.

O Brasil no horizonte: Um dos grandes compositores do tango em sua fase mais áurea é brasileiro: Alfredo Le Pera (1900 - 1935). Paulista, Le Pera foi morar com os pais no Uruguai aos dois anos de idade. Depois, mudou-se para a Argentina, onde trabalhou como jornalista, crítico teatral e tradutor de cartazes e tabletes de filmes mudos da Paramount. Fez o meio de campo com Carlos Gardel quando a produtora de Hollywood queria levá-lo ao cinema e, dali por diante, tornou-se o principal parceiro do grande intérprete, tendo composto, entre outros, os tangos Por una Cabeza, El Día que Me Quieras, Melodía de Arrabal e Mi Buenos Aires Querido. Le Pera morreu junto com Gardel, no mesmo acidente de avião que os vitimou, ainda jovens, no auge da carreira artística.

TOP 10
(alguns ícones da cultura argentina):

1) Um rosto emblemático da cultura pop: Ernesto Che Guevara (1928 - 1967).
2) Uma personagem emblemática da cultura pop: A adolescente Mafalda, criada pelo cartunista Quino.
3) Outros cartunistas geniais de um país cheio de cartunistas geniais: Liniers, Maitena, Carlos Nine.
4) Um fenômeno infanto-juvenil: Violetta, personagem da Disney encarnado por Martina Stoessel
5) Uma diva histórica do teatro e do cinema: Norma Aleandro
6) Uma musa argentina de Pedro Almodóvar: Cecilia Roth
7) Uma musa argentina do cinema francês: A atriz Bérénice Bejo, de O Artista (2011), nasceu em Buenos Aires
8) A "Noiva da América": Libertad Lamarque (1908 - 2000), atriz de melodramas e musicais que foi a Hollywood, espécie de Carmen Miranda argentina
9) Os dois maiores atores argentinos (antes do fenômeno Darín): Federico Luppi e Héctor Alterio
10) Um oscarizável (além dos filmes A História Oficial e O Segredo dos seus Olhos, os dois argentinos vencedores na categoria Melhor Longa Estrangeiro): O compositor Gustavo Santaolalla, ganhador na categoria trilha sonora por O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Babel (2006).

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