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Com a vitória sobre os EUA, a Alemanha ficou em primeiro lugar no grupo G do Mundial e, assim, estará em Porto Alegre nesta segunda-feira para jogar contra a Argélia - que já pisou no Beira-Rio, enfrentando a Coreia do Sul. A passagem da seleção alemã pela Capital levou o 2° Caderno a retomar a série Copa Cultural, que apresentou ícones da cultura dos países que jogaram no Estado - a Argélia foi destaque no dia 11 de junho.
Dar conta da enorme produção artística de um país com tradição cultural tão longeva quanto a Alemanha não é uma tarefa fácil. Reunimos aqui algumas das maiores influências, em diversas áreas da criação e do conhecimento. A própria origem da Alemanha está ligada a uma história que ultrapassa as fronteiras que hoje demarcam o país. A Germânia ficou conhecida como a região da Europa localizada além dos limites do Império Romano, mais precisamente entre o Reno e as florestas e estepes do que hoje é a Rússia. Essa extensa área foi habitada, ao longo dos séculos, por diveros povos que comungam da tradição germânica.
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Reinvenção do cinema
O cinema nasceu na França, ganhou o mundo a partir dos EUA e teve na Alemanha um dos mais fervilhantes caldeirões de invenção no século passado. Nos anos 1920, as sombras do expressionismo alemão elevaram a linguagem cinematográfica graças a diretores como Robert Wiene (O Gabinete do Dr. Caligari), Carl Boese e Paul Wegener (O Golem), F.W. Murnau (Nosferatu) e Fritz Lang (Metrópolis). Hollywood deve parte de sua profissionalização aos alemães que rumaram para lá na era do cinema mudo e, posteriormente, fugindo da ascensão de Hitler. A partir dos anos 1960, realizadores como Rainer W. Fassbinder (1945 - 1982), Werner Herzog, Volker Schlöndorff, Wim Wenders, Margarethe von Trotta e Wolfgang Petersen recolocaram o cinema alemão em destaque. Nas décadas de 1990 e 2000, a tradição cinéfila do país renovou-se na Alemanha reunificada e multicultural. Nessa leva, destacam-se Tom Tykwer (Corra, Lola, Corra), Wolfgang Becker (Adeus, Lenin!), Oliver Hirschbiegel (A Queda - As Últimas Horas de Hitler), Florian Henckel von Donnersmarck (Oscar de filme estrangeiro com A Vida dos Outros), Marc Rothemund (Uma Mulher Contra Hitler), Uli Edel (O Grupo Baader Meinhof), Dennis Gansel (A Onda) e o alemão de origem turca Fatih Akin (Do Outro Lado).
Usina eletrônica
Poucos discutem que os alemães inventaram a música eletrônica - ou pelo menos foram os primeiros a colocar todo mundo para dançar feito robôs. Os sintetizadores, que já figuravam no krautrock (mistura de eletrônico com rock), ganharam destaque com o lançamento de Autobahn (1974), do Kraftwerk. O grupo mudou os rumos da música pop, mas não pode ser culpado pela usina de eurodance que a Alemanha se tornaria no final dos anos 1980 e começo de 1990. Nesse período, produtores alemães recrutavam artistas do mundo inteiro para ser a voz e o rosto de grupos que não saíam do hit parade das FMs, como Snap! (The Power), Culture Beat (Mr. Vain), Haddaway (What Is Love) e a farsa vencedora do Grammy Milli Vanilli. Os alemães também se tornaram referência na música pesada, do hard rock (Scorpions) ao power metal (Blind Guardian, Helloween), passando pelo thrash (Sodom, Kreator) e o industrial (Rammstein). Embora, nos últimos tempos, seu maior produtor de exportação musical tenha sido o rock adolescente do Tokio Hotel e seu andrógino vocalista, Bill Kaulitz.
Eruditos e iconoclastas
Se o conceito de hitmaker existisse na época de Beethoven (1770 - 1827), caberia a ele, que marcou a virada do classicismo para o romantismo, assim como Mendelssohn (1809 - 1847) e Weber (1786 - 1826). Com os vizinhos austríacos Mozart e Haydn, Beethoven - e o alemão Brahms (1833 - 1897) - foi um ícone da escola vienense. Mas a tradição germânica vem de antes. Pense nos barrocos, como Telemann (1681 _ 1767), Händel (1685 - 1759) e, sobretudo, J.S. Bach (1685 _ 1750). Na era romântica, surgiram Schumann (1810 - 1856) e o incontornável Wagner (1813 -1883), que compôs harmonias revolucionárias. Richard Strauss (1864 - 1949) é autor da música que veio a ser trilha do filme 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968). Com a era moderna, vieram Carl Orff (1895 - 1982) e seu oratório Carmina Burana. Teve Hindemith (1895 - 1963), que tentou revitalizar o sistema tonal depois do furacão Wagner, e Kurt Weill (1900 - 1950), que levou os ritmos do jazz para a ópera. Até que o iconoclasta Stockhausen (1928 - 2007) subverteu tudo e formou a base da música eletroacústica.
Romantismo e Nobel
Na origem da literatura alemã, está uma rica mitologia nórdica e a Bíblia de Martinho Lutero. Na filosofia, de Leibniz, no século 17, até Hannah Arendt, no século 20, os alemães foram um farol a iluminar o pensamento. Nas letras, há expoentes de vários movimentos literários, como o classicismo de Schiller (1759 _ 1805) e Goethe (1749 _ 1832). Com Os Sofrimentos do Jovem Werther (1774), Goethe talvez tenha sido o primeiro autor alemão conhecido além das fronteiras do país. Ele se tornaria expoente do pensamento romântico, que rejeitava a racionalidade extrema do iluminismo francês. Hölderlin (1770 - 1843), Schelling (1775 - 1854), Novalis (1772 - 1801) ou o mestre do conto de horror E. T. A. Hoffmann (1776 - 1822), autor de O Quebra-Nozes e O Homem de Areia, foram nomes importantes da literatura romântica alemã. A influência das letras alemãs na cultura ocidental prosseguiria com autores como Heinrich Heine, os irmãos Heinrich e Thomas Mann e Heinrich Böll - os dois últimos ganhadores do Nobel de Literatura. Dois gigantes atuais são Günter Grass (nobel de 1999) e Hans Magnus Enzensberger.
Discípulos de Fausto
Figura influente do teatro moderno, Bertolt Brecht (1898 - 1956) tornou-se um dos autores mais encenados no mundo. Suas peças baseiam-se no princípio do distanciamento (em oposição à identificação do teatro dramático), estratégia pela qual buscava despertar o espírito crítico dos espectadores. Outra lenda das artes cênicas alemãs é Pina Bausch (1940 - 2009), bailarina e coreógrafa que ajudou a definir o gênero híbrido conhecido como dança-teatro. O cineasta conterrâneo Wim Wenders registrou uma bela homenagem póstuma no filme Pina (2011). É rica a história da dramaturgia do país. Goethe (1749 - 1832), o grande nome das letras alemãs, escreveu Fausto, peça monumental sobre um homem que vende a alma ao diabo. Seu contemporâneo Schiller (1759 - 1805) assinou clássicos como a peça A Noiva de Messina, além de ter sido um notável teórico da estética. A época, aliás, foi pródiga em autores que transitavam por diversas searas intelectuais, como Lessing (1729 _ 1781) e o influente Kleist (1777 - 1811). Büchner (1813 - 1837), autor de Woyzeck, é outra menção importante. Depois, vieram Wedekind (1864 - 1918) e o revolucionário Heiner Müller (1929 - 1995), entre outras estrelas.
Design como arte
Se o design alcançou status de arte, foi em grande parte por causa da Bauhaus, escola alemã criada em 1925 e até hoje influente na produção criativa. Mas a tradição artística do país é longeva. O Renascimento italiano, que contagiou toda a Europa entre os séculos 14 e 17, tem entre seus representantes alemães Albrecht Dürer (1471 - 1528). Já no século 20, com a radicalização criada pelas vanguardas, Max Ernst (1891 - 1976) foi um dos autores das imagens oníricas do surrealismo. Depois, com a chegada das performances, dos happenings e das instalações, Joseph Beuys (1921 - 1986) se tornou um dos mais importantes artistas alemães. A pintura, a escultura e a arte contemporânea como um todo devem muito aos trabalhos de nomes como Otto Piene, Heinz Mack, Gerhard Richter, Hans Haacke, Georg Baselitz e Anselm Kiefer, artistas em atividade.
O Brasil no horizonte
O filme alemão mais premiado e ovacionado em seu país nesta temporada é Heimat 4 (2013), de Edgar Reiz, um épico com 225 minutos. Nele, o diretor dá continuidade à monumental trilogia realizada entre 1984 e 2006, na qual passa em revista um século de história de seu país sob o ponto de vista dos moradores de uma pequena cidade, da ascensão do nazismo à realidade da Alemanha nos anos 2000. Ambientado nos anos 1840, Heimat 4 (Die andere Heimat - Chronik einer Sehnsucht) é um prólogo da saga, que destaca o Brasil na trama e, sobretudo, o Rio Grande do Sul. Os protagonistas são dois irmãos que sonham em seguir o êxodo dos alemães que fogem da miséria atrás da promessa de vida melhor - empolgam-se com notícias de amigos e parentes que chegam a Porto Alegre e outras cidades gaúchas.
Top 10: alguns ícones culturais alemães
> Duas musas do cinema alemão
Marlene Dietrich (1901 - 1992) e Diane Kruger
> Um grande filme alemão falado em inglês
Paris, Texas (1984), de Wim Wenders
> Um hit pop internacional
"Da da da", dizia o refrão da canção homônima lançada em 1982 pelo alemão Trio, que tocou sem parar nas rádios de todo o mundo
> Outro hit onipresente
99 Luftballons, com a cantora Nena em 1983
> 2 diretores alemães famosos em Hollywood
William Wyler (1902 - 1981) e Douglas Sirk (1897 - 1987)
> Um ícone alemão pioneiro dos quadrinhos
Max und Moritz, publicado em 1865 por Wilhelm Busch - traduzido no Brasil, por Olavo Bilac, como Juca e Chico
> Um astro de Hollywood nascido na Alemanha por acaso
Bruce Willis, filho de pai militar
> Um diretor que joga em dois times
O cineasta alemão Michael Haneke adotou a cidadania austríaca, país pelo qual venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro com Amor (2012), mas concorreu pela Alemanha com A Fita Branca (2009)
> Três discos de David Bowie gravados em Berlim
Low (1977), Heroes (1977) e Lodger (1979)
> Uma leitura infantil
As pesquisas dos Irmãos Grimm sobre o folclore germânico renderam ao mundo fábulas como Cinderela, Rapunzel e João e Maria