
Ao tomar conhecimento de que o Ministério Público (MP) havia pedido o bloqueio dos bens de Leandro Boldrini, acusado de matar o filho Bernardo Uglione Boldrini, os irmãos dele tentaram retirar milhares de reais das suas contas e diluir os valores em outras contas para salvar o patrimônio financeiro do médico. Escutas da Polícia Civil revelam que, em 25 de abril, a família de Boldrini trocou telefonemas, às pressas, para buscar uma solução rápida que impedisse o bloqueio. A ordem havia sido expedida naquele mesmo dia. Para o MP, a herança de Bernardo pode ser parte do montante. O inventário ainda está sendo discutido judicialmente.
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- Larga, larga tudo, transfere pra uma conta tua e vai lá na Cotricampo e passa um cheque pra eles lá e abre uma lá. [...] Pelo menos aquela grandona (uma conta) do Banco do Brasil dá pra fazer - diz uma pessoa, ainda não identificada, para Paulo Boldrini. Eram 13h51min.
O irmão do médico questiona o interlocutor sobre os riscos legais de fazer a operação e ouve que "não, só depois se tu for notificado pelo juiz. Aí tudo bem, diz que pagou o advogado e que a gente tinha contas pra pagar etc".
O outro irmão dele, Vilson Boldrini, tinha procuração para mexer nas contas do acusado. O objetivo da família, de acordo com as escutas telefônicas, era salvar, principalmente, o montante depositado no Banco do Brasil. Às 13h56min, Paulo liga para Vilson e pede para ele correr ao banco. Naquele instante, Vilson prestava depoimento à Polícia Civil:
Leandro Boldrini (C) com os irmãos Vilson (E) e Paulo (D) / Reprodução

- Tem que ir lá e transferir o dinheiro daquela conta da clínica pro teu nome porque os caras vão bloquear tudo e tem que ir lá a tempo. Tudo o que conseguir passar para o teu nome, passe. Daí, depois, nós vamos passar para a conta ali e dar um jeito. Não tem que esperar, tem que sair daí correndo, tem que dizer para os caras (da Polícia Civil) "tenho um negócio para fazer urgente agora".
"Mete transferência, transfere tudo que dá"
No dia seguinte, às 15h, Paulo Boldrini recebe uma ligação do advogado Andrigo Rebelato, que representa o médico na esfera cível. Ele recebe a ordem de transferir tudo que puder do acusado para uma conta particular do próprio Paulo:
- Mete transferência aí, transfere o que dá. Vai transferindo para a tua conta. Transfere cinco mil, dez mil, e se der certo vai fazendo uma por dia, no limite máximo. (...) Uma coisa é a Justiça bloquear, outra é você ter conhecimento que foi bloqueado. Você não foi intimado, entendeu? (...) Tu não sabe que foi bloqueado.
Paulo responde que vai tentar e é incentivado pelo advogado: "exatamente, exatamente, exatamente isso". Rebelato explica que o dinheiro é fruto do trabalho do médico e será desbloqueado:
- É dinheiro dele, de salário dele, de rendas auferidas no ano de 2013 e no primeiro trimestre de 2014. Ele fez procuração pública para um dos irmãos movimentar as contas como quisesse. Não há um centavo aí da herança de Bernardo.
Promotora fala em atitude perversa
A solicitação de bloqueio dos bens foi feita pela promotora Dinamárcia Maciel de Oliveira, que atuou no caso e, posteriormente, deixou Três Passos devido a uma promoção recebida antes do assassinato de Bernardo. Ela disse a Zero Hora que o pedido foi feito à Justiça na manhã de 25 de abril, e que os valores não poderiam ter sido sacados:
- Pedi bloqueio de bens porque não se sabia quais eram do Bernardo e quais do Leandro. Essa confusão de patrimônio poderia levar ao absurdo de os bens do menino custearem a defesa do assassino. É uma coisa muito perversa. A criança é morta por quem deveria protegê-la e, ainda por cima, os bens que o menino teria direito pagam a defesa técnica do algoz.
O inventário de Leandro Boldrini ainda é discutido na Justiça. Segundo a promotora, ele sonegou informações sobre o patrimônio. Para o advogado dele, Jader Marques, a promotora se precipitou. Ele estima em cerca de R$ 1,5 milhão o patrimônio do médico, quase toda a parte adquirido após a morte de Odilaine Uglione, mãe de Bernardo, ocorrida em 2010.
- Existe um valor de discussão de herança do Bernardo que corresponde a 10% do valor do patrimônio de Boldrini. Havia despesas da clínica, débitos pessoais e a defesa do processo, tudo isso teria de ser gerido por alguém. Um irmão foi escolhido e precisava transferir os valores. A promotora se precipitou e quis impedir, como se a parte do Bernardo fosse significativa.
O total retirado das contas de Leandro Boldrini não foi informado. Zero Hora procurou os irmãos do pai de Bernardo, mas não os localizou.
Assista ao depoimento prestado por Edelvânia à Polícia Civil:
Relembre o caso
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugulini, 36 anos, para comprar uma TV.
De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini - que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município -, a madrasta, uma amiga dela, identificada como Edelvânia Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo.
Posteriormente, o irmão de Edelvânia - Evandro Wirganovicz - foi preso temporariamente por suspeita de facilitar a ocultação de cadáver, crime pelo qual ele acabou denunciado pelo Ministério Público.
Após pedido de aditamento do MP, a Justiça também aceitou a denúncia de Evandro por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emprego de veneno e recurso que dificultou defesa da vítima), e decretou sua prisão preventiva.